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4.1 Flama e O Cruzeiro

4.1.1. A Flama

A Flama foi uma das mais marcantes revistas em circulação em Portugal no século passado, tendo tido maior repercussão, sobretudo na segunda metade dos anos 60 e início dos 70, apesar de ter a significativa concorrência de outras publicações, como a “O Século Ilustrado” e “Vida Mundial”, sem falar na “Seara Nova”. Mas há a crença de que foi mesmo a Flama, de certa forma, a responsável por introduzir nos hábitos de leitura o gosto pelas newmagazines, um sucesso já de anos em outros países.

A revista foi fundada em fevereiro de 1937, ainda no formato de jornal quinzenal, de propriedade da instituição Juventude Escolar Católica. Naquele momento apresentava uma característica de jornal ilustrado de atualidades. Logo no número de estréia, o então diretor de redação explicou a escolha do nome, dizendo ser o jornal legenda e propaganda, já que Flama quer dizer luz e calor, o que era, segundo o diretor, a missão precípua daquela publicação justamente a de 6“espalhar luz e calor à sua volta”.

A composição inicial do jornal contava apenas com oito páginas em preto e branco, no primeiro ano. As pessoas podiam adquirir o jornal avulso, nas bancas, ou fazer uma assinatura e chegou mesmo a poder ser conseguida nas colônias portuguesas, assim como em outros países.

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Para reproduzir trechos das duas revistas, optamos por usar as aspas duplas e o itálico, com o objetivo de destacar as passagens analisadas.

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Entretanto, essa aventura de jovens estudantes católicos teve seu fim em janeiro de 1942. Após um hiato de dois anos, a publicação voltou, mas sob forma de revista, tendo sua reestréia em maio de 1944. Apesar de um novo formato, continuava de propriedade da Juventude Escolar Católica, contando com o apoio de um cardeal de Lisboa. Os cargos de diretor e de editor estavam sob a tutela do frei João Diogo Crespo, que, embora não tivesse seu nome na ficha técnica da revista, era, de fato, seu real “diretor editorial”, o qual assinava uma coluna de opinião sob o título: “À Margem”.

Instalados em novo endereço, foi lançado o primeiro exemplar da revista Flama, que passou a ter dezesseis páginas, contando com o recurso de utilização de muitas fotografias. É no segundo número da Flama, em 28/05/1944, que o diretor apresentaria o projeto da revista, até então mensal:

Flama tem entre os seus fins o de promover o progresso das letras e o do amor pela Ciência entre a gente môça. Podíamos ocultar um pouco a nossa qualidade de católicos activos e muito aumentaria o nosso público, mas a Flama não quer equívocos e tem amor a situações claras.

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A revista mantinha a estrutura ideológica sob a égide do catolicismo, porém ia além da mensagem cristã, tendo espaço para o esporte, o teatro, o cinema. Ademais, logo nesse segundo número, incorporou a tradição de apresentar uma entrevista com pessoas de vulto, no cenário do mundo dos espetáculos. Essa opção por entrevistar indivíduos de muita visibilidade repercutiu positivamente, em especial nos anos 60, momento em que essas celebridades quase sempre eram as capas da revista.

Em seu terceiro número, houve espaço para outro gênero jornalístico, a reportagem, contando com a forte contribuição da fotografia. A revista foi ganhando cada vez mais visibilidade e leitores e em 1948 já era a revista mais assinada em Portugal, com venda de 17 mil exemplares por mês. Nesse período, a revista sofreu algumas alterações, em especial no que diz respeito à parte gráfica, mas continuando a dar relevo às fotografias.

No mês de novembro de 1948, a Flama passou a ser de propriedade da União Gráfica. A revista não saiu em janeiro de 1949 e voltou a circular em fevereiro do mesmo ano, como se nada tivesse ocorrido. A justificativa se deu no número de março, quando o

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frei Diogo Crespo explicou as transformações pelas quais passou a revista, tudo em virtude de uma dívida de 62 mil contos. De acordo com o explicado pelo frei, a nova remodelação deu-se graças à intervenção do Monsenhor Avelino Gonçalves, diretor da União Gráfica, que conseguiu a fusão de três revistas, a Renascença, a Flama, e a Papagaio. Assim, a Flama pôde contar com seções que já existiam nas outras. Passou a publicar uma seção infantil, a Papagaio, com histórias e jogos para crianças, além de apresentar também a programação da Rádio Renascença. A partir daí, nasceram outras seções, como a relacionada à crítica de cinema e à moda feminina, por exemplo. 8

A União Gráfica investiu mais ainda em outra sede, além de contratar mais jornalistas, já que alterou sua periodicidade, sendo publicada semanalmente. O diretor da União Gráfica afirmava que a revista não se destinava à determinada categoria de pessoas, mas aos de fé e pessoas de bom gosto, “que preferem o belo ao pornográfico, o elevado ao banal e acham mais nobres e humanas as coisas da vida quando através delas perpassa um sopro de espiritualidade”. Afirmava, ainda, ser a publicação isenta de caráter oficial ou oficioso guiado pela religião ou pela política.

