• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 MUDANÇAS NO ESPAÇO DA CIDADE

2.4. UMA NOVA MUDANÇA NA PAISAGEM DA CIDADE: A CIDADE

Desde que se iniciaram os terremotos em agosto de 1986 houve pouca participação do governo federal. A sua ausência resultou em várias críticas tecidas pela imprensa estadual. Em 10 de Dezembro, por exemplo, o Tribuna do Norte em tom humorístico comenta:

Sabe de uma coisa, meu irmão: acho o governo federal muito longe do problema. Longe demais. Imagine agora se esses estrondos ao invés de João Câmara, interior brabo do Rio Grande do Norte, fossem, por exemplo, mal querendo, no interior de São Paulo, ali pelas beiradas de Campinas. Ou em terras de Goiás, quintais de Brasília... O que aconteceria?220

No mesmo dia o jornal Diário de Natal publicou, na primeira página, outra crítica contra a falta de ação do governo federal: “Já nos contentaríamos com que o governo da União enviasse aos nossos irmãos de Baixa Verde a metade dos socorros que enviou aos nicaraguenses durante o terremoto de Manágua. Ou das vítimas do terremoto da cidade do México”221.

Assim, o governo federal não poderia ficar omisso por muito tempo. Após o sismo de 30 de novembro de 1986, a situação se agravou a tal ponto que o governo federal precisou tomar providências. Sendo assim, em 12 de dezembro de 1986, a cidade de João Câmara recebeu a visita do Presidente da República: José Sarney.

217 Ibid.

218 DIÁRIO DE NATAL, Natal, 17 jan. 1987. 219 Ibid., 20 jan. 1987.

220 TRIBUNA DO NORTE, Natal, 10 dez. 1986. 221 DIÁRIO DE NATAL, Natal, 10 dez. 1987.

Após o anúncio da vinda do presidente, muitos cidadãos se dirigiram à João Câmara para ver o presidente e reivindicar providências. Mas o que nos chama a atenção foi o tratamento dado ao espaço da cidade para essa visita. Notamos que os espaços são carregados de significados que lhes são atribuídos pelos sujeitos históricos. Eles também transmitem mensagens que podem ou não ser utilizadas pelos homens. Transformam-se em meios, muitas vezes eficazes, de comunicação. Essa utilização dos espaços para a transmissão de mensagens é evidenciada na preparação da cidade para a vinda do presidente. Segundo o Tribuna do Norte, o anúncio da visita presidencial alterou a atmosfera da cidade. Segundo o jornal,

Anteontem, quando a notícia foi confirmada, o lixo hospitalar que havia em volta do Circo da Cultura, armado na praça Monsenhor Vicente Freitas, foi removido, diminuindo substancialmente a grande quantidade de moscas que disputavam espaço com as pessoas.222

Mas nem todos concordavam com essa “limpeza” do espaço da cidade. O prefeito José Ribamar Leite, por exemplo, hesitava em mudar a paisagem rotineira da cidade “para não dar boa impressão ao presidente e deixar tudo como estava, para evitar interpretações errôneas da situação de calamidade vivida pela população nos últimos meses”223.

Ao chegar na cidade, o presidente se dirigiu com sua comitiva para a praça principal da cidade na qual já havia uma multidão a seu aguardo. Utilizando o alto falante da Igreja Matriz da cidade o presidente inicia o seu discurso:

[...] A palavra que ouvi dos cientistas é uma palavra de tranquilidade e não há possibilidade, nível científico, de que possam ocorrer danos maiores e catastróficos aqui na região. [...] O que nós temos que fazer é prevenir os danos que podem ocorrer em termos de futuro sobre a repetição de abalos sísmicos dessa intensidade e, da parte do governo federal, reparar os danos que foram causados. A história do gênero humano é uma história de coragem. Coragem que é do povo nordestino. Coragem que é nós todos que nascemos nessa região. Coragem da perseverança. Nós vamos reparar os danos que ocorreram em João Câmara e continuar todos nesta cidade224.

O discurso de Sarney apresenta alguns elementos importantes que precisam ser compreendidos. Primeiro, suas palavras têm como objetivo apaziguar os ânimos da população, garantindo assim seu retorno à cidade. Como veremos no próximo capítulo, esse

222 TRIBUNA DO NORTE, Natal, 13 dez. 1986. 223 Ibid.

224 VELOSO, Alberto. O Terremoto que mexeu com o Brasil: Como João Câmara, RN, mostrou que nosso País

discurso não é novo. Desde que os cientistas iniciaram suas pesquisas que a população ouvia palavras que tentavam tranquilizar seu stress causado pelos terremotos. Assim, as palavras de José Sarney dão um status ainda maior para as afirmações dos cientistas respaldando assim a suas afirmações.

Outra característica do discurso de Sarney é a utilização da ideia de que o nordestino é um povo de coragem e que, mesmo em meio as adversidades, continua esperançoso. Sarney reproduz a ideia do Nordeste como um espaço abitado por um povo de coragem, um povo de perseverança devido às catástrofes naturais como a seca, e agora, com os terremotos. É um espaço que, mesmo oferecendo riscos aos seus habitantes, esses permanecem firmes contra essas adversidades. Entretanto, esse discurso é historicamente datado.

