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Regimes de Interações Discursivas

PARTE II – A MANIPULAÇÃO DAS TEORIAS

7.2 A SOCIOSSEMIÓTICA – O ALARGAMENTO DA TEORIA

7.2.4 Regimes de Interações Discursivas

Já que o nosso objeto de análise são as interações da cultura midiática na escola, incluiremos neste diálogo os recentes artigos de Oliveira de Oliveira, cujas proposições indicam o estágio mais atualizado das interações em ato, especificamente das interações discursivas em ato.

No primeiro artigo, ―Discursos midiáticos como experiências do sentido‖, Oliveira (2010) desenvolve como os diferentes regimes de interação podem ser tipificados nas interações midiáticas. Segundo a autora, os regimes de interação e de sentido podem instaurar, na enunciação, identidades predeterminadas ou identidades em construção. Para exemplificar essa lógica, propõe um esquema que representa a abertura, o fechamento, a comunhão e compartilhamento do saber (OLIVEIRA, 2010, p. 6).

A autora afirma:

Ainda, pode-se visualizar no quadrado semiótico que as identidades formadas nas instâncias de enunciação por seus procedimentos de embreagem e debreagem formam quatro tipos basilares de modos de presença do sujeito da enunciação na interação discursiva que sedimentam os nossos passos em direção a uma semiótica dos percursos dinâmicos da apreensão do sentido e da experiência de interpretação do conhecimento processados nas interações discursivas das mídias (OLIVEIRA, 2010, p. 7).

Oliveira (2010, p. 8) ainda disserta sobre a importância dos formantes do plano de expressão nas interações discursivas:

Por meio dessa apreensão da materialidade mediática escolhida, dos modos técnicos e tecnológicos de operar dos formantes relacionadamente, a semiotização da plástica é processada. Pela análise do formante eidético examina-se como os traços, contornos, figuras, planos, superfícies são articulados aos formantes cromáticos, em que cores e tons atuam na construção em que ambos são constituintes do formante topológico que os distribuem em uma dada ordenação espacial ou temporal em dependência do meio.

Segundo a autora, é pelo estudo da plástica da expressão que temos acesso aos modos de apreensão plasmados pelo enunciador ao enunciatário.

Oliveira (2010) relata que as mídias devem ser estudadas em seu plano de expressão, pois dessa forma podemos estudar como seus formantes matéricos situam o sujeito da enunciação em mundos da mídia, assumindo as suas condicionantes para o seu estar linkado, estar conectado, estar em interação em ato no ciberespaço, entre outros.

Assim, a autora reforça que ―a descrição e análise da plástica expressiva da enunciação com as materialidades que dão forma à expressão e concretizam os sentidos dos textos e objetos semióticos nos evidenciam que o conteúdo faz-se também a partir da forma‖ (OLIVEIRA, 2010, p. 9).

A partir desse raciocínio, a autora defende uma ―tipologia de sujeitos produtores de sentido a partir do plasmar na expressão de seus modos de interação discursiva‖.

Com base no esquema das quatro modalidades anteriormente especificadas – abertura, fechamento, comunhão e compartilhamento do saber –, podemos analisar a interação dos sujeitos com a mídia e identificar

[...] as formas estabilizadas e as mutantes da construção identitária, as formações unilaterais, bilaterais e multilaterais que configuram a prática interacional produtiva dos discursos‖. [...] Os modos como as interações discursivas instalam sujeitos nos seus fazeres próprios apontam para essa exigência de explorá-los para além da produção de intersubjetividade, centrando-nos nas que lhes conferem materialidade, incluindo as técnicas de produção atorial no curso de seu processamento no tempo e no espaço, como práticas interpretativas que se dão em ato e em situação do fazer de apreensão e de interpretação (OLIVEIRA, 2010, p. 10).

Oliveira (2010, p.13) defende: ―No processar do desenvolvimento das ações é que os sujeitos em ato são conduzidos ou não a graus de liberação da fixação controlada até a mutabilidade aleatória‖.

A partir dessa premissa, temos uma gama de situações a serem observadas: as interações em ato dos alunos com a materialidade expressiva dos produtos midiáticos; a migração de fixações controladas até à aleatoriedade; a migração do conhecimento da comunhão para o compartilhamento; os graus de regulação da enunciação; as lógicas reguladas/fechadas versus as lógicas abertas/liberadas.

