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A tarefa de cuidar de bebês demanda um preparo emocional diário e o cuidado de si é fundamental para um trabalho de qualidade. No entanto, como indica Winnicott, este cuidado não se refere a um aprendizado apenas e sim à capacidade do adulto de investir-se narcisicamente para poder ter disponibili- dade afetiva para o bebê.

Deve-se notar que mães que tem em si prover cuidado suficien- temente bom podem ser habilitadas a fazer melhor cuidando de si mesmas, de um modo que reconhece a natureza essencial de sua tarefa. As mães que não tem essa tendência de prover cuida- do suficientemente bom não podem ser tornadas suficiente- mente boas pela simples instrução (WINNICOTT, 1960: 48).

A importância de cuidar de quem cuida para garantir a qualidade do cui- dado foi o eixo principal de nosso trabalho de pesquisa e dos objetivos da ex- periência com as agentes de cuidado. A ênfase no cuidar de si serviu de base para a construção deste espaço de narratividade entre pesquisadores e profis- sionais do cuidado e garantiu uma escuta voltada para a subjetividade do adul- to na relação com os bebês. Assim, conduzimos o trabalho de intervenção através de uma aproximação ainda maior entre os membros da equipe do ber-

çário, o que permitiu a elaboração das funções do agente cuidador diante dos bebês. Mais ainda, este espaço de fala possibilitou que esta elaboração fosse feita a partir de fatos de sua experiência prática.

A construção narrativa entre pesquisadores, agentes de cuidados e bebês sofreu transformações com o início do grupo de reflexão com as profissionais, pois a abertura de um espaço de fala permitiu uma maior integração do traba- lho, além da elaboração de diversas questões que atrapalhavam o encontro das cuidadoras com os bebês e vice-versa. Através de reflexões e esclarecimentos acerca dos processos de desenvolvimento dos bebês e de suas próprias postu- ras, foi possível construir em conjunto um sentido para seu trabalho diário. Essa co-construção – elemento essencial na narratividade – favoreceu o traba- lho das profissionais e enriqueceu suas experiências com os bebês. No entanto, apesar das mudanças significativas no cuidado com os bebês, reconhecemos que a presença dos pesquisadores possibilitou um investimento da função pro- fissional que precisaria ser mantido na vida institucional para propiciar uma continuidade de cuidados entre a instituição e seus agentes de cuidado e entre os agentes de cuidado e os bebês e suas famílias.

A “experiência da medida”, apresentada por Figueiredo (2009), descreve bem o trabalho com as cuidadoras e também com os bebês, pois indica a ne- cessidade de se prestar atenção e responder na medida, quando e se for perti- nente. Esta medida comporta um potencial ético que foi construído em conjunto entre as pesquisadoras e as agentes de cuidados, com o objetivo de encontrar um equilíbrio dinâmico na relação com os bebês. O reconhecimento preciso do outro, no que ele tem de próprio, se refere ao potencial ético do trabalho e está em jogo em todos os aspectos da intervenção.

As modalidades de cuidado são construídas em conjunto e afetam a todos os envolvidos na intervenção. Como indicamos neste trabalho, a sustentação e a continência são fundamentais, pois os eixos do cuidado envolvem diferentes aspectos, dentre os quais o equilíbrio dinâmico entre presença implicada e pre- sença reservada tem um papel fundamental. O manejo durante as reuniões com as cuidadoras deixa claro o quanto é importante manter-se também em reserva, caso contrário o espaço de narração se desfaz e se transforma em sim- ples instrução, o que não leva aos mesmos resultados.

O desafio em um trabalho de pesquisa qualitativa é de analisar se este trabalho produz efeitos e quais são os limites de sua intervenção, na medida em que nos deparamos com as potencialidades da pesquisa-ação, mas tam- bém com os limites de sua intervenção. Figueiredo demonstra bem esta

ção pura, como seria no caso de uma simples instrução sobre a melhor forma de cuidado.

Para que se dê o equilíbrio dinâmico entre os três eixos dos cui- dados, e, mais ainda, para que este equilíbrio ocorra de modo espontâneo, é necessário que o agente cuidador possa moderar seus afazeres. Esta moderação depende da capacidade de o agente de cuidados conseguir manter-se em reserva e desape- gar-se. Nesta condição, ele ‘deixa ser’ seu ‘objeto’ e o não cuidar converte-se em uma maneira muito sutil e eficaz de cuidado (FIGUEIREDO, 2009: 141).

