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1 CULTURA: DO CONCEITO GERAL À CULTURA POPULAR

1.1 CULTURA POPULAR NORDESTINA

Sob esse prisma, o advento da indústria cultural contribui também para a consolidação e divulgação de outros constructos, a exemplo do que aconteceu com o processo de criação da Região Nordeste do Brasil, uma vez que a “invenção” do Nordeste e, conseqüentemente, do povo nordestino, do sertanejo, foi fruto de uma construção imaginária, como bem mostra Durval Muniz Albuquerque Júnior, em sua obra A invenção do Nordeste e

outras artes, onde deixa claro que essa região foi fruto de uma elaboração, de uma invenção,

como ele mesmo diz:

O Nordeste não é um fato inerte na natureza. Não está dado desde sempre. Os recortes geográficos, as regiões são fatos humanos, são pedaços de história, magma de enfrentamentos que se cristalizaram, são ilusórios ancoradouros da lava da luta social que um dia veio à tona e escorreu sobre este território. O Nordeste é uma espacialidade fundada historicamente, originada por uma tradição de pensamento, uma imagística e textos que lhe deram realidade e presença. (1999, p. 66).

Então, no caso do Nordeste, percebemos que essa realidade imaginada se cristalizou e passou a fazer parte da história cultural do nosso país, embora não se possa

interferir no processo político do país. Essa informação é baseada em Relatório do Centro Popular de Cultura. (apud BARCELOS, 1994, p. 449).

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esquecer que também teve influências dos mecanismos de interesses econômicos, políticos e/ou sociais.

Portanto, semelhante ao que aconteceu com o processo de criação da “nação brasileira”, a “região nordestina” também teve o seu processo de construção ligado, diretamente, às relações de poder e à sua espacialização, como explica Albuquerque Jr:

Ela [a Região Nordeste] remete a uma visão estratégica do espaço, ao seu esquadrinhamento, ao seu recorte e à sua análise, que produz saber. Ela é uma noção que nos envia a um espaço sob domínio, comandado. Ela remete, em última instância, a regio (rei). Ela nos põe diante de uma política de saber, de um recorte espacial das relações de poder. Pode-se dizer que ela é um ponto de concentração de relações que procuram traçar uma linha divisória entre elas e o vasto campo do diagrama de forças operantes num dado espaço. Historicamente, as regiões podem ser pensadas como a emergência de diferenças internas à nação, no tocante ao exercício do poder, como recortes espaciais que surgem dos enfrentamentos que se dão entre os diferentes grupos sociais, no interior da nação. A regionalização das relações de poder pode vir acompanhada de outros processos de regionalização, como o de produção, o das relações de trabalho e o das práticas culturais. (ALBUQUERQUE JR., 1999, p. 25-26).

Enfim, politicamente falando, a origem da idéia de Nordeste remonta à reação política à desestrutura das economias do algodão e da cana de açúcar, a uma estratégia para o enfrentamento dessa crise, portanto, se baseia numa reestruturação econômica. Surge daí, dessa instância política de conflitos, o discurso regionalista e nordestino, o qual se afirma e se define em contraposição ao “Outro”, o Sul cafeeiro privilegiado pelo governo. Porém, a identidade nordestina não se confirma, apenas, como ponto de diferenciação entre essas duas regiões, mas, ainda, como guardiã das tradições e das raízes culturais configuradas pela força imagética e telúrica carregada de sentimentalismo que vem sendo transmitida, simbolicamente, às gerações seguintes, o que faz lembrar Bourdieu (1977, p. 408) quando afirma que o poder simbólico, semelhante a qualquer poder, emerge e consegue impor significações, bem como legitimá-las. Nessa perspectiva, pode-se dizer que os bens simbólicos do Nordeste se afirmaram como instrumentos de integração social o que possibilitou a reprodução de uma ordem já estabelecida na dialética do seu discurso de construção.

Esse discurso reverberou e se confirmou como identidade cultural nordestina impulsionado pelas próprias circunstâncias históricas do país, e foi legitimado através de um resgate seletivo individualizante, que identificou esse espaço com base em uma variada produção cultural, criando, assim, códigos de compreensão simbólica. Adquire, assim, sem

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equívocos, um caráter regional, sendo o povo que habita o Nordeste percebido como “povo nordestino”, isto é, pertencente, categoricamente, a uma comunidade única, graças a sua força de representação que a constituiu como algo “naturalmente” ou “biologicamente” sólido, melhor dizendo, como uma verdade incontestável.

Bem providencial e peculiar foi o mapeamento, isto é, a demarcação feita, nesse processo de construção, organizado pelo sociólogo Gilberto Freire, na sua obra Casa Grande

e Senzala, de 1925, que, não só mapeou como, também, fixou a Região Nordeste do Brasil

como berço da nacionalidade brasileira. O fato é que justifica e define esse espaço territorial nordestino. Por esse prisma, podemos dizer que essa nordestinidade é uma marca de identidade de caráter regionalmente popular, de modo que essa região passou a ser um local culturalmente desenhado e definido, isto é, um espaço estruturado e projetado pela tradição com o qual a população se sente identificada, abraçando, por assim dizer, sua marca identitária. De acordo com os estudos de Albuquerque Júnior (1999), a invenção do Nordeste se deu, também, com base nas relações de poder e saber nesse projeto de construção. Aliás, o saber faz parte do conhecimento dessa realidade reconhecida e representada.

Assim, o Nordeste entrou para o cenário nacional estandartizado sob a égide, também, da cultura popular que muito contribui no processo de divulgação dessa imagem. Por outro lado, também contribuíram nossos escritores consagrados, principalmente, os autores de romances regionalistas como José Lins do Rêgo, Raquel de Queiroz, José Américo de Almeida e tantos outros que, em suas obras, abordaram uma temática especificamente dessa região. Eles demarcaram, defenderam o território nordestino como um lugar não somente regional, mas também de uma identidade fomentada pela idéia de nordestinidade.

Ao lado dessas formas literárias de representação cultural, por intermédio da linguagem escrita, surgem, como parte da linguagem oral, os poetas populares, representantes da Literatura Popular, melhor dizendo, da cultura popular, da tradição e dos costumes repassados a cada geração, que têm como exemplo as manifestações culturais oriundas do povo tais como as festas folclóricas, as danças, os provérbios ou ditos populares, a Literatura de Cordel, a Cantoria, a Embolada etc., exemplos de uma manifestação tradicional e popular.

Assim, depois de falar sobre cultura, de maneira geral, e da cultura tipicamente nordestina, cumpre ressaltar que esse passeio feito pela história regional do território do Nordeste, através de um discurso marcadamente regionalista, se deu para mostrar que a cultura popular, especificamente a nordestina, teve, também, o seu papel relevante na construção desse espaço imaginado e criado como um meio simbólico, cuja representatividade se deu através de tudo o que caracteriza a existência do povo dessa região

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(o seu modus vivendi), ou seja, suas histórias, suas vivências, seus costumes e, até, sua religiosidade, tudo isso configurado nas atividades artísticas tradicionalmente nordestinas como forma de legitimação e reconhecimento coletivo desse constructo imaginado, visto que a cultura popular nasce do povo e é manifestada dentro da comunidade.

Isso nos remete a Said (1995), quando diz que “toda cultura é fruto de um aprendizado popular”, que ela, resulta, portanto, de um aprendizado advindo de uma sabedoria do povo, como podemos ver nas produções artísticas e culturais do Nordeste.

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