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PARTE II – A MANIPULAÇÃO DAS TEORIAS

7.3 CULTURA MIDIÁTICA

Ao pesquisar o conceito de cultura, percebemos que esse termo tem recebido definições bem diversas, dependendo do teórico e do enfoque.

Para o Ministério da Cultura (MinC) do Brasil, a cultura é ―[...] elemento fundamental e insubstituível na construção da própria identidade nacional, cada vez mais um setor de grande destaque na economia do País, como fonte de geração crescente de empregos e renda‖ (BRASIL, 2014b).

O MinC posiciona-se como mediador entre os agentes culturais e a população, comprometendo-se a desenvolver ―[...] políticas de fomento e incentivo nas áreas de letras, artes, folclore e nas diversas formas de expressão da cultura nacional, bem como preservar o patrimônio histórico, arqueológico, artístico e nacional‖ (BRASIL, 2014b). Acrescenta, ainda, que procura ―[...] minimizar distorções e ampliar o acesso da população aos bens culturais‖. Sendo assim, a cultura para o MinC ―passou a ser vista sob três dimensões: a simbólica, a cidadã e a mercadológica, e suas ações passaram a ser desenvolvidas para fortalecer cada um dos três campos‖ (BRASIL, 2014b).

Na linha da antropologia, Geertz (2008) nos mostra como alguns autores tornaram o termo tão eclético a ponto de mais atrapalhar que ajudar no entendimento. Reunindo as diversas definições dadas por Clyde Kluckhohn (apud GEERTZ, 2008, p. 10), temos que cultura é

[...] (1) ―o modo de vida global de um povo"‘; (2) ―o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo‖; (3) ―uma forma de pensar, sentir e acreditar‖; (4) ―uma abstração do comportamento‖; (5) ―uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de pessoas se comporta realmente‖; (6) ‗um celeiro de aprendizagem em comum‖; (7) ―um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes‖; (8) ―comportamento aprendido‖; (9) ―um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento‖; (10) ―um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como em relação aos outros homens‖; (11) ―um precipitado da história‖.

Neste trabalho, adotaremos os conceitos da antropologia, a partir dos quais a sociossemiótica também se tem inspirado e embasado desde o seu surgimento.

Assumimos o conceito de cultura de Geertz, proposto em As interpretações das culturas.

O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico. Acreditando [...] que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado (GEERTZ, 2008, p. 10). Para Geertz, os que estudam antropologia social fazem etnografia. Segundo o autor, ao fazer os relatos das descrições, o ―etnógrafo inscreve o discurso social: ele o anota‖ (GEERTZ, 2008, p. 20). Entretanto, o autor defende que o antropólogo não faz somente descrições. Como exemplo, diz que ele procura entender qual a diferença entre uma pessoa que dá uma piscadela de olho somente contraindo a pálpebra e aquela que deu uma piscadela querendo comunicar-se, ou, ainda, aquela que deu uma piscadela tentando imitar alguém. Ou seja, procura extrair as significações dos atos. Assim, ―ele observa, ele registra, ele analisa‖ (GEERTZ, 2008, p. 20).

Segundo Geertz, o conceito de cultura semiótico se adapta especialmente bem como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis. Assim, a cultura não é vista como um poder, ―[...] algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as

instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade‖ (GEERTZ, 2008, p. 16).

O autor adverte que o locus de estudo não é necessariamente o objeto desse estudo, ou seja, a aldeia, o parque ou a cidade, mas o que o antropólogo estuda na aldeia, no parque ou na cidade. Pontua, também, sobre a abrangência da pesquisa. Defende que o etnógrafo não tem a preocupação de chegar a conclusões superficiais de uma grande amostra. Ao contrário, prefere tirar importantes conclusões de uma amostra mais restrita.

Geertz (2008, p. 24) fala também sobre a importância de se aproveitarem estudos anteriores sobre o mesmo tema ao afirmar: ―Os estudos constroem-se sobre outros estudos, não no sentido de que retomam onde outros deixaram, mas no sentido de que, melhor informados e melhor conceitualizados, eles mergulham mais profundamente nas mesmas coisas‖. Essa passagem é especialmente importante para nós, uma vez que somos cientes de que a temática ―Mídia- Escola-Criança-Consumo‖ tem sido muito pesquisada ao longo dos tempos. Mas, como já explanamos anteriormente, buscamos um olhar diferenciado, detalhes muito sutis das significações em ato da cultura midiática na escola.