Para Oliveira, a exemplificação da lógica do ajuste nas mídias mostra que a ―interação é edificada na e pela reciprocidade dos dois sujeitos, o que não os apaga em uma operação de fusão, mas os mantém fazendo junto o saber‖ (OLIVEIRA, 2010, p. 14).

Dessa forma, como seria oexemplo de um meio de comunicação que não apagasse a identidade da criança? Como garantir que cada um participe do fazer-saber mantendo os seus atos particulares, sem deixar que a pluralidade seja engolida pela unilateralidade?

A autora relembra os postulados de Landowski, ao reforçar que o tipo de situação interativa não só convoca ao discurso os que enunciam, produzindo assim a significação, mas também tem, em si próprio, um sentido-sentido que afeta os sujeitos e ela mesma.

Sendo assim, sobre as interações discursivas resultantes das relações entre meios e mediações do sujeito contemporâneo, a autora afirma:

Os modos como o /saber/ é modalizado e socializado na sociedade mediática? levam a refletir sobre como os distintos procedimentos empregados são regidos pelos mesmos pontos de vista específicos da acumulação capitalista que tornam os atos cognitivos da apreensão e da interpretação da maior relevância epistêmica para a compreensão das formações sociais (OLIVEIRA, 2010, p. 17).

Essa questão é de fundamental importância, pois nos leva a crer que a forma como o saber é processado em cada escola, em particular, influencia o ensino-aprendizagem do aluno, seja ele aberto ou fechado, seja em comunhão ou compartilhado.

Para exemplificar, podemos falar de lógicas tradicionais que desembocam em práticas em que um (professor) falante e detentor do saber ―transmite‖ conhecimentos para outros (alunos) ouvintes desprovidos de saberes. Ou, na contramão, podemos produzir lógicas e práticas em que o saber é compartilhado e construído numa relação dialógica entre professor-aluno.

Além disso, ainda temos as questões que dizem respeito à infraestrutura, ou seja, aos aparatos metodológicos que entram em relação. Atualmente, ao falarmos de educomunicação, estamos admitindo que as mídias podem ser coadjuvantes no processo ensino-aprendizagem, o que não quer dizer que, necessariamente, operar com meios de comunicação ou com laboratórios

superequipados signifique prover práticas de compartilhamento de saber. Ao contrário, uma escola dita ―moderna‖ pode ser tão fechada quanto as chamadas ―tradicionais‖.

Dessa forma, podemos afirmar que não é o sujeito em si ou os aparatos de infraestrutura que determinam a emancipação do saber, mas, sobretudo, a forma como as interações são processadas.

Mais recentemente, com o artigo ―As interações discursivas‖ (2013), a autora desenvolve um quadro teórico para dar conta dos regimes de interações discursivas.

Se Landowski dizia que a ―enunciação faz ser o sentido‖ (1992), Oliveira postula que ―a interação faz ser o sentido‖ e, além disso, que ―a ação cognitiva do enunciador é de fazer saber o enunciatário os modos por meio dos quais cada um dos sujeitos com seus papéis discursivos tem seus próprios desempenhos na elaboração do sentido‖ (OLIVEIRA, 2013, p. 235).

Isso significa que os sujeitos operam uma série de escolhas verbais, gestuais, visuais, entre outras, para enunciar seus discursos, entendendo por sujeito, o sujeito complexo, aquele que instaura no ato mesmo da enunciação o ―eu-tu‖, ou seja, o enunciador-enunciatário, cuja ―[...] produção de sentido faz ser esses sujeitos, tornando-os presentes ao mundo discursivo‖ (OLIVEIRA, 2013, p. 236).

A autora pontua que, apesar de Landowski ter inventariado os regimes de interação (programação, manipulação, ajustamento e acidente), ele ―não vai correlacionar a narratividade aos procedimentos assumidos pelo sujeito da enunciação‖. Dessa forma, Oliveira propõe mapear os ―[...] modos de interação que são estabelecidos entre tipos de enunciadores e enunciatários e, a partir das recorrências processuais de seus modos de presença, verificar como esses montam uma tipologia das interações discursivas‖ (OLIVEIRA, 2013, p. 236).

