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4 AS HUMANIDADES NA FORMAÇÃO DE SUJEITOS PARA A VIDA

4.4 O cultivo da imaginação

O cultivo da compreensão constitui um elemento chave nas melhores concepções modernas da educação para a democracia, tanto nas nações do Ocidente como nas demais.

Para desempenhar bem sua função nesse sentido, é preciso que as instituições assegurem um lugar protagonista às humanidades no programa curricular, cultivando um tipo de formação participativa que ative e melhore a capacidade de ver o mundo através dos olhos de outro ser humano. Empatia e alteridade são destacados aqui por Nussbaum (2005 e 2010).

A autora lembra que nascemos com uma capacidade rudimentar para a empatia e o interesse pelo outro. Nossas primeiras experiências estão dominadas por um narcisismo muito potente, dado que a angústia relacionada com o abrigo e o alimento ainda não encontra consolo na certeza sobre a existência dos outros. Portanto, “[...] aprender a ver a outro ser humano como uma pessoa em lugar de como um objeto não é um processo automático” (NUSSBAUM, 2010, p. 132). É frequente que o narcisismo tome o controle e apresente os outros seres humanos como simples instrumentos à disposição dos desejos e sentimentos da criança.

Assim, a capacidade de sentir um interesse genuíno pelos demais tem vários requisitos prévios. Em primeiro lugar, Nussbaum destaca, trazendo de Rousseau, certo grau de competência prática, o que permite que a criança compreenda que não necessita escravizar os outros para atender suas necessidades. Em segundo lugar, o reconhecimento de que o controle absoluto não é possível nem benéfico e que o mundo é um espaço em que todos temos debilidades e, portanto, necessitamos apoiarmo-nos mutuamente. Chegar a esse reconhecimento, por sua vez, supõe a capacidade de conceber o mundo como um lugar em que não se está sozinho, um lugar em que há outras pessoas com suas próprias vidas e necessidades, e com o direito de tentar satisfazê-las. Trata-se de algo complexo, uma vez que demanda conceber o mundo de uma maneira não natural, na medida em que se parte de concebê-lo como um lugar em que outras

formas se movem ao ritmo de nossas necessidades enquanto bebês totalmente indefesos e dependentes.

Nussbaum destaca, nesse processo, o papel das primeiras interações que ocorrem entre o bebê e seus pais, uma certa predisposição para reconhecer a humanidade no outro, bem como o jogo, que proporciona o terceiro requisito fundamental para o interesse genuíno pelas outras pessoas: a capacidade de imaginar como pode ser a experiência do outro.

A autora recupera as contribuições teóricas de Donald Winnicott no que tange aos jogos imaginativos e sua importância para o desenvolvimento salutar da personalidade. O jogo começa com fantasias mágicas em que a criança controla o que acontece. À medida que a confiança em si mesmo e nos demais vai crescendo mediante o jogo interpessoal com os pais e com outras crianças, se reduz o grau de controle e a criança consegue experimentar a própria vulnerabilidade e a surpresa, de maneiras que poderiam ser angustiantes fora do espaço do jogo, mas que ali resultam prazerosas. Isso ocorre, por exemplo, no deleite inesgotável com que os bebês participam do jogo de aparecer e desaparecer da mãe, do pai ou mesmo de algum objeto de que gostam.

À medida que o jogo vai avançando, a criança desenvolve também a capacidade de assombro e imaginação. Não raro as cantigas tradicionais para crianças as convidam a colocar-se no lugar de algum animal pequeno, de outra criança ou inclusive de um objeto inanimado. Elas supõem observar uma forma e dotá-la de um mundo interior. É precisamente isso que a criança deve aprender a fazer com as outras pessoas. “Portanto, as canções e os contos infantis constituem uma preparação fundamental para o interesse na vida” (NUSSBAUM, 2010, p.136).

A autora continua:

A presença do outro, que às vezes pode se perceber como uma grande ameaça, mediante o jogo se transforma em uma fonte de prazer e curiosidade, o que por sua vez contribui com o desenvolvimento de atitudes saudáveis na amizade, no amor e, mais adiante, na vida política (NUSSBAUM, 2010, p. 136).