Geertz afirma que ―as formas da sociedade são a substância da cultura‖. Na filosofia iluminista, vamos encontrar defensores que dizem que ―há uma natureza humana tão regularmente organizada, tão perfeitamente invariante e tão maravilhosamente simples como o universo de Newton‖, e que, apesar de algumas de suas leis serem diferentes, elas existem. ―Parte da sua imutabilidade talvez seja obscurecida pelas armadilhas da moda local, mas ela é imutável‖ (GEERTZ, 2008, p. 29).

O cenário (em períodos e locais diferentes) é alterado, de fato, os atores mudam sua indumentária e aparência; mas seus movimentos internos surgem dos mesmos desejos e paixões dos homens e produzem seus efeitos nas vicissitudes dos reinos e dos povos (LOVEJOY, apud GEERTZ, 2008, p. 30). Geertz critica essa imagem de uma ―[...] natureza humana constante, independente de tempo, lugar e circunstância, de estudos e profissões, modas passageiras e opiniões temporárias‖. Diz que essa forma de pensar ―pode ser uma ilusão, o que o homem é pode estar tão envolvido com onde ele está, quem ele é e no que ele acredita, que é inseparável deles‖. Assim, ―é

precisamente o levar em conta tal possibilidade que deu margem ao surgimento do conceito de cultura e ao declínio da perspectiva uniforme do homem‖ (GEERTZ, 2008, p. 30).

Segundo Geertz, deixar de lado a ideia de uma humanidade uniforme é um grande passo. É preciso entender que ―a diversidade de costumes no tempo e no espaço não é simplesmente uma questão de indumentária ou aparência, [...] é também alimentar a ideia de que a humanidade é tão variada em sua essência como em sua expressão‖ (GEERTZ, 2008, p. 31).

Há de se dizer ainda da perspectiva da cultura como ―mecanismo de controle‖. Nesse sentido, o pressuposto é que o ―pensamento humano é basicamente tanto social como público — que seu ambiente natural é o pátio familiar, o mercado e a praça da cidade‖ (GEERTZ, 2008, p. 37). Pensar, então, consiste

[...] num tráfego de símbolos significantes — as palavras, para a maioria, mas também gestos, desenhos, sons musicais, artifícios mecânicos como relógios, ou objetos naturais como jóias — na verdade, qualquer coisa que esteja afastada da simples realidade e que seja usada para impor um significado à experiência (GEERTZ, 2008, p. 37).

Quando nasce, o indivíduo já encontra esses símbolos em sua comunidade e, à medida que vive, ―ele se utiliza deles sempre com o mesmo propósito: para fazer uma construção dos acontecimentos através dos quais ele vive, para auto-orientar-se no curso corrente das coisas experimentadas‖ (GEERTZ, 2008, p. 37).

De acordo com Geertz, isso significa que o indivíduo precisa das fontes simbólicas para ―[...] encontrar seus apoios no mundo porque a qualidade não-simbólica constitucionalmente gravada em seu corpo lança uma luz muito difusa‖.

Não dirigido por padrões culturais — sistemas organizados de símbolos significantes —, o comportamento do homem seria virtualmente ingovernável, um simples caos de atos sem sentido e de explosões emocionais, e sua experiência não teria praticamente qualquer forma. A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela — a principal base de sua especificidade (GEERTZ, 2008, p. 37).

Posto isso, ―não existe natureza humana independente da cultura‖. Esta ―nos modelou como espécie única‖ [...] e como indivíduos separados. É isso o que temos realmente em comum —

nem um ser subcultural imutável nem um consenso de cruzamento cultural estabelecido (GEERTZ, 2008, p. 37).

Em os Locais da cultura (2010), Homi Bhabha discorre sobre os locais onde as culturas se fazem presentes bem como sobre a sensação de desorientação do sujeito que busca ancorar sua existência no espaço-tempo atual.

Para o autor, ―inícios e fins podem ser os mitos de sustentação‖, mas, atualmente, o sujeito se encontra num ―[...] momento de trânsito em que espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão‖ (BABHA, 2010, p. 19). Segundo o autor, o sujeito vive uma ―[...] sensação de desorientação, aqui e lá, de todos os lados, para frente e para trás‖ (BABHA, 2010, p. 19).

O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e focalizar os momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças culturais. Esses entre-lugares fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria idéia de sociedade (BABHA, 2010, p. 20).