Esta indicação nos parece fundamental, pois aponta para a necessidade de o profissional, assim como o pesquisador, renunciar a sua própria onipotência e aceitar que a reserva possibilita a abertura de um espaço potencial de reflexão sobre os impasses e dificuldades da função de cuidar, e também de sua possi- bilidade criativa.

Tami Reis Gabeira gabeira.tami@gmail.com Silvia Abu-Jamra Zornig silvia.zornig@terra.com.br Tramitação:

Recebido em 24/03/2013 Aprovado em 21/08/2013

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AMAR, CUIDAR,

SUBJETIVAR –

IMPLICAÇÕES

EDUCACIONAIS NA

PRIMEIRA

INFÂNCIA

V

aléria

F

erranti

B

aptista

Psicanalista, mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, professora convidada do LEPSI.

O

s termos postos no título deste artigo – amar, cuidar, subjetivar – supostamente apresentam vinculação direta entre si, pois tornou-se corrente associar os cuidados essenciais dispensados à sobre- vivência do bebê com manifestação de amor – vin- culados ao desejo –, tendo como conseqüência a subjetivação do infans, ou seja, sua passagem de or- ganismo a corpo imerso e inscrito na linguagem. Curiosamente, é como se a função do cuidador ti- vesse sido “naturalizada” em ressonância com a cons- trução histórico-social que traça uma equivalência entre maternagem e amor.

Não há dúvida de que o manuseio do corpo do infans realizado pelo cuidador deixará marcas, mas cabe questionar se o estatuto destas inscrições assemelha-se às realizações do Outro Primordial. A fim de discutir a construção desta equivalência, tor- A partir do momento que

a criança ganha estatuto de valor mercantil, sua con- servação se tornou um im- perativo e para tal um gran- de mal deveria ser comba- tido: a alta taxa de mortali- dade infantil, que caracte- rizava o Antigo Regime. Por meio da orientação dos homens esclarecidos, a pro- moção da educação dos bebês entra em cena e para protagonizar este novo ca- pítulo na história da infân- cia a figura da mãe é con- vocada. Sua missão é cui- dar da cria, não pela obri- gação moral, mas sim pelo amor. Desde então há uma conjunção entre cuidar, amar e educar. Por meio do ensino de Lacan, é pos- sível realizar um disjunção destes termos e refletir em sua implicação na prática educativa com a primeira infância.

Outro Primordial; mater- nagem; amor-natural; de- sejo

LOVING, TAKING CARE, SUBJECTIVIZING _ EDUCA- TIONAL IMPLICATIONS IN EARLY CHILDHOOD

When the child acquired mercan- tile value, its survival became an imperative and the high mortali- ty rate which characterized the Ancien Régime became an evil that had to be met with. Through the guidance of illustrated men, baby education was promoted, and the mother was invoiced to prota- gonize this new chapter in the childhood history. Her mission was to take care of her offspring not by moral obligations, but by love. Since then a conjunction of care, loving and education began. Based on Lacan’s ideas it is pos- sible to separate these terms and review their implication in the educational practices of early chil- dhood.

Primordial Other; mothe- ring; loving; wish

59 na-se importante relevar dados que evidenciem a promoção da educação dos bebês e o destinatário de tal função.

Desde que Philippe Ariès (1960) publicou L’enfant et la vie

familiale sous l’Ancien Régime, do qual temos traduzida a versão que o

próprio autor condensou, o conceito de criança como objeto na- tural foi radicalmente questionado – apesar da crítica realizada por historiadores que apontam a carência metodológica de suas teses que têm por base fontes iconográficas –, e um novo paradigma surge para pensar o conceito de infância e os protagonistas envol- vidos na cena. Entre os inúmeros fatos trazidos pelo autor, um merece destaque para o objetivo deste trabalho: até o século XIX não havia uma palavra que nomeasse a criança bem pequena. O francês tomava termos emprestados de outras línguas – como

bambino, do italiano –, palavras para nomear crianças pequenas, mas

não os bebês. Apenas no século XIX o francês tomou a palavra inglesa baby, que nos séculos XVI e XVII era usada para nomear as crianças em idade escolar, e passou a designar o bebê – bébé. A partir de então a criança, em seus primeiros meses de vida, ganhou um nome.

Ao nomear esses pequenos seres que viviam a primeira in- fância não sob o olhar atento e vigilante dos pais ou de adultos cumprindo esta função, mas de forma que se confundiam com os animais – vale ressaltar que criança, em sua etimologia, está referida em creantia, particípio presente de creare, vinculada ao animal que se está criando –, as crianças pequenas ganham lugar na realidade dis- cursiva. Imerso na passagem para a modernidade, o bebê ganhou nome, família e o direito a ser amado.