Ainda se valendo das contribuições teóricas de Winnicott, Nussbaum afirma que o jogo cumpre uma função importante na formação da cidadania democrática. Ela adverte que a igualdade na democracia padece de certa vulnerabilidade. E é

justamente aí que entra a importância do jogo imaginativo para a democracia, na medida em que

[...] o jogo nos ensina a ser capazes de viver com outros sem exercer o controle, conecta nossas experiências de vulnerabilidade e surpresa com a curiosidade, o assombro e a imaginação, em lugar de conectá-las com uma ansiedade angustiante (NUSSBAUM, 2010, p. 138).

Como se sustenta e se desenvolve essa capacidade lúdica nas pessoas adultas, uma vez que tenham deixado para trás o mundo dos jogos infantis? Mais uma vez recorrendo a Winnicott, Nussbaum responde:

[...] as artes desempenham um papel chave [...] nas culturas humanas, entre as funções primárias da arte se encontra a de preservar e estimular o cultivo do “espaço de jogo” [...]. Winnicott considera que, sobretudo, o papel da arte na vida humana é alimentar e estender a capacidade de empatia. Na complexidade da resposta ante uma obra de arte sofisticada detecta uma continuação do prazer que encontra o bebê nos jogos e nas dramatizações (NUSSBAUM, 2010, p. 138).

Na educação técnica e fática faz falta esse cultivo das artes. Elas proporcionam o fortalecimento dos recursos emocionais e imaginativos da personalidade e, assim, outorgam às crianças e aos jovens novas capacidades para compreender a si mesmas e aos demais.

Também no que tange à arte, a contribuição de Said (2007) se faz notar quando o autor afirma:

A arte não está simplesmente ali: existe intensamente num estado de oposição inconciliada às depredações da vida diária, o mistério incontrolável sobre o chão bestial. Pode-se afirmar que esse estatuto elevado da arte é o resultado do desempenho, de uma elaboração demorada (como nas estruturas de um grande romance ou poema), de uma execução ou intuição engenhosa: eu próprio não passo sem a categoria da estética, que, na análise final, não só providencia uma resistência a meus próprios esforços de compreender, esclarecer e elucidar como leitor, mas também foge às pressões niveladoras da experiência diária, das quais, entretanto, a arte paradoxalmente deriva (SAID, 2007, p. 87).

No que tange à especificidade do literário na formação humana para o desenvolvimento humano, destaque pode ser feito à leitura da literatura como possibilitadora do intercâmbio entre o mundo pessoal do leitor e o universo social e cultural circundante, constituindo-se em elemento importante para o conhecimento e a compreensão do próprio universo cultural do sujeito-leitor, bem como de outras

culturas. Devido ao caráter multissignificativo do texto literário, sua leitura suscita uma série de reflexões, aguça a capacidade de percepção e a perspicácia interpretativa, as quais preparam o sujeito, seja criança, jovem ou adulto, para uma leitura crítica do mundo e sua participação ativa nele.

A leitura da literatura possibilita a reflexão acerca de problemas reais, em nível ficcional, uma vez que a literatura remete a uma realidade dos homens e do mundo muito mais profunda do que a realidade imediatamente perceptível e traduzida no discurso comum das pessoas (PROENÇA FILHO, 1997). Por isso, a leitura de textos literários possibilita a tessitura de um universo de experiências que podem ajudar o sujeito a atribuir sentido ao seu presente e a sua realidade e, assim, compreender o ethos de sua própria vida, entendendo-a como inserida num contexto sociocultural amplo e complexo que tem impactos sobre sua própria existência e cujas atitudes também produzem impacto sobre os demais. Isso porque uma grande obra gera mais, e não menos complexidade, tornando-se, com o tempo, uma

[...] teia inteira de notações culturais com frequência contraditórias [...]. Até os romances talentosamente construídos de Jane Austen, por exemplo, são associados com as circunstâncias de seu tempo; é por essa razão que ela faz referências elaboradas a práticas sórdidas como a escravidão e as lutas pela propriedade. No entanto, repetindo, os seus romances jamais podem ser reduzidos apenas às forças sociais, políticas, históricas e econômicas, mas antes estão, antiteticamente, numa relação dialética não resolvida com essas forças (SAID, 2007, p. 87-88).

