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4. LONÃ DA ANCESTRALIDADE – “DO AFOXÉ AO AFOXÉ ”

4.2. ESTILO BADAUÊ – A (RE)INVENÇÃO DA TRADIÇÃO E A PERPETUAÇÃO

4.2.5. Fogo Cultural, Ensaios e Festivais

O Badauê fazia ensaios regulares, não apenas os abertos ao público, que aconteciam aos sábados, mas também, nas quartas-feiras a percussão e a dança se reuniam, certamente, era um momento de intensa experimentação dessas sonoridades e das coreografias. Rememora Bafafé:

Então criamos um afoxé, essa formação o afoxé vai ser assim, nós vamos construir isso, vai ter o ensaio da gente só na quarta-feira para ensaiar apenas músicas, da abertura, da dança e tem o ensaio do sábado, o que é aberto ao público. A gente chegou com uma proposta de ensinar a música da religião, ensinar o povo a cantar, porque, naquela época, quem cantava a música do candomblé era o pessoal e do candomblé, ou adepto ou simpatizante, os outros não conheciam, então a gente chegou com essa função de popularizar e hoje eu vejo que o quadro ali foi muito mais que um movimento, foi uma coisa pop cultural. Então, nós chegamos com essa proposta de, nas quartas-feiras ter ensaio, o Môa com aquela ideia de criar o Fogo Cultural, que era o que impulsionava a gente, que levava os ensaios a frente. Onde nós íamos, esse Fogo Cultural ia, com 50 pessoas ou mais. E as coisas foram dando certo porque as pessoas não viam o afoxé desta forma, viam o movimento daquela época mais para os afoxés tradicionais, como Gandhy. E a gente foi abrindo foi brincando, foi pesquisando, cantando, a gente ensinava as pessoas a cantar até, para no dia dos nossos ensaios a coisa ficar bonita. (BAFAFÉ J. , Entrevista, 2016)

O Fogo Cultural Badauê foi um grupo idealizado por Môa, com cerca de 50 integrantes que funcionavam como uma espécie de animadores do público. Rememora o dançarino Negrizu que se tornou-se um dos responsáveis por preparar este grupo:

os meninos [do Badauê] gostavam da minha forma de dançar e tal, e logo me chamaram pra liderar uma ala, um grupo, e esse grupo seria a efervescência, esse grupo viria a animar os nossos ensaios, a coisa começou a ficar mais... começou a pegar uma seriedade ainda maior e eles pediram pra deixar. Eu ia escolher quem participava, a gente fazia as rodas como se fazia nos terreiros

de candomblé, a gente fazia as rodas e botava um ali dentro e tal, eu terminei selecionando, mas o negócio ficou tão bacana que eles pediram vinte, quando eu me dei conta, quando nos demos conta, tinha cinquenta pessoas interessadas, então ia fazer vinte camisas diferentes pra gente, pra essas pessoas começarem a ter o orgulho. Na época foi uma coisa muito importante porque ainda havia toda uma, não era uma citação, mas o conformismo para a negritude no segundo plano. Então foi assim, o "Fogo Cultural Badauê" ficou alguns anos animando os ensaios e isso era em [19]79, e em [19]80, aconteceu em [19]80, o Badauê saiu, foi campeão, um dos prêmios, um fato assim bem, bem... né?

Negrizu observa que começou a sua trajetória na dança de maneira autodidata, na época em que a moda era usar calças de boca larga com cintura fina e camisa lastex, seguindo os passos de Michael Jackson, dos Jackson's 5 e de James Brown. Como trabalhava como polidor de moveis, ele brinca que polia as pistas com seu calçado cavalo de aço desenhando os passos do black, do soul e do funk. Sua dança era bastante elogiada por onde passava, inclusive nas quadras de ensaios de blocos de índio, como Apaches, Tupis e Chaienes. Foi em um ensaio deste último, segundo lembra Negrizu, que um amigo chamado Macarrão o convidou para ir no ensaio de um afoxé que estava tocando algo legal que ele precisava conhecer. E Negrizu teve um primeiro contato com o Badauê, numa quarta-feira, em um dos ensaios da percussão. Narra o dançarino:

O Badauê já começou uma coisa bacana, foi assim "ensaio da percussão", quando cheguei lá tinha os atabaques, agogôs, xequerês e o ijexá que me encantou me tomou enormemente, digamos assim [...] dançava um ijexá diferente deles, que eles dançavam um ijexá assim [mais contido]... Sempre fui mais alargado nesse negócio da expressão, e aí ele [Môa] disse "poxa, esse pretinho aí, esse neguinho aí dança barbaridade". [...] O ijexá foi assim o grande lance em minha vida mesmo, em especial, com o Badauê. [...]

