• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 AS PERCEPÇÕES DO ESPAÇO

3.1. CULTURA MIDIÁTICA

Os terremotos que ocorreram em João Câmara na década de 1980 conseguiram destaque na imprensa local, nacional e internacional247. Esse destaque esteve diretamente associado à maneira como a mídia abordou a temática, enfatizando as consequências sociais desses eventos e as explicações científicas para que eles ocorressem. Essa repercussão era bem diferente, por exemplo, daquela obtida com os terremotos ocorridos no Rio Grande do Norte durante as décadas de 1940 e 1950, quando eram divulgados apenas pela imprensa local e, mesmo assim, com pouco destaque. O que levou os terremotos de 1986-1987 a terem tamanha repercussão?

Didaticamente, pode-se afirmar que dois fatores contribuíram para o destaque dado aos terremotos da década de 1980: a inovação na forma e no conteúdo transmitidos pelos periódicos e a popularização da televisão. No que se refere à inovação dos periódicos, é importante compreender a própria historicidade desse meio de comunicação. Os periódicos não são objetos estáticos, eles passam por transformações à medida em que os homens vão se relacionando entre si e com os meios técnicos que produzem o jornal. Tânia Regina de Luca adverte que o conteúdo dos jornais

246 Pesquisadores de diferentes lugares do Brasil e do mundo estiveram em João Câmara para estudar os

terremotos. Entre esses pesquisadores, pode-se citar Cinna Lomnitz (Chileno naturalizado mexicano), Jesus Berrocal (Perú), Konstantine Nomiko (Grécia).

247 Muitos jornais noticiaram os terremotos em João Câmara. Dentre os jornais norte-rio-grandense podemos

citar: Tribuna do Norte, Diário de Natal, O Poti, Dois Pontos, A República. Dentre os jornais nacionais temos: Folha de São Paulo, Folha da Tarde, Correios Brazilienses, O Globo etc.

[...] não podem ser dissociados das condições materiais e/ou técnicas que presidiram seu lançamento, dos objetivos propostos, do público a que se destinava e das relações estabelecidas com o mercado, uma vez que tais opções colaboram para compreender outras, como formato, tipo de papel, qualidade da impressão, padrão da capa/página inicial periodicidade perenidade, lugar ocupado pela publicidade, presença ou ausência de material iconográfico, sua natureza, formas de utilização e padrões estéticos248.

A reflexão de Tânia de Luca instiga uma série de possibilidades de análise para os periódicos. A partir dessa reflexão, é possível, inclusive, realizar um trabalho acerca da forma como a imprensa escrita tem abordado os terremotos. Entretanto, para os limites deste trabalho, optou-se por discutir, especificamente, a inovação trazida pelos periódicos da década de 1980. A demonstração dessa inovação será realizada a partir de uma comparação entre os periódicos da década de 1980 e os periódicos das décadas de 1940 e 1950. A opção por essas duas temporalidades está diretamente associada ao fato de que, nos dois períodos, ocorreram terremotos na cidade de João Câmara.

Nas décadas de 1940 e 1950, os jornais do Rio Grande do Norte tinham uma circulação pequena e suas notícias repercutiam apenas no próprio estado. No que se refere aos terremotos, esses jornais divulgavam timidamente a ocorrência desse fenômeno na cidade de João Câmara. Os principais jornais do estado apresentavam as notícias dos terremotos de João Câmara apenas como curiosidades, ainda sem explicações. Nessa época, os principais jornais eram A Ordem (pertencente à Igreja Católica) e o Diário de Natal (pertencente aos Diários Associados). Esses jornais noticiavam os terremotos nas colunas destinadas às notícias sobre o interior do estado, dificilmente entre as primeiras páginas e sem a publicação de fotografias. Os textos eram curtos e, na maioria das vezes, apresentavam apenas o relato de testemunhas que vivenciaram o evento. Geralmente, o Diário de Natal associava os terremotos a outros problemas da cidade, como a seca, a pobreza, a falta de luz e de água. O periódico não enfatizava os estragos nos imóveis causados pelos terremotos ou o pânico gerado na população.