A aposta de Oliveira (2013, p. 238) é que ―são também os tipos de interação que constroem os tipos de fazer cognitivo, sensível e inteligível, cujo palco de encenação é o discurso‖, tendo, assim, por objetivo, ―depreender a possibilidade de correspondência entre os regimes de interação narrativa de Landowski‖ e os que a autora denomina de ―interação discursiva‖.

Entendendo a enunciação como um ―[...] ato instaurador do sentido na e pela interação entre os dois parceiros do discurso‖, Oliveira (2013, p. 239) reforça que Landowski considerou também a enunciação ―[...] como um ato de instalar as presenças discursivas de um ator da interação com o outro ator que resultam em modos de interação‖, e defende ―[...] que esses modos interacionais podem montar um sistema regedor dos de produção do sentido‖.

Enquanto ato, a enunciação instaura as interações entre enunciador e enunciatário e estabelece os tipos de percurso do processo comunicativo responsável pelo advir da significação. Por mais que estejam postos na organização do aparato formal da enunciação os tipos de escolhas paradigmáticas efetuados pelo enunciador e articulados em uma sintagmática de escolhas figurativas e temáticas, essas não dão conta da presença somática do sujeito complexo. Dar conta desses modos é debruçar-se sobre os procedimentos de enunciação observando não os tipos das interações como determinados e prefixados, mas propondo-os na processualidade do sujeito fazer-se presente ao discurso (OLIVEIRA, 2013, p. 240).

Oliveira defende que os ―procedimentos da enunciação‖ podem ser definidos como ―[...] instaladores discursivos que produzem os tipos vários de construção e experiência do sentido‖, e que a enunciação pode ser concebida como ―[...] um modo de criação de experiências‖ (OLIVEIRA, 2013, p. 241).

Segundo a autora, ―as escolhas de posição, angulação, perspectiva, postura dão-se pelos corpos serem dotados de sensibilidade que os possibilitam sentir e discriminar pela interação a sua colocação em ato‖ (OLIVEIRA, 2013, p. 242). Nas escolhas que fazem para suas interações, os sujeitos operam relações de ―transitividade e intransitividade‖. Estas são caracterizadas por posicionamentos entre sujeitos em que ―um comanda a interação e o outro é comandado‖, de modo que o enunciador ―rege uma transmissão de saber ao enunciatário‖. Aquelas são caracterizadas pela colocação dos sujeitos ―[...] num mesmo patamar interativo‖ (OLIVEIRA, 2013, p. 244). Os tipos de interações discursivas estão descritos e caracterizados no Quadro 4.

Relacionando as posições de interações discursivas com as posições de interação propostas por Landowski, Oliveira chega a fluxos de interações discursivas entre os sujeitos, conforme esquematizado na Figura 6.

Figura 6 – Regimes de interações discursivas.

Fonte: Oliveira (2013, p. 247).

A autora expõe:

Não só vivemos cercados por essas manifestações de sentido diversas, mas o uso de cada uma delas pelas artes, pelos meios de comunicação, pela administração e gestão, entre outras, gera modos como esse contexto nos faz ser e ter uma presença ao mundo. Não são, pois, presenças enunciativas neutras, ao contrário. Elas entram em contato conosco, nos colocam em contato com mundos, nos conduz a contratar acordos, pactos, nos impõe

seguir prescrições, nos libera para assumir nosso turno na enunciação (OLIVEIRA, 2013, p. 248).

No caso desta pesquisa na escola, também estamos falando de sujeitos complexos (enunciadores-enunciatários) que praticam enunciações/discursos diversos em ato.

Assim, nos capítulos das análises seguiremos o fluxo do que é dado a ver nas enunciações na escola. A título de exemplificação prévia, saltam aos olhos os discursos prescritivos, programadores e manipuladores da sociedade antes mesmo de os alunos entrarem na escola. Chegando lá, eles também se defrontam com programações e manipulações envolvendo regras, horários e modos de agir. Mas também é possível sentir o ajustamento, já que não postulamos sujeitos determinados, mas sujeitos interativos na construção criativa de estar no mundo. Igualmente, a relação dos alunos com os produtos midiáticos e demais sujeitos na escola abre um mosaico de possibilidades de interações discursivas.