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2 O ENSINO E O CURRÍCULO DOS CURSOS DE JORNALISMO

2.4 O currículo e a flexibilidade

Em 1980, no Brasil, o Conselho Federal de Educação, através da Portaria no 179, criou uma Comissão Especial com vistas a analisar o currículo do curso de comunicação social, composta por professores, jornalistas e outros profissionais da comunicação. Em 1984, como resultado, foi apresentado o quinto currículo mínimo do curso de Comunicação Social com habilitações em jornalismo, relações públicas, publicidade e propaganda, produção editorial, radialismo e cinema, assegurado pela Resolução no 02, de 24 de janeiro de 1984 do Ministério da Educação. Disciplinas obrigatórias e optativas compunham a base do tal currículo, que proporcionava “margens a uma diversificação do conteúdo programático a ser desenvolvido” (MOURA, 2002, p. 14). O currículo mínimo permite a inclusão de disciplinas de acordo com a orientação das Instituições de Ensino Superior - IES. A Lei de Diretrizes

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Básicas da Educação Nacional (LDB) modificou o sistema de ensino no Brasil, e essas diretrizes são usadas como parâmetros para os cursos de ensino superior. (MOURA, 2002, p. 15).

O quinto currículo mínimo de comunicação social com habilitação em jornalismo indicava uma duração de quatro a sete anos, com uma carga horária mínima de 2.700 horas/aula, sendo que 45% são matérias ou disciplinas do Tronco Comum, 45% para as matérias ou disciplinas da Parte Específica e os 10% restantes para Projetos Experimentais, distribuídos em seis disciplinas obrigatórias (“Filosofia”, “Sociologia”, “Língua Portuguesa – Redação e Expressão oral”, “Realidade Socioeconômica e Política Brasileira”, “Teoria da Comunicação”, “Comunicação Comparada”) e mais uma lista contendo 21 disciplinas eletivas indicadas, em que se deve retirar três disciplinas da lista de 21 mencionada. A lista de disciplinas obrigatórias da Parte Específica contempla nove disciplinas, sendo que podemos incluir apenas “Planejamento Gráfico em Jornalismo” como a única que contém conhecimentos relacionados à comunicação visual.

A elaboração do quinto currículo usou como parâmetros as seguintes diretrizes:

incorporar as três áreas do conhecimento necessárias à formação: ciências sociais, ciências da comunicação e da linguagem e filosofia e arte; respeitar o princípio da flexibilidade do ensino; ampliar, fortalecer e especificar as matérias técnico-laboratoriais, com objetivo de reforçar as atividades de caráter prático, entendendo como tal não a prática meramente imitativa, mas a prática acompanhada da reflexão crítica sobre seu significado; recomendar aos cursos que organizem as atividades em torno de projetos, a fim de permitir a interação curricular horizontal e vertical e de se evitar a fragmentação do ensino; recomendar o rompimento da tendência à divisão rígida entre matérias teóricas e práticas (MOURA, 2002, p. 245).

A questão sobre princípio da flexibilidade, mencionado por Moura (2002), é fundamental para o currículo do curso. Presente na nova Lei de Diretrizes Básicas (LDB), a flexibilidade é uma característica que foi incluída para que o currículo não venha a ser simplesmente uma lista de conteúdos obrigatórios e para garantir a

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autonomia das IES e a qualidade do currículo em longos períodos sensíveis a transformações. A flexibilidade pode ser entendida como um avanço mas também pode ser confundida como abuso do direito de interpretar ou ser usada em benefício próprio por terceiros, no sentido de não precisar prestar contas a ninguém, e de permitir mudanças baseadas em interesses de outrem que não seja da universidade, dos estudantes ou da sociedade. (DEMO, 1997, p. 26).

Todo curso de jornalismo está inserido em uma realidade muito particular, dentro de uma IES, que por sua vez está presente em uma determinada área de uma cidade, que faz parte de uma unidade federativa de uma determinada região de países como Espanha e Brasil. O Brasil é um país com dimensões continentais (sua área abrange mais de 8 milhões de km2), sendo o quinto maior país do mundo, com claras diferenças regionais. A Espanha, por sua vez, possui uma área bem menor (cerca de 504 mil km2), no entanto, uma história de existência maior, um idioma oficial (castelhano ou espanhol) e cinco co-oficiais (catalão, galego, valenciano, basco e aranês) além de outros aspectos que evidenciam as diferenças políticas e socioculturais.

O currículo de cada curso precisa considerar todas essas e outras questões para que se saiba que tipo de profissional se quer formar, onde e como ele irá trabalhar, que conhecimentos ele irá precisar, quais disciplinas são mais importantes, quais podem ser descartadas e como cada uma delas será apresentada. Os planos de ensino de cada disciplina podem e devem partir de uma base mínima, mas precisam ter autonomia para que sejam elaborados considerando as particularidades da região, da IES e do curso.

Outro fator importante no ensino de jornalismo e que deve ser levado em consideração são as transformações sócio-tecnológicas. Pousa (2000) fala sobre um novo paradigma do ensino de jornalismo na região da Galícia, na Espanha, mas que se aplica aos demais países:

Um novo enfoque que dote ao futuro profissional da comunicação uma formação flexível e aceita por um mercado de trabalho em constante mudança, com tendência a ser cada vez mais dinâmico, em função dos avanços tecnológicos, da competência entre

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suportes e no surgimento de novas mídias (POUSA (2000, p. 155, tradução do autor) 14.

As mudanças tecnológicas às quais se refere Pousa (2000) influenciam não só o modo de se fazer jornalismo como, consequentemente, o que é ensinado. A convergência de tecnologias é um dos fatores que influenciam na modificação do panorama atual do jornalismo e um fenômeno que contribuiu, juntamente com a reestruturação do sistema capitalista, o aumento das redes sociais e a globalização, para o surgimento da chamada convergência jornalística15. Iniciado em meados da década de 1980, este fenômeno evidenciou-se com o advento da internet e a sua consolidação na prática jornalística diária no século XXI. Não há um consenso geral sobre os estudiosos do tema, acerca de um conceito definitivo, como afirma Machado (2005), já que os autores acabam por optar por diferentes abordagens, que definem a convergência como a) confluência de tecnologias; b) fenômeno de alta complexidade envolvendo diferentes esferas da sociedade; e c) “processo sujeito a gradações” (MACHADO, 2005, p. 14).

As transformações ocorridas por conta desse fenômeno influenciam, segundo Machado (2005), o ensino de jornalismo, seja nas relações entre os atores envolvidos, no ensino e na pesquisa de jornalismo, no conteúdo e nas estruturas de departamentos e instituições. É evidente que não se pode ignorar tamanhas alterações na vida e no trabalho dos atores envolvidos seja com a prática ou o ensino de jornalismo durante a confecção de planos de ensino, currículos e até mesmo projetos pedagógicos16 de cursos de jornalismo.

Passemos, a seguir, a conhecer o currículo dos cursos de jornalismo escolhidos para esta pesquisa.

14 “Un novo enfoque que dote ao futuro profesional da comunicación dunha formación flexíbel e axeitada para un mercado de traballo en constante mudanza, con tendencia a ser cada vez máis dinámico, en función dos avances tecnolóxicos, da competencia entre soportes e no xurdimento de novos medios”. 15 “Produção integrada e contínua de informações por uma mesma ou por distintas equipes para múltiplas plataformas e com formatos e linguagens próprios de cada um, em uma organização composta por meios anteriormente atuando com processos de produção autônomos” (MACHADO, 2010, p. 13). 16 Este assunto será visto com mais atenção na Seção 5.

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