Podemos aproximar as ideias de Bhabha às da sociossemiótica de Landowski, já que este autor prefere trabalhar com os conceitos de alteridade a identidade.

Para Bhabha, é nos interstícios que as experiências dos sujeitos são negociadas, de ―[...] modo que se formam sujeitos nos entre-lugares, nos excedentes das somas das partes da diferença‖ (BABHA, 2010, p. 20).

Assim também a sociossemiótica entende a construção das identidades/alteridades dos sujeitos. Com o fluxo dos estilos de vida propostos por Landowski (2002b) e pelo modelo da elipse (2009), que não admite posições fixas, os pensamentos de Bhabha e Landowski se aproximam mais uma vez.

Conforme Bhabha (2010, p. 20), a ―diferença não deve ser lida apressadamente como o reflexo de traços culturais ou étnicos preestabelecidos, inscritos na lápide fixa da tradição‖. Dizendo de

outra forma, para Landowski (1992), não há dado societal preexistente; a própria sociedade se oferece a si mesma como espetáculo.

Esse modo de pensar propicia uma ―[...] passagem intersticial entre identificações fixas‖; e ―abre a possibilidade de um hibridismo cultural que acolhe a diferença sem uma hierarquia suposta ou imposta‖ (BABHA, 2010, p. 22).

O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com o novo que não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma idéia do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado reconfigurando-o como um entre-lugar contingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O passado-presente torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia de viver‖ (BABHA, 2010, p. 27).

Poderíamos considerar nosso local de estudo – pátio do recreio da escola – como um entre- lugar? Tudo leva a crer que sim. Entre o dentro e o fora da sala de aula, entre a regra e a liberdade, entre a divisão serial das turmas, entre as faixas etárias, entre os gêneros, entre professores e alunos, o pátio do recreio é, a nosso ver, esse local privilegiado onde todos da escola se encontram e se hibridizam.

Na perspectiva de Bhabha (2010, p. 30), ―as fronteiras entre casa e mundo se confundem e, estranhamente, o privado e o público tornam-se parte um do outro‖. Assim também parece acontecer com a cultura midiática. Ela está em casa, na escola, no mundo, nos locais privados e públicos. Assim, há de se atentar mais para os espaços em que, conforme comumente achamos, este ou aquele tipo de cultura circula. É comum dizermos que a cultura midiática, em relação à escola, estaria no campo do ―lá‖, ou seja, fora da escola, nas lojas, em casa, e a cultura escolar estaria ―aqui‖, dentro da escola, imune, preservada. Mas essa ideia não se sustenta quando analisamos as práticas vividas dos sujeitos e seus fluxos de conexões. A cultura midiática também está no campo do ―entre‖ aqui (da escola) e lá (do mundo). Ou seja, é ponte, é travessia. E invadiu o ―aqui‖ há muito tempo!

Mas como conceituá-la? Quais são suas características?

Na atualidade, existem correntes teóricas que também denominam o que estamos chamando de ―cultura midiática‖ como ―cultura de consumo‖, ―sociedade de consumo‖, ―midiatização‖,

―sociedade midiatizada‖. Entretanto, conforme explicitaremos a seguir, na essência, estamos falando do mesmo enfoque.

O grupo de professores pesquisadores da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) elegeu o fenômeno do ―consumo‖ como categoria para se pensar a sociedade, diferindo-o do termo ―consumismo‖, ou seja, compras supérfluas por impulso. O consumo é tomado como uma ―[...] categoria que nomeia o tempo presente – sociedade de consumo – e a comunicação, como a narrativa que o sustenta‖ (CASTRO; ROCHA, 2012, p. 271).

Em Estéticas midiáticas e narrativas do consumo (2012), os autores Everardo Rocha e Gisela Castro sustentam: ―[...] não é exagero afirmar que comunicação e consumo constituem as bases da contemporaneidade‖. Os autores asseveram que existe uma estreita parceria entre cultura midiática e cultura do consumo, e que ―a cultura midiática interpreta a produção e socializa para o consumo, contribuindo para a associação entre marcas, produtos e serviços nas diversas experiências da vida‖ (CASTRO; ROCHA, 2012, p. 269).

