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O CUIDADO A PARTIR DE LEONARDO BOFF

O ser humano vive impregnado de sentimentos, necessidades, habilidades e valores. Essas características são fundamentais para a constituição do seu caráter. Contudo, vive-se um período de muita carência de valores e sentimentos, fazendo com que as necessidades humanas sejam cada vez mais evidentes. De acordo com Boff (2011, p. 14), “é a nossa capacidade de sentir o outro, de pensar totalidades, de ter numa experiência de integralidade para os valores, de termos o ouvido aberto a captar mensagens que nos vêm de todos os lados [...]”, que fazem do homem um ser humano, e que, conforme Boff (2003a, p. 52), “fenomenologicamente emerge, por um lado, como um ser de desejo ilimitado, daí seu caráter de projeto infinito, com capacidade de cuidado, de responsabilidade por sua vida, pela vida dos outros e pelo futuro da Terra”. Isso porque, como Merleau-Ponty (2011) já ponderava, o ser humano está no mundo, vive no mundo, logo, tem, ou deveria ter, uma relação muito próxima com os outros seres e com o ambiente.

Para Nascimento (2013), os modos de atuação do ser humano no mundo são baseados no cuidado. O autor salienta, ainda, que o filósofo alemão Martin Heidegger (1889 – 1976) utiliza-se do conceito de “cuidado” para expressar a totalidade estrutural do “ser-aí” enquanto “ser-no-mundo”. Boff (2005) também analisa o conceito de cuidado a partir da obra de Heidegger (“Ser e Tempo”).

Nessa acepção, o que é essencial à vida humana? Sobre essa questão, Boff (2003a) evidencia que o sentimento, o afeto e o cuidado são aspectos indispensáveis ao ser humano. Assim, “a existência jamais é pura existência; é uma co-existência, sentida e afetada pela ocupação e pela preocupação, pelo cuidado e pela responsabilidade no mundo com os outros, pela alegria ou pela tristeza, pela esperança ou pela angústia” (BOFF, 2003a, p. 80). O

ser humano vive, ou melhor, existe oscilando entre variantes que vão de um extremo a outro. Todavia, são essas variações existentes na vida, no mundo, que necessitam do cuidado, de um olhar, em alguns momentos, mais apurado e, em outros, um olhar sensível. No entender de Boff (2012), um componente importante do cuidado é saber e aprender a conviver com os paradoxos que permeiam a vida de cada um, pois ao mesmo tempo em que se têm impulsos bons, têm-se impulsos negativos.

Para isso, faz-se necessário, segundo Boff (2003a), sentir o mundo, os outros e a si mesmo como um ser dentro do mundo, sendo parte constituinte dele, com capacidade crítica para vê-lo, pensá-lo e moldá-lo, pois a maior razão da existência é estar com e não sobre as coisas, trata-se de con-viver com um todo sem diferenciações. Quando o ser humano for capaz desse sentir, certamente irá se tornar mais sensibilizado, crítico e irá cuidar melhor de si, do ambiente, dos outros, pois o “sentimento também é uma forma de conhecimento, mas de natureza diversa” (BOFF, 2003a, p. 81). O conhecimento pelo sentimento, para Boff (2003a), dá-se na identificação com a realidade, quando se sofre e se alegra participando do seu destino, porquanto é de extrema importância que o ser humano tenha um sentimento de pertencimento ao local onde vive. Esse sentimento de pertença, conforme Boff (2003a), e de parentesco entre os seres, é responsável pela união bem-sucedida da humanidade, já que “[...] todas as coisas têm a ver umas com as outras, em todos os pontos, em todos os momentos” (BOFF, 2011, p. 14).

Essa união bem-sucedida da humanidade vem, ao longo dos últimos séculos, de certa maneira se perdendo, visto que se vive em um modelo de civilização que está provocando, de forma sistêmica, uma agressão ao planeta, que tem levado as pessoas a fecharem os olhos e ouvidos à musicalidade dos seres e a se esquecerem da importância de coisas pequenas, como um céu estrelado (BOFF, 2011). Em virtude dessa agressão que o ser humano está cometendo, tem usufruído da Terra “[...] como um simples repositório de recursos entregues à disponibilidade humana. Tirou-se a palavra de todas as coisas para que só a palavra humana imperasse” (BOFF, 2011, p. 11). A palavra, de acordo com Merleau- Ponty (2011, p. 240), “não é desprovida de sentido [...]”, pois pela palavra, segundo Boff (2012), o homem é capaz de construir grandes obras ao mesmo tempo em que tem a capacidade de destruir grandes feitos, de criar sentido à vida, à existência, ou de matá-la, por isso suas palavras o definem. Boff (2011) assevera que o ser humano deve visualizar a Terra como o grande sujeito da existência dos seres, e os seres como seus filhos. Tendo essa visão, ele passa a conceber a real importância que deve dar ao ambiente em que vive e aos demais seres e objetos que o cercam, visto que “[...] a Terra é algo vivo e que ela nos infunde

profundo respeito e veneração, como tudo aquilo que vive” (BOFF, 2011, p. 13).

