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CAPÍTULO 2: OS ESTILOS DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS

2.5 Cultura de aprender & cultura de ensinar

Os indivíduos têm diferentes comportamentos e diferentes formas de pensar de acordo com as diferentes situações. Essas atitudes e pensamentos variam dependendo da bagagem cultural trazida por cada um. Afinal, tanto momentos vivenciados, como também pessoas que passam pela vida de cada indivíduo exercerão influência sobre a sua bagagem cultural. Todos e tudo geram, de certa forma, alguma alteração nas formas de pensar ou reagir de cada sujeito. Harris (1969) apud Laraia (2002) expressa que “nenhuma ordem social é baseada em verdades inatas, uma mudança no ambiente resulta numa mudança no comportamento.”

De acordo com Vygotsky (1984)21, teórico da linha sócio-interacionista, as atividades humanas acontecem em contextos culturais, e isolados deles, elas não devem ser analisadas. Uma das idéias principais de Vygotsky (op.cit.) é que as interações sociais não somente auxiliam na formação cognitiva do indivíduo. Na verdade, são essas interações que desenvolvem a nossa cognição e nosso processo de pensamento, pois as pessoas são produto do meio em que estão inseridas.

Quando faz-se referência ao processo de ensino-aprendizagem, a bagagem cultural que trazemos é importantíssima. Afinal, as pessoas não iniciam um processo de aprendizagem, como muitos acreditavam, como uma “tábula rasa”. Pessoas diferentes têm pensamentos diferentes, reações diferentes e, claro, formas de aprender diferentes.

Gomes & Gontijo (2002, p. 160) salientam que

Os alunos usam seu conhecimento prévio, anterior sobre o mundo como a estrutura inicial para se relacionarem com a nova informação. A partir de então, usam estratégias cognitivas como ferramentas para ajudá-los a construir o significado a partir da nova informação e do seu conhecimento prévio.

O jeito como um professor ensina seus alunos, a forma como ele planeja transmitir o novo conteúdo programático, tudo é conseqüência direta de suas experiências anteriores – sejam elas adquiridas através de sua trajetória profissional como professor, sejam

21 De acordo com Vygotsky, as pessoas adquirem informações quando o conhecimento é trabalhado dentro de o que o autor chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). A ZDP é uma área potencial de

elas adquiridas através do conhecimento que lhe foi transmitido quando encontrava-se na posição de aluno. Essa concepção pode ser confirmada nas palavras de Ellis (1997, p. 09):

Os professores, encarando a necessidade de tomar inúmeras decisões a fim de cumprir uma matéria, devem necessariamente, também, contar, primeiramente, com o conhecimento prático que eles adquiriram através da prática do ensino ou, talvez, através de suas experiências de terem sido ensinados.22

Furtoso & Gimenes (2000, p. 21), por sua vez, compartilham da mesma idéia ao mencionarem que

A prática de sala de aula não é simplesmente uma transposição de instruções e/ou técnicas apregoadas pelo acadêmicos. Reconhece-se que os professores atuam segundo suas crenças e valores e que, estes, na verdade, funcionam como filtro do conhecimento teórico gerado por outros.

Desta forma, podemos dizer que há uma diferença entre a cultura de ensinar e a cultura de aprender. Santos & Almeida Filho (1993) apud Santos (1994) definem cultura de aprender e de ensinar, dando a esses conceitos uma nomenclatura diferente – habitus de aprender e habitus de ensinar23, respectivamente. Os autores definem como habitus de ensinar (p.68) as

atitudes sistemáticas incorporadas pelo professor, tomando como pressupostos: a experiência de aprender do mesmo enquanto aluno; as concepções teóricas que adota como tendo valor de verdade, adquiridas ao longo de sua formação acadêmica; é uma adaptação às exigências institucionais atribuídas a ele ou ela no exercício do magistério.

Já o habitus de aprender (p.70) é classificado como o

conjunto de disposições adquiridas pelos aprendizes, mediadas ou não pelos seus professores, desenvolvidas a partir das experiências educacionais, e construídas de forma idiossincrática, e que determinam o estilo e a prática de sistematizar novos conhecimentos por parte dos alunos.

desenvolvimento cognitivo da pessoa. O mecanismo de mudança do desenvolvimento individual está enraizado na sociedade e na cultura.

22 “Teachers, faced with the need to make countless decisions to accomplish a lesson, must also necessarily rely, primarily on the practical knowledge they have acquired through teaching or, perhaps, through their experiences of having been taught.”

23 Almeida Filho (1998, p. 13), quando tratando do processo de ensino-aprendizagem de línguas, define

abordagem de ensinar como “conjunto de disposições que o professor dispõe para orientar todas as ações da operação global de ensinar uma língua estrangeira”, e abordagem de aprender é caracterizada “pelas maneiras de estudar, de se preparar para o uso, e pelo uso real da L-alvo que o aluno tem como ‘normais’.”

Mesmo que os estilos de aprendizagem sejam, geralmente, definidos como estáveis e consistentes, já é sabido que tanto as experiências de aprendizagem quanto os ambientes de aprendizagem os influenciam. (Desmedt & Valcke, 2004)

Sendo assim, como os professores podem atingir os alunos com as mais diversas culturas de aprender, uma vez que eles trabalham a partir de sua própria cultura e estilo de ensinar (cultura de ensinar)? Podemos verificar que, às vezes, os professores e os alunos não compartilham nem da bagagem cultural e nem dos mesmos estilos. Mesmo assim, alguns desses alunos são bem-sucedidos no processo de aprendizagem. Isso demonstra que nem o fato de ter a mesma bagagem cultural, nem de compartilhar dos mesmos estilos é fator essencial para o sucesso do processo educativo.

Quando estamos em sala de aula, encontramos uma grande diversidade de culturas de aprender. Diferentes culturas tendem a esperar um certo comportamento. Mas como dissemos, há essa gama de culturas de aprender em uma sala de aula, resultante das várias e distintas experiências dos alunos, que nem sempre corresponderão às nossas expectativas como professores, portadores de outra cultura de aprender e, conseqüentemente, de ensinar. O que fazer nesse caso? Esperar que os alunos se adaptem a nós, professores? Talvez, uma concepção mais igualitária seria criar um equilíbrio em uma balança onde tanto nós, professores, abrimos mão de algumas ações já intrínsecas a nossa prática escolar e lancemos mão de outras ações inovadoras para nossa cultura de ensinar, ao mesmo tempo em que os alunos têm seus estilos de aprendizagem respeitados e em adaptação pelo convívio social a outras culturas de aprender. A imposição de uma metodologia por conta de crenças arraigadas na nossa cultura de aprender e ensinar pode não gerar resultados tão bons como os esperados, correndo o risco de, inclusive, gerar resultados indesejáveis, como desmotivação, dificuldade, fracasso, e, em última instância, até mesmo abandono do curso. Desta forma, uma negociação nos comportamentos/ações do processo de ensino-aprendizagem pode funcionar como uma boa ferramenta para o alcance de objetivos educacionais. (Harmer, 2001; Almeida Filho, 1998)

Finalmente, gostaríamos de ressaltar que, além da já mencionada negociação de comportamentos/ações, o que torna-se, também, imprescindível para um sucesso no processo de ensino-aprendizagem em uma sala de aula onde encontramos alunos de diferentes culturas e dos mais diversos estilos de aprendizagem é que os professores tenham

plena consciência da rica diversidade existente no contexto de sala de aula e provenham oportunidades eqüitativas de aprendizagem a todos os alunos. (Guild, 1994)