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Se não fosse dirigido por padrões culturais, sistemas de símbolos significantes, o comportamento do homem seria ingovernável e sua experiência não teria forma; por isso, a cultura é uma condição essencial para a existência humana (GEERTZ, 1989). Sinteticamente, os seres humanos se completam pela cultura – não a cultura no sentido lato, mas a cultura no sentido restrito, particular a cada povo. Nessa direção, de modo semelhante a Cohen (1985), Bourdieu (1989) aborda uma característica importante para o conceito de cultura: a distinção. A mesma cultura que une, por meio da comunicação, separa como instrumento de distinção (BOURDIEU, 1989).

Assim como afirmado por Cuche (1999), acredita-se que a cultura é uma produção histórica, uma construção a partir das relações entre os grupos sociais.

Não há, desse modo, culturas em “estado puro”, sem ter jamais sofrido influência externa.

O processo que cada cultura sofre em situação de contato cultural, processo de desestruturação e depois de reestruturação, é em realidade o próprio princípio da evolução de qualquer sistema cultural. Toda cultura e um processo permanente de construção, desconstrução e reconstrução (CUCHE, 1999, p. 137).

Para esse autor, ao analisar um sistema cultural, faz-se necessário analisar a situação histórica e social da sociedade estudada. Além disso, há um jogo de distinção que produz as diferenças culturais.

Cada coletividade, no interior de uma situação dada, pode ter a tentação de defender sua especificidade, fazendo um esforço através de diversos artifícios para convencer (e se convencer) que seu modelo cultural é original e lhe pertence. O caráter da situação determinará se o jogo de distinção levará a valorizar e a acentuar tal conjunto de diferenças culturais mais do que outro.

As culturas nascem de relações sociais que são sempre relações desiguais (CUCHE, 1999, p. 143).

Tais relações contribuem para o fortalecimento ou a mudança da identidade, uma vez que, assim como afirmado por Hall (2006), a identidade surge da falta de inteireza que é preenchida a partir do exterior, pelas formas como os indivíduos imaginam serem vistos por outros.

No que se refere à identidade cultural, Cuche (1999) cita que todo grupo é dotado de uma identidade social, que é, ao mesmo tempo, inclusão e exclusão, distinguindo o “nós” dos “outros”. Nesse sentido, a identidade cultural seria a modalidade de categorização da distinção entre “nós” e “eles”, desde a perspectiva cultural. Esse autor entende que o que cria a “fronteira” é a busca pela diferenciação e o uso de traços culturais para marcar a identidade; não há identidade em si e para si; a identidade existe em relação a uma outra, estando, assim, ligada à alteridade.

Essa mesma fronteira é o que define um grupo étnico; no entanto, os traços culturais que definem essa fronteira, tais como as características dos grupos, podem sofrer alteração, mas há a manutenção da dicotomia entre “nós” e “os outros” (BARTH, 2011).

Barth (2011, p. 195) ressalta que “se um grupo conserva sua identidade quando os membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença e meios para tornar manifestas a pertença e a exclusão”. Segundo essa análise, a identificação de outra pessoa como pertencente ou não ao grupo implica critérios de avaliação e julgamento.

Hall (2006) ressalta que o processo de globalização pode conduzir à homogeneização global; no entanto, esta tem como paralelo a revitalização étnica, mesmo que mais híbridas ou simbólicas, podendo haver, desse modo, o ressurgimento étnico. Na mesma linha de pensamento, Graburn (1989) destaca que, com a homogeneização, os modelos culturais estão se tornando mais importantes.

Por vezes, essas mudanças são apontadas como um resultado da comoditização ou da mercantilização da cultura. No entanto, acredita-se, assim como apontado por Grünewald (1999), que a ideia de um mundo cada vez mais uniforme a padronizado

culturalmente deve ser descartada, uma vez que a cultura não flui em uma única direção. Ademais, acredita-se, conforme defendido por Sahlins (1997), que a cultura não está em vias de extinção. As culturas denominadas tradicionais não se extinguem perante a prática e a política do sistema global e dos movimentos hegemônicos da sociedade ocidental.

Segundo Burns (2002), as mudanças culturais são quaisquer alterações na cultura e podem surgir em consequência de fatores endógenos, como a descoberta e a inovação, ou exógenos, como a difusão cultural. Faria (2008) também aborda essa questão, recorrendo às expressões “mudança cultural interna” ou “mudança cultural externa”, sendo que esta pode ocorrer de forma mais rápida e brusca do que aquela. Desse modo, há mudança quando: novos elementos são agregados ou os antigos são aperfeiçoados por meio de invenções; novos elementos são

“emprestados” de outros grupos culturais; elementos culturais são abandonados ou substituídos por serem inadequados; alguns elementos se perdem, por falta de transmissão entre as gerações (BURNS, 2002).