O texto literário, além de objeto estético e possibilidade de ludismo, produz e reproduz saberes, éticas e estilos de vida. É de se destacar, no entanto, que, mesmo ao fazer tais reproduções, o texto literário, devido à especificidade de sua linguagem, o faz de forma a permitir interpretações variadas; desvela realidades que, mesmo vinculadas a elementos de natureza individual ou de época, atingem um caráter de universalidade (PROENÇA FILHO, 1997). Assim, sua leitura e compreensão permitem o desenvolvimento da capacidade de encarar criticamente as diferentes concepções e ideologias que circulam na sociedade e são difundidas das mais variadas formas, mas, geralmente, sob o recorte da escrita. A palavra escrita e a imagem visual, sintetizando mensagens, caracterizam a comunicação em praticamente todos os domínios da vida humana, requerendo do sujeito-leitor capacidade de interpretação, a fim de compreendê-las adequadamente. A compreensão é condição para a reflexão e a crítica, que, por sua vez, são

potencializadoras de aprendizagem e de modos de ser no mundo. A leitura do texto literário, elemento complexo na forma e no tempo, possibilita ao sujeito o desenvolvimento de novas formas de pensar, sentir e atuar no convívio social.

A leitura da literatura proporciona o contato com a linguagem carregada de significados, o que auxilia no desenvolvimento da capacidade interpretativa (movimento que faz a relação do texto para o sujeito – do exterior para o interior) e expressiva (movimento que faz a relação do sujeito para o mundo – do interior para o exterior). Assim, a leitura da literatura amplia as possibilidades de leitura da realidade, ajudando o sujeito-leitor no processo de compreensão e, consequentemente, de atuação/interação nela.

Nussbaum (2005 e 2010) ressalta que mesmo a maiêutica socrática pode parecer fria e desapaixonada, na medida em que a busca constante de uma argumentação lógica pode chegar a atrofiar outros aspectos da personalidade. Para evitar isso, as artes são aliadas no processo educativo, contribuindo para cultivar a compreensão, pois estimulam o cultivo do próprio mundo interior e, também, a sensibilidade frente aos outros, já que dificilmente se pode apreciar no outro o que não temos explorado em nosso próprio interior.

Portanto, quando se retiram as disciplinas humanistas do currículo está-se fazendo um movimento mais abrangente de alijamento da formação humana para um mundo humano. Mas esse alijamento também pode acontecer a partir do modo como se concebem e são trabalhados na prática escolar os conhecimentos das disciplinas humanísticas.

Valendo-se das concepções teóricas e, também, das experiências práticas do pensador e educador indiano Rabindranath Tagore, cujas contribuições naquele país foram muito importantes no início do Século XX, Nussbaum (2010) enfatiza em sua proposta de educação embasada no paradigma do desenvolvimento humano a importância de se cultivar a emoção e a imaginação dos alunos. Segundo ela, “Tagore com suas peças de teatro-dança não se limitava a produzir obras de arte refinadas, mas principalmente pretendia cultivar a emoção e a imaginação de seus alunos” (NUSSBAUM, 2010, p. 144).

A experiência musical desenvolvida por Tagore com seus alunos evidencia que esse tipo de trabalho artístico na educação tem, também, o potencial de ensinar a amar o próprio corpo em uma etapa em que os jovens tendem a depreciá-lo e a

sentirem-se muito incômodos. Além disso, serve para instigar o sentido da própria capacidade, a disciplina e a responsabilidade.

Para além dessa potencialidade de desenvolvimento da relação do sujeito consigo mesmo e sua capacitação para o protagonismo no enredo de sua vida, mediante o cultivo da imaginação e da sensibilidade desenvolve-se a capacidade plena de perceber o caráter humano em todas as pessoas com as quais os encontros na vida cotidiana são mais propensos a resultar, muitas vezes, superficiais, ou inclusive a estar infectados de estereótipos.

Nesse sentido, as artes podem, no campo da educação, contribuir sobremaneira para o enfrentamento desses estereótipos, os quais muitas vezes constituem pontos cegos da cultura, o que não se alcança simplesmente com a informação sobre os estigmas sociais, por exemplo. Nussbaum (2010) sustenta que para enfrentar adequadamente esses pontos cegos da cultura “[...] faz falta que se viva a experiência participativa da posição estigmatizada, o que pode se alcançar com o teatro e a literatura” (p. 146), bem como que “[...] em toda escola onde se faz caso omisso das artes se está ignorando também uma série de ocasiões fundamentais para alcançar o entendimento democrático” (NUSSBAUM, 2010, p. 146).