Um dos principais aspectos presentes nesse novo investimen- to para com a cria humana objetivava barrar o alto índice de mor- talidade infantil que caracterizava o Antigo Regime. A preocupa- ção com a mortalidade infantil é concomitante ao nascimento de uma nova disciplina, a demografia, pois contabilizar os habitantes de um país tornou-se uma prática a partir de meados do século XVIII como meio para dimensionar o potencial produtivo do Estado, assim como engrossar a força militar. Os homens esclarecidos percebem que o Estado, ao manter asilos para a guarda de crianças abandonadas, investe a fundo perdido, pois estas crianças, em sua grande maioria (cerca de 90%), morrem antes de tornarem-se pro- dutivas. Assim, preservar a cria do homem é necessário, pois esta ganha valor mercantil, e a promoção da educação dos bebês será a munição contra o terrível mal.

A protagonista dessa nova tarefa será a mãe, mas como con- vencê-la a investir nesse pequeno ser tão sem atrativos? Mais uma vez os homens esclarecidos ocupam-se de tal missão. Nesse cenário, a

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falta de caráter eram transmitidos através do leite das nutrizes. Tais descobertas indicavam um único caminho para as crianças ricas: ser bem educadas implicava estar sob o olhar atento e vigilante da mãe e a salvo das influências negativas dos criados.

Como a taxa de analfabetismo era bastante elevada, muitas famílias, e principalmente muitas mães, não tinham acesso aos ma- nuais destinados à conservação dos bebês. Para promover a so- brevivência dos filhos da classe pobre, o Estado cria formas de intervenção, como as Sociedades Protetoras da Infância.

Ao endereçar a educação da prole às mães, há inegavelmente uma mudança no lugar estabelecido para as mulheres: com o foco voltado para sua função, elas ganham certa autonomia diante dos maridos e passam a ter suas funções valorizadas socialmente. Por- tanto, os papéis desempenhados na família também são determi- nados historicamente e se imbricam com o próprio conceito de infância. Elisabeth Badinter (1985) afirmará:

“É em função das necessidades e dos valores dominantes de uma dada sociedade que se determinam os papéis respectivos do pai, da mãe e do filho. Quando o farol ideológico ilumina apenas o homem-pai e lhe dá todos os poderes, a mãe passa à sombra e sua condição assemelha-se à da criança. Inversamente, quando a socie- dade interessa-se pela criança, por sua sobrevivência e educação, o foco é apontado para a mãe, que se torna a personagem essencial, em detrimento do pai. Em um ou outro caso, seu comportamento modifica-se em relação ao filho e ao esposo. Segundo a sociedade valorize ou deprecie a maternidade, a mulher será, em maior ou menor medida, uma boa mãe” (p. 26).

As crianças que eram mantidas junto à família tinham sua con- servação garantida de acordo com sua origem de classe. Aos nas- cidos em família burguesa, criou-se um “cordão sanitário”, e todo seu desenvolvimento será marcado pelas contribuições dos especi- alistas na infância. Cabe salientar que, ao redor dessas crianças, ha- via uma discreta vigilância.

Para as crianças oriundas da classe pobre, tratou-se de cons- truir, como afirma Jacques Donzelot (1986), um modelo pedagó- gico como o de liberdade vigiada, em que a criança seria alvo de vigilância. Para dar conta deste modelo, as crianças deveriam ir para a escola ou permanecer na habitação familiar, longe das rela- ções iniciáticas oferecida pelas ruas.

Tanto no cordão sanitário como na liberdade vigiada, a famí- lia representa um dos pilares de sustentação do novo modelo de

61 organização social propagado pelos ideais iluministas. Longe de es- tabelecer o discurso da obrigatoriedade moral em cuidar das crias e educá-las, a filosofia das Luzes propagará as idéias de igualdade, felicidade individual e do amor.

Pela corrente da igualdade, embora fosse igualdade entre os homens, e não entre os seres humanos, a mulher passa a ter uma função socialmente valorizada, assim como a criança, que passa a ser valorada como bem afetivo. Neste contexto, o amor terá papel central. Não se trata de cuidar das crias pela obrigatoriedade moral, mas por meio do amor, que passa a ter novo estatuto: amor natural. Ao bebê cabe um novo lugar. De simples corpo igualado aos animais, passa a ser alvo de investimento afetivo – o amor materno. Este binômio amor-natural

Û

amor-materno determinará as relações mãe-bebê até hoje, diferenciando a relação normal da aberrante.