Cuche (1999) expõe três regularidades complementares no que diz respeito aos traços culturais. Em primeiro lugar, quanto mais estranha for a forma (expressão manifesta), ou seja, quanto mais distante da cultura que a recebe, mais difícil será sua aceitação; em segundo lugar, as formas são mais facilmente transferíveis que as funções (a razão de ser dos traços); e um traço cultural, qualquer que seja sua forma, somente será aceito e integrado se puder adotar uma significação de acordo com a cultura que o recebe.

Evidencia-se, por meio desses pressupostos, que não as mudanças culturais constituem um processo complexo e não ocorrem facilmente; por outro lado, conforme Cuche (1999), não existem culturas “puras”, e tampouco “mestiças”, uma vez que, devido aos contatos culturais, todas as culturas são “mistas”, feitas de continuidade e descontinuidades. Supõe-se, então, a existência de uma constante invenção ou reinvenção da cultura.

Nos estudos do Turismo, principalmente nos de caráter antropológico, as mudanças culturais têm sido uma preocupação constante (GRÜNEWALD, 2002).

Alguns autores, como Santana Talavera (2003), defendem que o contato, direto ou indireto, dos grupos envolvidos no sistema turístico conduz, inevitavelmente, à aculturação.

Cuche (1999), por sua vez, defende que as relações contínuas de longa duração entre grupos étnicos, tal qual acontece no turismo, não levam necessariamente ao desaparecimento de diferenças culturais; ao contrário, tais relações são organizadas para manter essas diferenças. Assim, o contato entre grupos étnicos provoca a acentuação das especificidades por meio de uma defesa simbólica das fronteiras identitárias. Nessa mesma direção, Barth (2011) aponta que, quando há a interação entre indivíduos de culturas diferentes, espera-se que as diferenças sejam reduzidas; no entanto, o que ocorre é a manutenção da fronteira.

Ocorre, segundo Grünewald (2002), a busca, por parte dos atores locais, pela exibição de determinados traços culturais e estilos de vida, a fim de chamar a atenção dos turistas para suas características étnicas, regionais ou nacionais.

Assim, a busca por elementos característicos e diferenciais parece ser uma necessidade de mercado, posicionando a cultura como matéria-prima de um produto turístico (BARRETTO, 2000).

É nesse sentido que se incita o debate sobre autenticidade. Esse tema vem dividindo os pesquisadores das ciências humanas. Embora não seja foco da presente pesquisa, por vezes, esse tema veio à tona nas análises realizadas, cabendo, portanto, um posicionamento a respeito dele. Esta pesquisa considera a ideia defendida por Grünewald (1999) de que há dois tipos de autenticidade e de que não existe a inautenticidade. Segundo esse estudioso, há a autenticidade

“aurática”, a qual é determinada por um vínculo com o passado e a herança cultural, e a autenticidade “não aurática”, fundada na possibilidade de reprodução técnica do passado, sendo a recriação um aspecto mais forte do que a herança cultural.

Oliveira (2006) também corrobora essa ideia, ressaltando que as tradições

“inventadas” estabelecem um vínculo com o passado, as situações novas têm como referência as situações anteriores. Assim, defende-se que, na perspectiva do turismo envolvendo as comunidades indígenas, não há invenções culturais aleatórias, e sim recriações a partir de algo que fez parte daquela cultura, mas, por vezes, se manteve adormecido, e, ao ser retomada, a prática sofre alterações.

Grünewald (1999) expõe, ainda sobre essa questão, que comumente se espera que sejam exibidas, na arena turística, práticas naturalizadas que existem continuamente desde a ancestralidade, pois é assim que, no senso comum, se espera autenticar as tradições. Não se leva em consideração que as práticas

inventadas ou reinventadas são parte da cultura daquele povo. Além disso, não há uma reflexão sobre a diferença entre tradição e costume (OLIVEIRA, 2006).

Relacionando a questão da autenticidade aos povos indígenas, entende-se que a afirmação de que existe “índio inautêntico” dá margem à existência, no plano teórico, de um indígena que seja autêntico. Seguindo Ramos (2008), questiona-se:

que autenticidade seria essa? Comumente se espera encontrar, no turismo, comunidades indígenas idênticas aos retratos que delas se fizeram quando da chegada dos primeiros europeus ao território brasileiro. Mas Ramos (2008) questiona, novamente, se aqueles indígenas eram autênticos, não suscetíveis a modificações. Sobre esse tema, Baggio (2007) também indaga se os indígenas deixaram de transformar sua cultura entre os anos 1000 e 1500, ou seja, antes da colonização europeia, e defende que só porque não há registros dessas mudanças não significa que antes mesmo do primeiro contato com os europeus suas culturas não tenham sofrido transformações.

4 CONCEITUALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO TURISMO EM