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Currículo como currere: o conceito de Pinar sobre Currículo

2 UMA CONVERSA SOBRE CURRÍCULO COM WILLIAM PINAR

2.2 Currículo como currere: o conceito de Pinar sobre Currículo

Do movimento de reconceitualização curricular, a partir do ponto de vista de William Pinar, vem a definição de currículo como currere não apenas como conceito, mas como prática metodológica. Porém, esse último aspecto utilizo como metodologia dessa investigação e, por conta disso, tratarei no capítulo específico à abordagem do método.

Pinar argumenta que o currículo deve possibilitar aos sujeitos revisitarem os conhecimentos construídos sobre sua história de forma crítica. E acredita que o currículo deve ser entendido numa forma verbal – currere – por enfatizar o currículo vivido e não apenas o planejado.

Sobre esse aspecto, Pinar (2016, p. 20) afirma:

O currículo concebido como verbo – currere – privilegia o conceito do indivíduo nos estudos de currículo. É um conceito complicado em si. Cada um de nós é diferente, o que significa que todos temos uma constituição diferente, uma carga genética específica e criações, famílias, cuidadores e companheiros diferentes e, de forma mais geral ainda, em termos de raça, classe e sexo, eles próprios conceitos de desindividuação infletidos pelo lugar, momento e circunstâncias. De outro lado, pensar num currículo a partir da perspectiva do currere – enquanto substantivo que privilegia o percurso demanda um olhar para esse objeto como sendo um caminho definido, planejado, objetivo que valoriza muito mais a estrutura a ser percorrida do que o sujeito que o percorrerá. Mas, o que Pinar defende é o currere – enquanto verbo, em que a pessoa do sujeito faz toda diferença nesse percurso que não deixa de ter importância, porém o sujeito é o protagonista.

Entendo que Pinar, em seus argumentos, não descarta a discussão do planejamento e do objetivo nos estudos sobre currículo, o que ele vem tratar é da necessidade de pensar currículo como projeto de formação do sujeito e para tal perspectiva a história de vida, os conhecimentos pré-existentes devem ser encarados com maior relevância no currículo a ser desenvolvido.

Ao destacar essa relação entre o percurso e a pessoa que percorrerá esse caminho, Silva (2014, p. 520) nos apresenta em seu texto uma ilustração que me ajuda a compreender as dissonâncias de tal relação, numa perspectiva cuja ênfase considerada é apenas o percurso:

Na perspectiva atual, utilizando a metáfora de currere, é como se colocássemos pessoas sedentárias e atletas de alto rendimento na mesma pista para correr uma prova de cem metros rasos e

transferíssemos nossa confiança de que o bom desempenho de ambos os grupos poderia ser justificado pela qualidade de planejamento e construção da pista na qual eles correrão.

Dito de outra forma, o currículo pensado apenas na perspectiva prescritiva e performática em que a principal discussão centra-se no planejamento, no objetivo e na avaliação, ignora as condições, as características próprias e o contexto sociocultural de cada sujeito.

É importante destacar os sujeitos que percorrem o caminho. O currículo entendido como currere, na perspectiva de Pinar, se desenvolve pela conversa complicada e ressalta a experiência dos sujeitos e sua condição de reconstruir sua própria experiência por intermédio da reflexão. Esse processo se dá de modo individual, pois cada um, embora inserido num contexto social e coletivo, vive sua experiência particular. O que está em ênfase é a individualidade do sujeito no caminho percorrido, mas é a conversa complicada que o levará a rever os conhecimentos que foram construídos nesse percurso.

E é nesse ponto, no qual o processo de experiência individual do sujeito ocupa um lugar privilegiado no currículo, que Pinar entende currere como conversa complicada, pois numa conversa entre pessoas as vozes expressam a experiência individual de cada um/uma propiciando um elo de identificação ou de afastamento entre os indivíduos. Essa relação, por vezes marcada por resistência em apreender o novo ou reaprender o que já se constituiu, demanda que o/a professor(a) desperte no/na aluno(a) o desejo e o ânimo por querer (re)viver o caminho percorrido.

Essa situação se torna mais confortável ao professor ou à professora quando os mesmos ao ensinarem um determinado conteúdo sob o qual se identificaram (um conteúdo que no processo de formação acadêmica transformou-se em experiência, pois a/o tocou), o fazem com entusiasmo e tentam despertar o interesse do/da aluno(a) para que o/a mesmo(a) possa também sentir-se interessado(a) e atraído(a) por querer estudar tal assunto. Nessa tentativa de encorajar o/a aluno(a), o/a professor(a) expressa primariamente sua singularidade, sua subjetividade, seu comprometimento e seu engajamento mediado pela oralidade e pela conversa.

Nessa relação de ensino e de aprendizagem, professor(a) e alunos(as) trocam, discutem ou negociam experiências e esse processo estimula a criatividade para se posicionarem, se exporem e exporem seus argumentos. No ato dessa relação, Pinar (2016) afirma que existe uma tensionalidade para o movimento de “estruturas

intelectuais, psicológicas e físicas como sendo alegóricas” (p. 24) e por isso que ele defende que o currículo currere, enquanto verbo, não é estático, pelo contrário: “enfatiza ação, processo e experiência, em contraste com o substantivo que pode transmitir a ideia de completude” (p. 20).

Desse modo, entender currículo como currere é pensar num percurso de ensino e de aprendizagem que dá ao indivíduo a possibilidade de estudar, de forma crítica e dialogada, sua própria experiência. É enfatizar o autoconhecimento e a autoreflexão. Para tanto, isso demanda a ação do ir e vir no tempo passado, presente e futuro. E, para o desenvolvimento desse percurso Pinar estabelece currere também como método autobiográfico que ocorre como forma de recordar e de reentrar no passado e para imaginar o futuro de modo reflexivo, assunto que tratarei com mais detalhe no capítulo seguinte.