Ao corpo do bebê serão dispensados cuidados até então ine- xistentes, gerando uma importante novidade: o manuseio do corpo pelo cuidador.

É possível então afirmar que a partir dos ideais iluministas a maternagem, como manifestação do amor da mãe pela cria, tor- nou-se naturalizada, havendo a prescrição da conduta correta pre- conizada pelos especialistas da infância na tentativa de promover a preser-

vação do pequeno ser. Assim, dentro deste ideário, a maternagem e a função da mãe coincidem.

A partir do ensino de Lacan, os termos postos no título deste artigo poderão ser escandidos e assim gerar uma nova significação.

AMAR

Pela condição de extrema fragilidade em que o filhote humano vem ao mundo, é possível tomar o bebê como um “nada” que dependerá do Outro cuidador para sobreviver, e este Outro cuida- dor poderá ou não ser a genitora. Assim, não falaremos mais da mãe no sentido iluminista do termo, mas de Função Materna, ou Mãe Primordial, ou Outro Primordial ou ainda Outro Materno. Cabe ressaltar que primordial refere-se ao primórdio ou aquilo que se organiza primeiro: fonte, origem, princípio. A organização desse organismo vem de fora, de um Outro Primordial que lhe dará as balizas para a passagem de organismo a corpo marcado pela lin- guagem ao assistir suas necessidades fundamentais.

Inicialmente, focaremos a função imaginária como condição de investimento na cria, pois o bebê não tem nada de majestoso em si mesmo. Sua existência torna-se inefável pelo lugar que o Outro

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como objeto de investimento libi- dinal, no lugar de um espelho que refletirá a imagem desejada. Neste lugar, o Outro Primordial criará para o bebê uma ficção sobre sua exis- tência. Assim como Narciso apaixo- nou-se pela própria imagem refleti- da, o Outro cuidador amará o bebê como reflexo de si mesmo, salien- tando que este amor não é sinôni- mo do amor iluminista da harmo- nia e dedicação à cria. Amor e ódio estão inscritos na lógica imaginária, e assim são direito e avesso de uma mesma moeda.

A noção de harmonia, de per- feito estado de completude entre bebê e Outro Primordial, é ofusca- da pela presença de um elemento com valor de simulacro: o falo. Com a prevalência do registro imaginário, o falo é um elemento que não se pode ver como objeto real, mas uma invenção, uma ficção que se crê como promessa. Como não está em lugar algum, poderemos grafá-lo como (-

j

), como falha imaginária. O falo em questão é o falo feminino (posição feminina, e não necessaria- mente uma mulher).

Lacan abordará o objeto fálico como tema central na obra freudia- na, outorgando diferentes estatutos a este conceito ao longo de seu en- sino. Para poder apontar a disjun- ção entre amar, cuidar e subjetivar, um aspecto merece destaque: a inci- dência da teoria fálica sobre a mu- lher.

Em um primeiro tempo, a mãe aparece como fálica, como um ser

63 provido de falo imaginário que tor-

nará evidente sua castração se dese- jar como mulher, ou seja, se crê que encontrará o falo em outro lugar, abrindo caminho para que o peque- no ser a tome como um ser em fal- ta. Mas, se o que está em jogo não é a anatomia, de que se trata então?

Em uma conferência intitula- da “A significação do falo”, La- can (1998b) retomará o algorit- mo invertido do signo lingüísti- co, caracterizando o falo não como uma fantasia, ou mesmo um objeto sensível, mas sim como um significante:

“(…) Pois ele [o falo] é o signi- ficante destinado a designar, em seu conjunto, os efeitos de significado, na medida em que o significante os condiciona por sua presença de sig- nificante” (p. 697).

O falo é o significante do signi- ficado, portanto, um fato de lingua- gem, e não de anatomia. É o signi- ficante que circula a partir da amea- ça imaginária que incide sobre um objeto real, inscrevendo algo no lu- gar de uma ausência.

O falo inscrito como ausente na ordem simbólica a partir da castra- ção inscreve a menina na possibili- dade de tornar-se mãe e mulher e também permite ao sujeito femini- no eleger objetos para trocar com essa ausência. Um dos objetos pos- síveis para realizar a troca é o bebê, e, assim, deparamos com a lógica freudiana presente na equação bebê = falo, ou seja, o bebê pode funcio- nar como substituto à falta fálica. Temos aqui o bebê em seu valor de

Ersatz.

Ao preencher a mãe a criança encarna o objeto fálico. Ora, esta é a definição freudiana para o fetichis-