Segundo o professor Durval Muniz em seu livro “Invenção do Nordeste” os estereótipos – região pobre, seca, tradicionalismo, etc. – não são marcas que a região carrega desde sempre, mas são historicamente datadas, são historicamente construídas, inventadas. Esses discursos criadores de uma identidade Nordestina iniciam na década de 1920 com um objetivo: direcionar recursos econômicos para a região. Nesse sentido, Durval Muniz mostra que a invenção do Nordeste inicia de uma “totalidade político-cultural como a reação à sensação de perda de espaços econômicos e políticos por parte dos produtores tradicionais de açúcar e algodão, dos comerciantes e intelectuais a eles ligados”225. Entretanto, para que os que materializaram esse discurso, era necessário a criação de uma série de práticas que legitimam seus ideais. Então, a partir da década de XX surge uma série de práticas que vão produzindo um conjunto de saberes que delimitam e arquitetam a identidade regional Nordestina buscando uma “origem” para a região.

Isso favorecerá a criação de uma identidade regional Nordestina tida como miserável, paralisada, que precisa da ajuda do governo para garantir “a perpetuação de privilégios e lugares sociais ameaçados”226, além de descrever uma tradição antagônica ao modernismo.

Portanto, o que encontramos no discurso do presidente é a reprodução de um espaço de identidade no qual situa o nordestino como sendo um povo que, mesmo em meio às dificuldades impostas pela natureza ou pela economia, é uma região onde se tem esperança e força para se viver.

225 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. 2. ed. Recife: Fundação

Joaquim Nabuco/Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2001. p. 80.

A visita presidencial à cidade foi interpretada por muitos como um sinal de esperança. O jornal Dois Pontos, por exemplo, publicou, no dia seguinte à visita presidencial, uma notícia intitulada “A visita da esperança” no qual afirma que a visita do presidente pode ser encarada como um sinal de que as coisas melhorariam para a população de João Câmara. Ele frisa que essa visita foi importante para o estado do Rio Grande do Norte pelo fato de que “além de mostrar interesse pelo Rio Grande do Norte, fica estabelecido o compromisso formal de atender às necessidades do nosso povo”. E mais, prossegue afirmando que

A presença de Sarney, ninguém se engane, patenteou de maneira inequívoca que o Governo Central, a partir de hoje, está responsabilizado direta e frontalmente [pelo] encaminhamento de soluções e atendimento ao povo de João Câmara, Poço Branco e cidades ameaçadas pelo enxame de sismos [...] O importante é o registro da viagem presidencial e a confiança de que, de forma imediata, está garantida a ajuda ao povo angustiado227.

Outro exemplo dessa interpretação encontra-se na coluna escrita por Agnelo Alves e publicada no Tribuna do Norte. Para Agnelo Alves, a visita de Sarney foi marcada por duas excepcionalidades que demonstram seu interesse para o povo nordestino. A primeira, segundo ele, é o fato do presidente ser um nordestino. Esse fato é destacado porque “[...] não fosse o presidente Sarney um nordestino certamente não teria vindo ao Rio Grande do Norte, mais precisamente à zona do horror, ver de perto a situação”228. A segunda diz respeito a situação de crise política manifestada por uma série de greves contrárias ao governo de Sarney. Assim, a conclusão a que Agnelo Alves chegou sobre a visita presidencial foi a de que o Rio Grande do Norte saiu da faixa da humilhação, já que “A Nova República devolveu a dignidade a todos. Restaurou a cidadania de cada um. O presidente Sarney veio conferir. O Rio Grande do Norte está mudando”229.

Esse tom esperançoso apresentado por Agnelo Alves não iria perdurar por muito tempo. Quase um mês após a visita e o pronunciamento do presidente iniciou-se, nas colunas dos jornais, críticas pela falta de apoio do governo federal. Em 6 de janeiro de 1987, por exemplo, o governador do Rio Grande do Norte, Radir Pereira, denunciará a falta de assistência por parte do governo federal. Segundo o governador

O estado do Rio Grande do Norte vem sendo discriminado pelo Governo Federal na liberação de recursos [...] Até ontem o Governo do Estado não havia recebido

227 DOIS PONTOS, Natal, 13 dez. 1986. 228 TRIBUNA DO NORTE, Natal, 13 dez. 1986. 229 Ibid., 13 dez. 1986.

nenhum centavo das autoridades federais para atender as necessidades daqueles municípios [afetados pelos terremotos]. Lembrou que quando o presidente José Sarney esteve no RN garantiu que o problema seria resolvido, pois João Câmara estava incluído entre as prioridades de seu governo230.

As primeiras ações do governo federal, no que diz respeito à reconstrução da cidade, iniciaram-se no dia 03 de fevereiro de 1987 quando foi liberada uma soma de 50 milhões de cruzeiros para a reconstrução dos prédios públicos e privados das cidades de João Câmara e Poço Branco. Após o anúncio da liberação dessa verba, foi constituída uma comissão formada por Maurício Vasconcelos, Secretário Geral do Ministério do Interior, General Tibério de Macêdo, comandante do 1º Grupamento de Engenharia e Construção em João Pessoa, Manoel de Brito, Secretário Estadual do Interior e Justiça, Maurício Viotti, vice-presidente da Caixa Econômica Federal, José Cavalcante de Lima, Chefe do DNOS do Rio Grande do Norte, Marcos Mendonça, Coordenador do Proene da Sudene, José Ribamar Leite, prefeito da cidade de João Câmara e João Cruz, prefeito de Poço Branco.231 Essa comissão tinha como função avaliar os estragos decorrentes dos terremotos e acompanhar as obras de reconstrução dessas cidades e a destinação das verbas.