• Nenhum resultado encontrado

cuidados com recém-nascidos Se for de dar banho, eu faço aqueles negócios de meus mais velhos, de

incensar roupa, enxaguar com água de alfazema, lavar só com sabão de coco, lavar com sabão neutro, é aquela roupa que saiu do hospi- tal, se você saiu do hospital. Na hora que eu vou dar banho o banho das dez horas, das nove e meia, dez horas, aí morna a água, vejo a temperatura, bota o pingo de alfazema, aí dou o banho na criança, enxugo o umbigo direitinho. No meu tempo, a gente foi tudo curado com fumo, tanto que o meu umbigo é bem fundo. Hoje em dia é mais aquele frasquinho... é um iodo [...] um desses negócio aí que vai secan- do e botando no umbigo, aquele alcoolzinho setenta [...] joga aquele negocinho em cima pra poder não inflamar o umbigo.

Raimundo

Raimundo Jovelino, 66 anos, nascido na região da Acutinga, é casado com Dona Juvani e irmão de Dona Vardé. Mudou-se para Engenho do Meio, Campina, nos anos 1960 para, depois de perder a casa de palha num

incêndio, passar a morar no Kaonge. Não foi com a família que aprendeu a rezar, mas com Dona Nani, liderança espiritual de um terreiro em Salvador, que em determinada ocasião o rezou para curar de uma dor na espinhela.

Embora não seja um costume, eventualmente Raimundo pode rezar de “espinhela caída”. Aprendeu a rezar “de bicho” com uma pessoa em Santiago do Iguape, pela necessidade de não perder os animais que criava, ensinamento este que passou para o seu filho, José Luiz, que hoje assumiu essa responsabilidade. A reza se faz de uma vez só e pode ser efetuada à dis- tância, todavia, para Raimundo é necessário ver o animal:

É só uma vez. Se o animal tá no campo lá, tá com a bicheira... Você viu que tá com bicho... Você trata de fazer o processo e aí pronto. Meu pai sabia e rezava daqui... Ele dizia que rezava daqui a no Acupe e resolvia o problema. Eu nunca rezei daqui no Acupe. Eu sempre rezei aqui pertinho, o animal tá ali, eu tô vendo a posição que é a

bicheira, porque depende também da posição onde é a bicheira, pra você fazer a coisa certa, né?No meu caso eu tenho que tá vendo onde que é. Meu pai, você falava com ele: ‘é em tal lugar’, pronto. Eu nunca fiz isso. Eu sempre acompanhei o animal. Eu vejo e aí pronto. Cruzo e aí pronto. Tá resolvido o problema.

O galho a utilizar pode ser de São Gonçalinho ou de uma folha qualquer, mas devem ser usadas somente 11 folhas, como ele explica: “Se achar um pé de São Gonçalinho assim logo, melhor. São Gonçalinho você tem a facilidade até da folha, você chegou lá, quebrou o galho, tem 11 folhas... tem 11 ou mais, mas você só vai usar 11”. Sobre a razão do procedimento, Raimundo diz não conhecer bem: “A razão é você ter aquele galho de folha na mão e rezou e... que eu não aprendi tam- bém muita coisa não. Que eu aprendi também foi rezar o padre nosso, o crê em Deus pai, o salve rainha... não me aprofundei muito em negócio de reza não”. Ele também esclarece que seu pai fazia outras rezas, mas que não lhe foram ensinadas:

Meu pai, ele era uma pessoa que ele rezava assim... se o animal tinha uma bicheira ele re- zava... ele não precisava de remédio pra curar, ele rezava no tempo, né? Mas eu trabalhei muito tempo com ele e ele não me ensinou. Não sei se foi falta de interesse meu... ou talvez ele não poderia me ensinar, porque a reza também você não pode sair distribuin- do pra todo mundo, pelo contrário. Você sabe, você tem que passar pra uma pessoa.

Raimundo explica que espinhela caída pode provocar dor na “caixa dos peitos”, dor nas costas, cansaço, e pondera que carregar peso pode agravar o problema, podendo voltar várias vezes e que quando isso acontece, é pre- ciso rezar novamente. No entanto, apesar dos desdobramentos serem mais ou menos demorados, segundo ele a reza nunca dá errado: “Reza é uma das coisas que a gente tem que ter muita fé em reza. Eu passei a ter fé em reza depois que eu faço as minha coisa e dá certo, né? Como é que eu não vou acreditar? Se eu vejo um animal com bicho e rezo e dá certo?” Trata-se de um aprendizado que passa pela experiência, como ele afirma: “Porque se nada você sente, você não liga pra nada. Eu aprendi alguma coisa, porque eu senti”.

Para Raimundo, é importante diferenciar “problema de médico” de “pro- blema de folha”, ele mesmo tendo passado, na juventude, por procedimen- tos médicos (injeções) que não conseguiram curar três feridas nas pernas (“bicheira”). Seguindo o conselho da esposa, Dona Juvani num sonho sobre a cura, ele procurou Dona Nani:

Chegando lá ela olhou o meu problema e passou um remédio pra mim e eu fiquei bom, só usei três dias porque tive que usar. Aí é que eu digo, tem coisa que é medici- na, mas tem coisa que tem que ser banho de folha... quanto mais eu tomava injeção mais não resolvia. Ela me passou pra mim, sabe o quê? ‘Tome aqui, leve essa pomada Minâncora, passe na farmácia, compre um vidro de Lysoform, passe no mercado, com- pre um quilo de milho, chegue em casa, lave com Lysoform, passe a pomada, torre o milho e saia pela estrada pedindo ‘quem deu rei’’.

É bom a pessoa que tem vontade de aprender... Porque a gente não tem que ter as coisas pra gente só, a gente tem que repassar pra al- guém, porque senão a gente aqui na Terra é uma passagem, né? É bom a gente repassar aquilo que a gente sabe, porque senão você vai morrer e levar e não é justo você levar aquilo que você sabe, né?

• dendê