Contribuindo para o debate sobre as denominações e imbricamentos entre cultura midiática e cultura do consumo, Rose de Melo Rocha (2012, p. 24) expõem que, ―a partir da década de 60, novas conformações do capital e da sociedade teriam concorrido para delinear uma fase original das culturas de consumo‖. Segundo os autores, nesse período da história aconteceu ―[...] a consolidação de uma cultura do consumo que é intrinsecamente articulada à midiatização do real‖. Isso significa, então, ―[...] falar na aproximação irreversível entre o consumo e a cena cultural tecida pelo universo da comunicação massiva‖ (ROCHA, 2012, p. 24).

Os autores lembram o que ―Walter Benjamin chamou de formação de um novo sensorium‖, ou seja, que ―falar de consumo forçosamente implica, a partir de então, a consideração das profícuas interfaces entre cena tecnomidiática, cultura das mídias e cultura do consumo‖, e ainda afirmam que ―consumir, hoje, é consumir cultura midiaticamente mediada, digitalmente interligada, imaginariamente compartilhada, imageticamente realizada‖ (ROCHA, 2012, p. 26).

Os cenários midiáticos, para além do controle totalitário, têm sinalizado o franco investimento em potências de sedução, na propagação de ―imagens estilo-de-vida‖, capazes não apenas de modalizar o corpo, mas também de

fixar os estados de espírito. [...] erótica do consumo, a partir da qual os gostos são também agenciados, negociados, redesenhados (ROCHA, 2012, p. 28). Posto isso, podemos afirmar, concordando com Rocha (2012, p. 28), que ―o casamento que se constitui na passagem da modernidade para a pós-modernidade é insuspeito: ele se deu entre as culturas do consumo e as indústrias do entretenimento‖.

Sobre essa interdependência entre cultura midiática e cultura de consumo, Castro e Rocha (2009, p. 48) fazem uma significativa discussão no artigo ―Cultura da mídia, cultura do consumo: imagem e espetáculo no discurso pós-moderno‖, ao afirmarem que ―[...] a intensa imbricação entre mídia, cultura e consumo [...]‖ representa um ―[...] aspecto central no contexto contemporâneo‖. Tais argumentações também tomam por base as proposições de Douglas Kellner.

As autoras reforçam que, ―na visão do teórico norte-americano Douglas Kellner (2001, 2006), a própria constituição dos modos de ser e viver são hoje em grande parte condicionados pelos padrões e modelos fornecidos pela cultura da mídia‖ (CASTRO; ROCHA, 2009, p. 50).

Referindo-se ao conceito frankfurtiano de indústria cultural, o autor esclarece que a mídia funciona segundo um modelo industrial, cujos produtos são mercadorias criadas para atender aos interesses de seus controladores: gigantescos conglomerados transnacionais, hoje dominantes. O entretenimento é o principal produto oferecido pela cultura da mídia, que espetaculariza o cotidiano de modo a seduzir suas audiências e levá-las a identificar-se com as representações sociais e ideológicas nela presentes. (KELLNER, apud CASTRO; ROCHA, 2009, p. 50).

Para as autoras, o consumo simbólico é tão importante quanto o consumo de bens materiais, e ―a hibridização entre mídia e consumo parece evidenciar-se por excelência na economia do entretenimento‖. Dessa forma, as empresas de mídia ―são transformadas em megaconglomerados que fundem informação, entretenimento e negócios‖ (CASTRO; ROCHA, 2009, p. 51).

Acerca dos mecanismos do marketing e da propaganda no contexto atual, as autoras afirmam que esses desempenham ―[...] um importante papel na segmentação e educação do público em torno de novos gostos, tendências e estilos‖. E acrescentam que a ―estetização do cotidiano e o

imperativo da visibilidade permitem a irremediável associação entre a cultura do espetáculo e a educação de nossos sentidos‖ (CASTRO; ROCHA, 2009, p. 52).

Trata-se, em resumo, da inserção original das imagens na malha cultural e nas interações sociais contemporâneas, através da qual se efetiva o consumo de imagens/sensações e de imagens/estilos-de-vida. [...] O ―mercado do olhar‖, tornado exponencial pela proliferação de câmeras de registro no cotidiano das cidades e das câmeras ―ao vivo‖ na Internet, potencializa a um só tempo o espetáculo e a vigilância global (CASTRO; ROCHA, 2009, p. 54).

Mas, conforme afirmamos anteriormente, há também outras denominações em vigor para se caracterizar o que chamamos de cultura midiática. Em Eticidade, campo comunicacional e midiatização (2006), o autor Muniz Sodré faz os esclarecimentos dos termos.

