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E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA EM RONDÔNIA

CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA

O estágio supervisionado é retratado por autores como Buriolla (2001) e Roesch (2015), como uma ati-vidade curricular teórico-prática de aprendizagem, que pode constituir-se em uma importante conexão do es-tudante com o mundo do trabalho e contribuir decisi-vamente para a preparação do aluno não apenas com

conhecimentos profissionais para serem usados no

mercado de trabalho, como é próprio do modo capita-lista de produção, mas para a ampla participação na sociedade em todas as suas dimensões.

Quando fazemos a interlocução deste componente curricular, com o direito a uma educação escolar

indí-gena específica e diferenciada, tendo como parâmetro

o curso técnico, objeto da pesquisa, as disposições da

Constituição Federal e da LDBEN, verificamos que tanto

a legislação nacional de estágio, quanto o PPC do curso e também o Regulamento de Estágio do IFRO não fazem qualquer menção ao tratamento a ser dispensado a es-tudantes indígenas que ingressem no Curso Técnico em Informática integrado ao Ensino Médio.

Nesse contexto, sendo o estágio uma atividade curricular teórico-prática de aprendizagem, se o Projeto Pedagógico, enquanto instrumento balizador, não traz qualquer menção à organização social, costumes, lín-guas, crenças e tradições dos povos indígenas no tocan-te a realização de atividades de estágio, tocan-teríamos tal res-peito vivenciado na perspectiva do componente prático? Compreendemos que não. Mesmo considerando a concepção de currículo expressa por Sacristán (2000), que vê este instrumento como processo, com interações diversas, incidindo sobre aspectos distintos, sendo que podemos ter a conceituação de um currículo prescri-to, de um currículo apresentado aos professores, de um moldado pelos professores, de um currículo em ação, do currículo realizado e do avaliado, nessa cadeia de

interações estabelecidas entre os agentes e os fatores de determinação curricular, a resposta há de ser negativa.

Embora o currículo deva ser compreendido como uma construção social, um projeto, uma prática plural desde seu fomento até sua incidência na sala de aula, sendo a cultura escolar muito mais abrangente do que conteúdos propostos em um papel, sendo então uma análise do que encontramos dentro do ambiente es-colar (SACRISTÁN, 2000), é evidente que num modelo formalista de educação, se a perspectiva do currículo prescrito não evidencia na perspectiva teórica o

res-peito à educação escolar indígena específica e diferen -ciada, sua incidência no ambiente prático e em todas as dimensões curriculares apresentadas por Sacristán (2000) resta prejudicada.

A partir de tais premissas, sendo o fazer pedagógico dos Institutos Federais de Educação voltado à superação da separação ciência/tecnologia e teoria/prática, na

pes-quisa como princípio educativo e científico, nas ações de

extensão como forma de diálogo permanente com a socie-dade, revelando sua decisão de romper com um formato consagrado, por séculos, de lidar com o conhecimento de forma fragmentada (PACHECO, 2015), por que não avan-çar na direção de assegurar expressamente no currículo prescrito o respeito aos direitos indígenas conforme asse-gura a Constituição Federal e a LDBEN?

Nessa perspectiva, compreendemos que, a partir de tal abordagem, será possível fomentar a incidência desse

tratamento específico e diferenciado nas outras dimen -sões curriculares apresentadas por Sacristán (2000), consagrando o respeito à Constituição Federal e imple-mentando no ambiente educacional uma concepção pe-dagógica que leve em consideração a multiculturalidade e a diversidade de povos que fazem parte da sociedade brasileira, especialmente quando tomamos como referên-cia um Instituto Federal que encontra-se situado num

Logo, como a Constituição Federal não trabalha com o viés assimilacionista em relação aos povos indí-genas, mas com a perspectiva da multiculturalidade, e que o sistema de ensino da União deve desenvolver programas integrados de ensino e pesquisa para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural, objetivan-do proporcionar aos indígenas a recuperação de suas

memórias históricas, a reafirmação de suas identida -des étnicas, a valorização de suas línguas e ciências, bem como o acesso às informações, conhecimentos

técnicos e científicos da sociedade nacional e demais

sociedades indígenas e não índias, conforme preconiza a LDBEN (BRASIL, 1996), resta evidente que é impor-tante explicitar no currículo da EPT essa perspectiva multicultural, especialmente no componente curricu-lar estágio, tendo em vista que tal componente dialoga intensamente com o mundo do trabalho.

Dessa forma, com tal inclusão curricular, consi-derando que o estágio foi criado objetivando um in-tercâmbio entre os estudantes e as empresas, criando a possibilidade de que possa haver o aperfeiçoamento

dos estudantes como futuros profissionais e tendo em

vista a aproximação entre o setor produtivo e a insti-tuição de ensino, com a adoção de conteúdo prático pelos currículos dos cursos, resultando em benefícios para os três atores envolvidos no processo: estudantes, instituições de ensino e o meio produtivo (ROESCH, 2015), a instituição de ensino colabora com uma for-mação integral, não somente de educandos indígenas, mas de todos aqueles que vivenciarem o processo de estágio em que se evidenciem os direitos indígenas sob a perspectiva multicultural.

Em suma, sendo o currículo uma práxis, uma construção social, não devendo ser analisado disso-ciado do contexto social em que é construído e con-siderando que a realidade no caso da práxis

e permitindo interações simbólicas das mais diversas matizes sociais daqueles que participam da efetividade da construção curricular (SACRISTÁN, 2000), é preci-so que a EPT compreenda a dimensão do currículo não apenas como grade curricular ou prescrição formal de conteúdos, mas como um espaço de poder no qual se reproduz a ideologia dominante, podendo, igualmente, vir a ser um espaço de construção, libertação e auto-nomia dos indivíduos participantes da relação de ensi-no-aprendizagem e formação.