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Dona Dete, apelido de Valdelíce dos Santos, tem 78 anos. Nascida no muni- cípio de Serrinha, ela integra a comunidade de Brejo da Guaíba há mais de 40 anos. É rezadeira e já foi parteira. Mas, para “remédio de folha”, como ela se refere às folhas e às rezas, diz que ainda consegue fazer, embora com limitações. Como ela descreve:

Que tiver uma dor de barriga e não tiver o carro pra ir pra Cachoeira eu faço chá, rezo a barriga. Se é uma dor de cabeça eu rezo, pois bem... se é um engasgo, de gente ou de animal, tudo isso eu fazia. Agora eu não faço mais porque não tenho mais possibilida- de de fazer, porque desse olho eu enxergo, mas enxergo pouquinho desse. Eu tô vendo vosmecês tudo turvo. Então eu não faço mais não. E menino eu já peguei muito e já tão tudo pai de família e mãe de família.

Ela diz que não gosta de remédio de médico – embora faça uso em algu- mas situações, como para diabetes –, pois ela mesma faz seus remédios, os chás de folhas e outras possibilidades, como, por exemplo: chá de berinjela, que ela toma para diminuir o colesterol; para dor nas pernas, uso de banho de folhas de fruta-pão com cacau; e chá da raiz da caiçara, para diabetes. Dona Dete começou a se interessar pelo conhecimento das folhas e do parto

quando morava em Governador Mangabeira e acompanhava uma senhora conhecida por “Miudinha”, que era do candomblé e parteira.

[...] aí ela ia fazer o toque pra ver se tava longe ou perto, ela fazia e depois ela me dava a luva e mandava eu fazer, aí eu fazia, quando eu fazia ela perguntava: ‘como é que está aí?’, eu dizia a ela: ‘tá longe ainda, não alcancei’, ela disse: ‘tá bom’. Aí passava, quando a dor apertava mesmo aí ela ia fazer o toque e depois mandava eu ir, eu dizia:

‘alcancei, tá aqui assim’, ela: ‘não vai demorar mais’. Aí pronto, aprendi.

Depois de várias mudanças de cidade, em outra ocasião, Dona Dete foi trabalhar em Cachoeira, na casa de uma mulher chamada Licinha, en- fermeira. Esse encontro foi decisivo: “[...] e ainda me ensinou melhor que ela pegava menino do hospital. Com a Licinha eu ia com a luva, ela me dava luva”. O

aprendizado das rezas, por sua vez, foi feito com sua mãe, Maria Domingas de Jesus, também conhecida por “Dete”, que “rezava de tudo”:

Eu via ela fazer, se ela fosse rezar o menino de vento caído eu tava junto com ela, ela rezando e eu aprendendo. Todas rezas que ela rezava... as pessoas vinha na porta pra ela rezar. Todos ela rezava pra eu ver, olhado, dor de cabeça, dor de barriga, de dente, dor de barriga de animal, engasgo de animal, engasgo de uma pessoa... eu via. Tudo isso eu sei.

Já residindo na Guaíba, o primeiro parto que ela fez foi da irmã de seu marido e, ao longo dos anos, fez muitos partos na região, mas aos poucos foi parando de fazer, especialmente depois de um parto complicado de sua comadre. Ela destaca alguns cuidados com o parto, como banho de algodão ou de mentrasto, para intensificar as contrações. Além do banho, também é eficaz o chá da “palha” da cebola roxa.

Algumas rezas e chás indicados por Dona Dete: para “vento caído”, chá da maçã do algodão; para gripe, chá das folhas do sabugueiro, cécé, carro- -santo, capim-santo, hortelã. Para “olhado”, além da reza com três galhos da vassourinha, também são bons o chá (três pés) e o banho da raiz da vassou- rinha. Ela pronuncia a reza, que depois deve ser acompanhada do Pai Nosso e da Ave Maria:

[...] a gente chama o nome do fulano, vamos botar José. ‘José, mau olho te olhou, com Deus eu tiro. Com os poder de Deus e da Virgem Maria. José se botaram em teu olhos, na tua cor, em teu cabelo, em tua sobrancelha, em teu vestir, no teu calçar, no teu comer, eu tiro, quebrante, olhado, moleza no corpo de José, com os poder de Deus e da Virgem Maria. Se foi teu pai, se foi tua mãe, se foi teus tios, se foi tuas tias, sai, vai inveja e usura de cima do corpo de José, com os poder de Deus e da Virgem Maria. Vai pro lado da maré vazante ou não canta galo e nem galinha ou não vem o filho do homem chorar’.

Para engasgo, pronuncia-se a reza seguida de leves batidas sobre o peito: “casa velha, homem mau, mulher boa, engasgo ou sobe ou desce com os poder de Deus e de São Frutuoso, casa velha, homem mau, mulher boa, engasgo ou sobe ou desce com os poder de Deus e de São Frutuoso”. Para “pé desmentido”, a reza pode ser feita para pessoas, ovelhas e bois, cavalos e jegues, não servindo para porcos,

cabras e galinhas. Dona Dete esclarece que também se pode rezar com agu- lha ou com três torrões de argila: “[...] eu rezo com três torrão da parede ou uma agulha. Eu pego, dobro o pano, boto a linha na agulha, vou rezando e costurando [...]”. Na reza com agulha, segue explicando: “É costurando, a gente se benze e vai enfiando a agulha. ‘Eu te cozo carne quebrada, nervo mordido, junta descolocada, nervo machucado e veia torcida. Chegar pro lugar com os poder de Deus e da Virgem Maria’, a gente reza. E reza o padre nosso”. Na reza com os torrões, fazem-se movimentos em cruz no local do machucado.

Para dor de cabeça não é necessário ter folhas acompanhando a reza, apenas as mãos que pressionam a testa e a nuca. A reza é indicada para dor “de sol” e de “sereno”: “Jesus é sol, Jesus é sereno, Jesus é caridade, tirando dor de cabeça com dor de pontada, dor de xuxada e ventosidade. Tirai-me da carne, tirai-me dos ossos, tirai-me dos nervos, tirai-me da veia, com os poder de Deus e da Virgem Maria”. Outra possibilidade é utilizar pano e garrafa de água, como ela explica:

E rezo também com o pano, pego a garrafa. Uma garrafinha assim de vidro, boto água, quando acabar eu pego uma toalha, dobro bem dobrada e boto na cabeça e viro a garrafa, ali as bocas sobem, se for de sol, sobe aquelas bolhas graúdas e se for de sereno, sobe tudo miudinha [...]. Se a dor de cabeça tá forte eu rezo com a garrafa. O fundo pra cima e a boca pra baixo. Aqui em cima da moleira. Aí também aquela água vai... Quando eu tiro a pessoa já tá melhor da dor de cabeça.

Dona Dete não reza espinhela caída, embora sua mãe rezas- se: “[ela] disse que não me ensinava não, porque é muito forte. Tinha que ter alho pra passar em cruz... minha mãe mesmo parou de rezar, que ela rezou uma criatura e caiu. É muito forte”.