Nessa direção, a “Terra não é um planeta sobre o qual existe vida. Ela é vida, um superorganismo vivente. E a espécie humana, nós homens e mulheres, representamos a capacidade de Gaia de ter um pensamento reflexo, uma consciência sintetizadora e uma subjetividade amorosa” (BOFF, 2011, p. 15). Nesse sentido, de acordo com Boff (2003b), o cuidado e a sustentabilidade são capazes de possibilitar, na sociedade globalizada na qual se vive, um desenvolvimento com condições de satisfazer as necessidades humanas e dos demais seres vivos, de modo que a natureza seja preservada. Para tanto, o homem precisa se dar conta de sua própria existência e necessita descobrir as particularidades de cada ser humano, já que cada um se caracteriza também por ser uma fonte de mensagem ao outro, em virtude de ser um ser cultural (BOFF, 2011).

O ser humano é o único no planeta portador de uma dimensão ética. Como diz Boff (2011, p. 17), “[...] dimensão em que o ser humano se torna responsável, coloca sob seu cuidado os outros seres”. Assim, ao ter essa responsabilidade, o indivíduo tem escolhas que podem refletir de maneira positiva sobre a humanidade e a vida em si, mas também podem gerar consequências danosas, em si mesmo e naqueles que o cercam. Por isso, Paulo Freire reitera a prática pedagógica voltada para a transformação, e Boff (2011, p. 17) enfatiza que “precisamos de um processo pedagógico que dê consciência ao ser humano de sua responsabilidade. E todo processo pedagógico deve culminar nessa conscientização que confere ao ser humano, homem e mulher, um alto significado universal”. A partir dessa conscientização, ou melhor, sensibilização, o ser humano irá desenvolver ou resgatar a importância do cuidado para transformar o ambiente em um local mais humanizado, amoroso e sensível. Boff (2011, p. 20) afirma que “o processo pedagógico poderá favorecer que cada um de nós pense em nossa capacidade de mudar”.

O cuidado, na perspectiva de Boff (2011, p. 18), é a:

capacidade do ser humano de colocar desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção nas coisas que faz. E com ele investe interesse, libido, carinho, ternura com as coisas, ele se carrega de ocupação, preocupação, inquietação, responsabilidade, com as coisas a que se ligou afetivamente.

O cuidado ainda pode ser definido, pelo mesmo autor (2003a), como sendo uma relação amorosa com a realidade na qual se vive, visando a assegurar a subsistência e dando espaço para o seu desenvolvimento. O cuidado também pode ser visto como uma condição advinda da inteligência e da amorosidade, sendo um gesto amoroso em prol da realidade, que

objetiva proteção e que traz serenidade e paz, por isso considera-se que o cuidado é essencial (BOFF, 2003b). Para o Heidegger, o cuidado é um termo que visa a designar, de acordo com Nascimento (2013, p. 92), “[...] a apreensão formal da totalidade estrutural do ser-aí enquanto ser-no-mundo que existe facticamente”. Por ser fundamentalmente cuidado, ainda na concepção de Heidegger, “o ser do ser-aí pode ser compreendido nas relações que sempre e a cada vez estabelece com os entes e, desta forma, também as de cunho protetivo” (NASCIMENTO, 2013, p. 93). No entender de Boff (2003a), o homem está vivenciando momentos de muitos descuidos: descuido consigo mesmo, com os outros, com o planeta. Entretanto, o ser humano precisa aprender que cabeça e coração são dimensões do mesmo corpo, e a partir da combinação dessas duas dimensões nasce o cuidado, já que “todos nós passamos uma única vez por este planeta. Se perdemos a oportunidade do encontro com os outros, esta nunca se repetirá e uma mensagem singular deixou de ser ouvida e integrada na grande fala do Universo” (BOFF, 2012, p. 148). Como o ser humano está aqui apenas de passagem, deve, ao menos, ter cuidado com suas ações, para que as mesmas sejam vistas, lidas, percebidas e interpretadas pelas próximas gerações como algo de valor inestimável.

Boff (2012) diz que o cuidado é uma arte que precisa ser alimentada, sustentada e esse alimento e sustento do cuidado surgem da constante preocupação que o homem possui com o futuro. Por isso acredita-se que cuidar do planeta envolve cuidar de todos os bens naturais renováveis e não renováveis, de suas paisagens, de todos os seres que o habitam, dos bens culturais produzidos pela inteligência humana. Além disso, o homem deve pautar seu cuidado na compreensão, que, conforme Boff (2003b, p. 32), “[...] significa utilizar a ciência e a técnica sempre em consonância com a comunidade e nunca contra ela ou sacrificando sua integridade e beleza”.

Nesse contexto,

justiça e cuidado são as pilastras sobre as quais se sustenta a morada humana e que produzem a possível felicidade e o suficiente bem-estar para todos. A biocivilização que queremos deverá sustentar-se nesse tipo de ética, boa para os humanos e amigável para com a natureza. (BOFF, 2012, p. 136).

Em outras palavras, as relações humanas com o todo devem ser pautadas na ética do cuidado. Boff (2003b, p. 37) ainda frisa que “[...] é pelo cuidado permanente, ao largo de todo o tempo em que existir sobre a face da Terra, que a vida se mantém, se reproduz e co- evolui”.

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