Segundo Sodré (2006, p. 20), ―a sociedade contemporânea rege-se pela midiatização, ou seja, pela tendência à virtualização das relações humanas‖. O autor esclarece que o termo midiatização é diferente de mediação e interação, esta última uma ―[...] forma operativa do sistema mediador‖.

Está presente na palavra mediação o significado da ação de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas partes (o que implica diferentes tipos de interação). [...] A linguagem é por isto considerada mediação universal. Já midiatização é uma ordem de mediações socialmente realizadas – um tipo particular de interação, portanto, a que poderíamos chamar de tecnomediações – caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível, denominada médium (SODRÉ, 2006, p. 20).

Afirma o autor que o ―conceito de midiatização – ao contrário do de mediação – não recobre, entretanto, a totalidade do campo social, e sim o da articulação hibridizante das múltiplas instituições [...] com as várias organizações de mídia, isto é, com atividades regidas por estritas finalidades tecnológicas e mercadológicas‖ (SODRÉ, 2006, p. 22).

Dessa forma, o autor defende:

A questão inicial é a de se saber como essa qualificação atua em termos de influência ou poder na construção da realidade social (moldagem de percepções, afetos, significações, costumes e produção de efeitos políticos) desde a mídia tradicional até a novíssima, baseada na interação em tempo real e na possibilidade de criação de espaços artificiais ou virtuais. Esta é, na verdade, a questão central de toda sociologia ou toda antropologia da comunicação contemporâneas(SODRÉ, 2006, p. 22-23).

Sodré ainda alerta que o que parte da mídia para o público é influência tanto normativa quanto emocional e sensorial, ―[...] onde identidades pessoais, comportamentos e até mesmo juízos de natureza supostamente ética passam pelo crivo de uma invisível comunidade do gosto, na realidade o gosto ‗médio‘, estatisticamente determinado‖ (SODRÉ, 2006, p. 23).

Assim, feitos os principais apontamentos dos conceitos defendidos por esses grupos de autores, optamos por trabalhar em nossa tese com o termo ―cultura midiática‖ com base em Douglas Kelnner (2001). A escolha pelas acepções de Kelnner se deu, pois, porque esse autor converge em seus pressupostos as mesmas ideias explanadas anteriormente, além de ser também aporte teórico do grupo de pesquisadores da ESPM. Além disso, Kelnner define e localiza o que chamamos de ―produtos da cultura midiática‖ no seio da própria definição de ―cultura da mídia‖, conforme veremos a seguir. Por fim, com Kelnner também nos mantemos fiéis às bases da antropologia.

Se a cultura ―é uma teia que o próprio homem teceu‖, podemos, desse ponto de vista, entender melhor um dos aspectos dessa teia, construída ao longo da história da humanidade: a chamada cultura da mídia. É assim chamada porque é veiculada pela mídia, ―cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade‖ (KELLNER, 2001, p. 9).

Segundo Kellner, essa cultura é constituída por sistemas de rádio, cinema, jornais, revistas, internet e ―[...] pelo sistema de televisão, situado no cerne desse tipo de cultura. [...] Trata-se de uma cultura da imagem, que explora a visão e a audição‖ (KELLNER, 2001, p. 9).

Para o autor, a cultura da mídia também é industrial, pois

[...] organiza-se com base no modelo de produção de massa [sendo] produzida para a massa de acordo com tipos (gêneros), segundo fórmulas, códigos e normas convencionais. É, portanto, uma forma de cultura comercial, e seus produtos são mercadorias que tentam atrair o lucro privado produzido por empresas [...] (KELLNER, 2001, p. 9, grifo nosso).

Assim, essas noções básicas de Kellner nos possibilitam caracterizar a cultura midiática como

 os programas e conteúdos veiculados por esses meios (programas de TV, filmes em cinema, audiovisuais em sites específicos);

os personagens dos programas de TV, cinema, revistas, sites;

 os equipamentos móveis de comunicação que dão acesso aos conteúdos da mídia (celular, tablet, fones de ouvido, entre outros);

 e também os produtos de consumo com os apelos midiáticos que, na verdade, são extensões da cultura da mídia, como é o caso dos produtos de consumo do segmento escolar, que usam da temática midiática para vender roupas, cadernos, mochilas, lancheiras e outros materiais); assim, são extensões da cultura da mídia, em plataformas físicas, que são os próprios produtos físicos de consumo.