As estratégias metodológicas para a formação artística com vistas a cultivar a imaginação e a compreensão podem ser muito variadas e valer-se de inúmeras obras literárias, musicais, plásticas e coreográficas.

Reiteradamente, aparece ao longo da obra de Nussbaum o cuidado que se faz necessário no que tange a essa formação, uma vez que requer disciplina para desenvolver e ampliar as capacidades de compreensão e expressão. Trata-se, portanto, de um trabalho que demanda conhecimento e planejamento por parte do professor. Mas esse conhecimento precisa estar colado à sua subjetividade, isto é, há que se recuperar a unidade entre o Ser e o Conhecer37. É imprescindível que ele mesmo seja atravessado pelas artes com as quais pretenda contribuir para a formação de seus alunos.

Nas palavras de Nussbaum:

37 Corrobora esse entendimento a análise feita por Rouanet, na obra As razões do Iluminismo (1987),

em que, a partir de Foucault, afirma: “O desafio do nosso tempo é recompor os disjecta membra que Kant recolheu em suas três críticas (a ciência, a moral e a arte, respectivamente), tentando restaurar a unidade da razão desmembrada, sem que com isso as fronteiras entre essas três esferas se apaguem numa indiferenciação pré-moderna” (p. 210).

[...] é necessário que cultivemos os “olhos interiores” dos alunos, o que supõe uma formação cuidadosamente desenhada em matéria de artes e humanidades, sempre conforme a idade do sujeito e seu grau de desenvolvimento, que o coloque em contato com diversas questões de raça, gênero, origem étnica e experiência intercultural. Esta formação artística pode e deve estar vinculada com a educação para a cidadania democrática, já que muitas vezes as obras de arte oferecem uma valiosa oportunidade de começar a aprender quais têm sido os êxitos e os sofrimentos de uma cultura distinta da nossa (2010, p. 147).

Portanto, as artes cumprem dupla função nas escolas e universidades: por um lado, cultivam a capacidade de jogo e de empatia de modo geral e, por outro, podem agir nos pontos cegos específicos de cada cultura. Assim, mais uma vez destaca-se a importância do planejamento dessa inserção das artes na educação a fim de que se obtenha êxito. A primeira função, a de cultivar a capacidade imaginativa própria do jogo e, nesse sentido, desenvolver a capacidade de empatia, pode cumprir as obras de arte que se afastem da época e do lugar dos leitores, ainda que não sirvam quaisquer obras eleitas aleatoriamente. A segunda função, a de oportunizar reflexão acerca dos pontos cegos da cultura, requer um olhar mais aguçado para detectar as áreas de mal-estar social. Existe certa continuidade entre uma e outra, já que a capacidade geral de jogo e de empatia, uma vez desenvolvida, facilita a detecção dos pontos cegos, inclusive dos mais persistentes.

Nussbaum adverte que:

[...] para vincular-se de maneira estável com os valores democráticos, ambas as funções necessitam uma perspectiva normativa acerca do modo como devem relacionar-se entre si os seres humanos (como seres dignos, iguais e possuidores de um mundo e um valor interior). Portanto, ambas requerem uma seleção cuidadosa das obras de arte que se utilizarão. Em efeito, a imaginação empática pode resultar caprichosa e irregular se não se vincula com a ideia de igualdade na dignidade humana (2010, p. 147).

A história da humanidade nos mostra que os movimentos antidemocráticos não raras vezes souberam fazer bom uso da arte, da música e da retórica para contribuir ainda mais com a estigmatização e a discriminação de certos grupos e pessoas. Portanto, o elemento imaginativo da educação para a democracia requer uma capacidade de seleção cuidadosa e, principalmente, uma abordagem verdadeiramente crítica, isto é, fundamentada em critérios dos quais a humanidade e a igualdade de direitos sejam paradigmáticos.

O cultivo da imaginação delineado por Nussbaum se vincula estreitamente com a capacidade socrática de criticar as tradições inertes ou inadequadas e oferece a essa capacidade um suporte fundamental. Sobre isso, a autora afirma:

Ao causar prazer em relação a atos de subversão e reflexão cultural, as artes produzem um diálogo duradouro e inclusive atrativo com os prejuízos do passado, em lugar de um diálogo carregado de temor e resistência defensiva (NUSSBAUM, 2010, p. 149).