Figura 9 - O Ijexá de Negrizu no concurso Moço Lindo Badauê (1982).

Falando do concurso Moço Lindo do Badauê, do qual Negrizu se tornou um dos mais lembrados, Mário Bafafé recorda:

[...] surgiu esse menino... Negrizu, que na época ele dançava, ele era dançarino, ele era brown, a época do brown né? Com a calça cá em cima (marca com o dedo na altura da barriga) chamava "venha!", ele dançava. Mas Negrizu já veio de lá da Curva, porque dançava pra caralho e Jorge "porra Mário, ó como esse cara dança, rapaz!", o nome dele era Brown, "como Brown dança, rapaz!", "Brown dança com... ó que expressão corporal esse cara tem bonita, rapaz!", não sei o quê! "Ah, vou fazer uma música pra esse cara, vou fazer uma música pra ele!", aí Jorge fez uma música, "essa música é dele!". A Dança Primitiva do Negro [...]

Na canção A dança revive, Jorjão Bafafé faz uma alusão à atualização que Negrizu faz em sua forma de dançar o ijexá e outros ritmos de matriz afro. Como revela o próprio dançarino, seu ijexá é mais dilatado, misturado a elementos da dança moderna. Em suas coreografias, embora utilize como referência o gestual dos orixás, não se atém às danças sagradas, mas à força que cada orixá traz. “Ogum que abre caminho, Exu que comunica, Oxum e Yemanjá que cuidam das águas, Iansã do vento, Xangô, fogo, enfim. Então, todas essas performances, né, esse gestual é extraído do Candomblé”. (AFOXÉS, entre o sagrado e o mundano - Documentário, 2009)

A dança revive no nosso afoxé Badauê...

Que o rei Negrizu mandou... Negrizu mandou O Congo mandou

Angola mandou Matamba mandou94

Figura 10 - Negrizu - Participação evento "Pra te Lembrar do Badauê" (2013).

Crédito: Léo Ornelas

Negrizu reconhece que o seu trabalho acabou por criar a necessidade de uma maior valorização para os homens bailarinos. Segundo o dançarino, o Badauê teria funcionado como um grande portal:

o Badauê me trouxe outras coisas importantes. Dancei no show "Cinema Transcendental" de Caetano Veloso e foi a primeira vez que eu entrei no Teatro Castro Alves, isso em 1979, já pra dançar no show do Caetano Veloso que, o pessoal me acha meio assim tal... mas essas coisas, essa simplicidade eu tenho, eu me sinto uma pessoa super tranquila, normal com relação a isso. É que quando me falam eu só tenho essas coisas pra falar, isso faz parte da minha carreira artística, a minha vida é assim, entendeu?

Tendo passado pelo Badauê, Negrizu seguiu no caminho da dança afro, tendo se tornado professor da Fundação Pierre Verger, onde atua há mais de 30 anos. Perto de completar 60 anos, Negrizu continua em plena forma, tendo sido considerado recentemente por integrantes do grupo de rock Cascadura, com o qual participou de um clipe, como “o homem que aprendeu a voar”. Além de Fundação Pierre Verger, Negrizu também dá aulas no Olodum, com o qual também desfila como destaque no carnaval, além de participando de diversos eventos que envolvem dança afro.

Figura 11 - Negrizu - "O homem que aprendeu a voar" - Destaque nos desfiles do

Bloco Afro Olodum.

Fonte: Arquivo pessoal de Negrizu.

Para escolhas da música que levaria para a rua representando o tema daquele, o Badauê, seguindo os exemplos dos blocos de índio e dos blocos afro, realizava festivais de música, que a cada ano se tornava mais concorrido. Esses Festivais foram responsáveis por revelar muitos talentos. Inclusive pessoas que não eram da área da música, arriscavam criando uma composição para o Badauê, como foi o caso do dançarino Negrizu, que se arriscou a compor uma música para o afoxé e participar de um dos festivais.

Figura 12 - Festival da Canção Badauê (1982) – Troféus e Participantes.