Os jornais na década de 1980 eram em maior número, possuíam maior tiragem e apresentavam formatos e conteúdos diferentes daqueles apresentados nas décadas de 1940 e 1950. Cinco jornais se destacam entre os jornais publicados no Rio Grande do Norte durante a década de 1980: Diário de Natal e O Poti (ambos pertencentes aos Diários Associados), Tribuna do Norte (pertencente a Aluísio Alves), Dois Pontos (pertencente a um grupo de

248 Tânia Regina de, LUCA. Leituras, Projetos e (Re) vista (s) do Brasil (1916-1944). São Paulo: Ed. Unesp,

jornalistas liderados por Marco Aurélio Sá) e A República (pertencente ao governo do estado). Esses jornais, em geral, incorporaram as inovações do jornalismo e, por isso, noticiavam os terremotos ocorridos em João Câmara utilizando fartamente as imagens para fundamentar suas reportagens. Além disso, as notícias sobre os terremotos ganhavam destaque na formatação do jornal (desde as primeiras páginas, eram noticiadas informações sobre o fenômeno), nos artigos de opinião (que apresentavam análises consistentes sobre o que estava acontecendo) e na mobilização de cientistas (os argumentos de cientistas eram apresentados para fundamentar as reportagens e os artigos de opinião).

No que se refere ao segundo fator que favoreceu a difusão de notícias sobre os terremotos, pode-se afirmar que a popularização da televisão foi um elemento preponderante. Esse canal de comunicação foi essencial para que uma parcela significativa da população brasileira tivesse noção dos acontecimentos que ocorriam na pequena cidade de João Câmara. Na década de 1980 a televisão era um dos principais meios de comunicação do Brasil. Para se ter uma dimensão do poder da televisão, pode-se afirmar que no início da década de 1990, esse meio de comunicação possuía audiência estimada em 98,7 milhões de telespectadores, atingindo assim 71% dos domicílios brasileiros e emitindo sinais para 99% do território brasileiro. Esses números tornaram o Brasil no quarto país em número de aparelhos televisivos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Japão e Reino Unido249.

Após o grande terremoto de 30 novembro de 1986, esses fenômenos passaram a ser transmitidos em rede nacional, principalmente, pela principal emissora do período: a Rede Globo. As reportagens dessa emissora sobre os terremotos tinham um padrão de divulgação em rede nacional. Elas eram transmitidas pelo principal telejornal da emissora, o Jornal Nacional, que destacava alguns elementos técnicos que evidenciavam a importância do fenômeno, tais como: magnitude e quantidade (três mil) dos sismos ocorridos entre agosto e dezembro de 1986, número de feridos e desabrigados, número de imóveis danificados, abrangência do sismo (destacando que o tremor foi sentido em Natal, como também em Paraíba e Pernambuco). Além disso, a emissora ainda apresentava explicações cientificas comparando o terremoto de João Câmara com outros terremotos ocorridos no mundo, como

249 ESTHER, Hamburger. Diluindo Fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano. In: SCHWARCZ, Lilia

Moritz (org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 445-448.

forma de induzir o telespectador a compreender que não haveria a possibilidade de um terremoto catastrófico como os que ocorreram no México ou em El Salvador250.

O fato de a televisão apresentar terremotos ocorridos em diferentes lugares do mundo fez com que a população brasileira tivesse conhecimento de como esses eventos aconteciam em outros lugares. Nesse sentido, pode-se citar que quando ocorreu o grande terremoto de 30 de novembro de 1986, existiu uma associação direta com terremotos semelhantes que haviam ocorrido em 1985 no México. Segundo o geofísico Mario Takeya, “na época dos acontecimentos em João Câmara, o terremoto do México foi muito lembrado por várias autoridades e pessoas mais instruídas [...]”251. Isso significa que a televisão havia massificado informações sobre os terremotos e que João Câmara ganhava destaque exatamente pela existência desse fenômeno.

Postas essas considerações, é importante destacar que o lugar vai cedendo espaço às informações globalizantes fazendo com que a “humanidade em alguns aspectos se torna um ‘nós’, enfrentando problemas e oportunidades onde não há ‘outro’” 252. As notícias apresentadas pelos jornais e pela televisão transmitem informações não apenas sobre os lugares em que esses meios de comunicação estão situados. Os jornais e a televisão trazem para a população notícias de lugares longínquos, afastados da redação dos jornais e dos estúdios. É essa nova característica dos meios de comunicação que explica a repercussão dada aos terremotos de João Câmara na década de 1980.

Portanto, esses fatores contribuíram para a mudança da mentalidade sobre o espaço da cidade de João Câmara. Até a década de 1980 o espaço da cidade era caracterizado por três grandes elementos que tentavam explicar as causas desses fenômenos: saberes populares, saberes míticos e saberes religiosos. São esses elementos que passaremos a investigar agora.