Portanto, a construção da receptividade empática, tão necessária à sobrevivência e ao fortalecimento da democracia, demanda atitude deliberada de desenvolvê-la nas pessoas em formação. Essa aprendizagem não se dá simplesmente confrontando os alunos e com base em informações orientando-os a abandonarem suas imagens anteriores em relação a determinados pontos cegos da cultura, mas sim “[...] submergindo-os dentro de uma cultura receptiva tanto em seus conteúdos curriculares como em seus métodos pedagógicos, isto é, dentro de uma proposta educativa imbuída por completo das capacidades para o amor e a compreensão” (NUSSBAUM, 2010, p. 151).

Nussbaum destaca também que com as artes ocorre o mesmo que com o pensamento crítico no que tange ao seu papel para o crescimento econômico e a conservação de uma cultura empresarial salutar. Nas palavras da autora:

Os principais educadores dedicados às ciências empresariais entendem que a capacidade de imaginação constitui um pilar da cultura empresarial. Para a inovação faz falta contar com uma mente flexível, aberta e criativa, capacidades estas que podem desenvolver-se mediante a literatura e as artes (NUSSBAUM, 2010, 151).

Assim, na concepção da autora, ainda que o interesse da nação recaísse unicamente sobre o crescimento econômico, não se poderia abrir mão das humanidades na educação.

Entretanto, como já evidenciado ao longo deste texto, a concepção assumida e defendida nesta tese é a de que a educação não pode ser reduzida à preparação técnica de agentes para o crescimento econômico. A educação precisa estar, fundamentalmente, vinculada à formação humana para a sociabilidade republicana democrática.

Nesse sentido, a proposta educacional recomendada por Nussbaum requer que os docentes mudem sua maneira de fazer as coisas. Ela ressalta que, para

colocar tal proposta em prática, faria falta que se instaurassem grandes modificações na formação dos professores. É necessário mudar o ethos das escolas. Ela reconhece que isso pode ser custoso, em termos financeiros, mas argumenta também que se trata de gastos transitórios, pois fazer as coisas dessa maneira não demanda um custo inerente mais alto. Uma vez incorporados os novos métodos, estes se perpetuariam por si mesmos. E mais, escreve ela:

[...] considero que um tipo de educação em que alunos e docentes se envolvem de maneira mais apaixonada mediante a reflexão e a imaginação reduz os custos ao limitar a anomia e a perda de tempo que em geral aparecem quando não existe um compromisso pessoal (NUSSBAUM, 2010, p. 160).

Sobre as peculiaridades do trabalho docente ao colocar em prática os elementos que recomenda como essenciais à formação de sujeitos-cidadãos preparados para a vida democrática, Nussbaum destaca a necessidade de se trabalhar com turmas menores. Isso tornaria possível promover a participação crítica dos alunos e corrigir seus escritos, sem que sejam simplesmente submetidos a exames nos quais são aprovados mediante a regurgitação de informações.

Mas, para além, e mesmo antes dos aspectos que dizem respeito à estratégia organizacional do ensino, penso que se faz muito necessária para a viabilização dessa proposta educacional centrada no paradigma do desenvolvimento humano para a saúde da vida democrática um redimensionamento da função docente. É imprescindível o desenvolvimento da compreensão, por parte dos sujeitos professores, da importância de sua própria relação com sua área de conhecimento, compreendendo-a como um conjunto de conhecimentos intersubjetivamente validados por sujeitos históricos que se identificam numa determinada interpretação do todo da experiência humana e, no mesmo grau de relevância, sua relação reflexiva com a cultura onde estão inseridos, cultivando sobre ela um olhar crítico no sentido de reconhecer a si mesmos e aos seus alunos como seres culturais, cientes de que essa cultura não é natural38 e de que não tem

38 É imprescindível reconhecer, como destaca José Henrique dos Santos, no artigo intitulado Sobre o ensino das humanidades, que a organização dos meios necessários à subsistência do homem “[...] não é dada como um fato consumado e imutável; pelo contrário, ela é mutável e histórica, e nela atua a liberdade humana” (SANTOS, 1991, p. 128). Tendo por base os preceitos filosóficos de Hegel, o autor afirma que a “[...] reificação do ser social faz com que a sociedade apareça como manifestação

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