No quinto aniversário da revista, a direção festejava mais de meio milhão de exemplares que chegavam a todos os cantos do país e atingia também outras nações. A revista ganhou mais leitores no decorrer da década de 50 e no início dos anos 60 contratou, sob orientação de um novo diretor, jovens jornalistas que, anos mais tarde ocupariam lugar de destaque na imprensa portuguesa.

Curto, em relação à publicação tão conhecida afirmou (2006, p. 525):

... na Flama, (...) é de referir o aparecimento de uma secção intitulada “A semana pela imagem”, na qual se fotografavam manifestações protocolares onde participavam membros do aparelho de Estado e batalhões de militares embarcando para as colônias. O progressivo acento destas fotos afirma-se como claro prenúncio da guerra colonial e, de certo modo, como legitimação dessa intervenção. O que une ambas as secções é o ipso da imagem prevalecer sobre o texto e o modelo de legendagem se centrar na descrição dos títulos, postos ou grande parentesco dos indivíduos fotografados (...) A partir de 1960, os cenários bélicos são

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Vale ressaltar que o grande público da revista era feminino. Aliás, de acordo com recente pesquisa de 2007, 70% do público feminino português continua preferindo ler revistas. Dados obtidos em virtude da I Conferência PNL (Plano Nacional de Leitura), no dia 22/10/2007, em comemoração ao dia internacional da biblioteca escolar.

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paulatinamente ofuscados nas reportagens, contrastando com o efectivo avanço do movimento armado sobre as antigas colônias.

Em 1964, a direção da Flama foi entregue a António Reis, um homem com estritas relações com a hierarquia da Igreja. No fim dos anos 60, a revista foi constituída por uma equipe de reconhecida importância, por contar com alguns dos melhores jornalistas do país. Apesar disso, segundo o divulgado mais tarde, rara era a edição que não sofria com a tesoura da censura.

António Reis, em entrevistas mais recentes, afirmou que a revista era uma voz independente, que não se curvou às pressões de todos os lados. Afirmou ainda que tinham de ter sempre reportagens e notícias alternativas, devido aos grandes cortes que a censura praticou na Flama.

Mesmo com tantos obstáculos, a revista atingiu seu apogeu entre 1967 e 1971, momento em que teve suas páginas ampliadas para uma média de sessenta e oito, sendo cerca de metade ocupada por publicidade. Segundo a crença de alguns, a receita de sucesso residia na combinação de assuntos políticos importantes, aliados ao enfoque nas pessoas de relevância da sociedade ou do mundo do espetáculo, o que se dava em páginas bastante ilustradas de fotografias.

Após o afastamento de Salazar, a Flama, aos poucos, aproveitando o relativo afrouxamento do período marcellista, introduziu em suas capas pessoas, cujo perfil constituía em temas de polêmica abordagem, para o momento de ebulição política ocidental. Foi o caso de trazerem na capa Martin Luther King.

Em 1972, a revista voltou a mudar de mãos e passou a ser propriedade da Sociedade Editorial Flama. Ainda conforme seu último diretor, António Reis, o que levou a revista à difícil situação financeira foi o próprio poder capitalista. Como apontado em algumas fontes, o controle da imprensa pelo poder econômico era comum na época de Marcello Caetano. Muitos jornais e revistas que se encontravam em crise se viam sob o resguardo econômico do Banco Nacional Ultramarino ou da Caixa Geral de Depósitos, de acordo com a orientação do governo. O objetivo era o controle econômico da imprensa, em especial daquela que mantinha características de independência. É então nesse contexto de dificuldade financeira que a Flama encerra suas atividades em setembro de 1976.

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Curto (2006), a partir de um estudo mais abrangente da revista, com base nos números editados entre 1944 e 1976, acredita que a Flama tomou sentidos contraditórios, quer optando por uma estratégia mais popularizante, quer restrita, tendo como alvo um público mais informado.

Para Santos (2001), a trajetória do jornalismo em Portugal não pode ser separada da própria história do Jornalismo e da sociedade portuguesa dos últimos séculos. Assim, acredita em inegáveis influências (2001, p. 11):

A presença da censura política e religiosa com o exercício do exame prévio, o encerramento de jornais e a condenação dos seus responsáveis a pesadas penas, a quase ausência de um “espaço público de discussão” (...) as elevadas taxas de analfabetismo e os baixos índices de leitura de jornais, o provincianismo como ideologia ou a proibição ou criação de dificuldades à constituição de cursos profissionais nesta área nos tempos mais recentes são apenas alguns dos elementos de uma rede complexa de interacções que vão afetar os modos como, em Portugal, o jornal tem intervindo na escolha e tratamento de acontecimentos do país e do mundo.