• Nenhum resultado encontrado

CURRÍCULO, TEORIAS E CONCEPÇÕES

No documento Download/Open (páginas 132-158)

CAPÍTULO III – CURRÍCULO, PODER E RESISTÊNCIA

3.1 CURRÍCULO, TEORIAS E CONCEPÇÕES

Analiso, nesta tese, a BNCC-EM, no contexto reformista da década de 2010, em especial da Reforma (2017) empreendida na administração federal de Michel Temer, e suas repercussões no campo educacional. O governo se estabeleceu no Brasil por uma ruptura política que resultou no impeachment da presidente da república, Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016. Objeto e contexto são igualmente relevantes para esta análise.

A primeira pergunta que me fiz ao escolher este objeto de pesquisa foi se a BNCC não seria (ou se transformaria em) um “currículo nacional”, tal como implantado em alguns países, inclusive os que influenciaram o Brasil nesse processo, como Austrália (2009), EUA (2010) e Canadá (2013). Experiências internacionais podem ser consideradas para a formulação das políticas públicas brasileiras, nos diversos setores, todavia cada país se constitui historicamente pelo trabalho do seu povo, a sua cultura, seus costumes, que envolvem também características políticas e geográficas; enfim, seus objetivos como nação. Há poucos estudos comparativos entre os “currículos nacionais” desenvolvidos nos países.

Moder (2014) analisou modelos curriculares de cinco países: Coreia do Sul, Austrália, Chile, Colômbia e África do Sul. A seleção, segundo o autor,

considerou os resultados dos estudantes em avaliações internacionais, como o PISA, e uma “aproximação com a realidade brasileira” (MODER, 2014, p. 10). Ele destacou três pontos:

A existência de consensos fortes em torno das políticas educacionais; [...] a ideia do consenso amplo e da autonomia, com o objetivo de resguardar o currículo das mudanças de governo; [...] as reformas curriculares com estratégias de capacitação de seus docentes. (MODER, 2014, p. 69-70)

Mas os “consensos fortes e amplos” não se constituíram sem resistência. A amplitude também é relativizada, visto que, segundo o próprio autor, “a discussão curricular não chama a atenção da opinião pública dos países observados. Esse debate é restrito aos ambientes acadêmicos e agremiações que reúnem os profissionais de interesse” (id., p. 70).

Destaco dois aspectos comuns aos projetos curriculares dos países mencionados no estudo: a ênfase nas competências e o apogeu da avaliação. “Não é por acaso que, praticamente nos cinco países analisados, as reformas curriculares foram realizadas paralelamente à instauração de modelos nacionais de avaliação da aprendizagem” (id., p. 68).

Freitas (2015) analisou esses aspectos da pesquisa de Moder (2014) e nos alertou, no ano da publicação da primeira versão da BNCC brasileira, para o que “estava em jogo”:

1) a natureza da base nacional comum e sua elaboração, para que no momento seguinte 2) seja controlada por avaliação padronizada censitária, administrada “independentemente” ou por organizações não governamentais, ou ainda, em articulação com elas. O que está por trás de tudo isso é MERCADO, guiado pela ideia da privatização da educação. Com uma base nacional comum obrigatória em nível nacional, está criada a base mercadológica para a atuação de consultorias, empresas de avaliação, assessoria (em ligação com as ADEs da Pátria Educadora) e produtoras de material didático e midiático em grande escala nacional. O que está havendo neste momento é um posicionamento de mercado. (FREITAS, 2015)

No caso do Brasil, considerando os interesses mercadológicos, o meu questionamento inicial não focalizou a pertinência ou não de se implantar um

currículo nacional no Brasil, mas na forma (ou falta) de participação dos diversos sujeitos e grupos sociais na elaboração de um documento tão abrangente e, conforme disposição legal, importante para a educação brasileira.

Saviani (2016) contextualiza que as primeiras discussões sobre uma base nacional comum no Brasil ocorreram há aproximadamente quatro décadas e refletiam preocupações de estudiosos do tema sobre a formação de professores.

A noção de uma base comum nacional emergiu como uma ideia- força do movimento pela reformulação dos cursos de formação de educadores. Esse movimento começou a se articular no final dos anos de 1970, materializando-se na I Conferência Brasileira de Educação realizada em São Paulo nos dias 31 de março, 1º e 2 de abril de 1980, ocasião em que foi criado o “Comitê Pró Participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura” que se transformou, em 1983, na Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores” (CONARCFE). Esta, por sua vez, deu origem, em 1990, à atual ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação). (SAVIANI, 2016, p. 73-74)

Para Cury (2014), a partir da Constituição de 1988, com a centralidade da educação, o tema do currículo nacional tornou-se ainda mais relevante no Brasil.

E, dadas as possibilidades da educação escolar com jornada integral, torna-se mais importante ainda não ignorar que esse assunto é sempre polêmico, seja pelo seu caráter componente de uma política nacional e federativa, seja pela importância do currículo no exercício do ato pedagógico no interior da “estrutura e funcionamento” da educação escolar brasileira. (CURY, 2014. p. 51)

Apple (2002) analisou o tema nos EUA, país que influenciou a criação da BNCC no Brasil, e as suas reflexões reforçaram a minha arguição inicial nesta pesquisa: “faz sentido um currículo nacional?”. O autor denomina o currículo estadunidense como “política do conhecimento oficial” e concentra as críticas à condução e ao formato dos debates sobre o tema naquele país, argumentando que

por trás das justificativas educacionais para um currículo e um sistema de avaliação nacionais, está uma perigosa investida ideológica. Seus efeitos serão verdadeiramente perniciosos àqueles que já têm tudo a perder nesta sociedade. (APPLE, 2002, p. 74)

Um currículo nacional, nesse formato, reproduz os interesses de alguns decidindo por todos, decisões autoritárias que mantêm poder concentrado nas mãos daqueles grupos que, cientes disso, receiam a participação coletiva, com vistas a apaziguar as possíveis resistências.

Com a relação direta estabelecida entre “currículo”, “ideologia” e “efeitos sociais perniciosos”, Apple (2002) põe em relevo o contexto das intrínsecas relações de poder que circundam e transpassam o currículo. Esse documento é capaz de direcionar os rumos da escola, principal instituição formal da educação, que, por sua vez, ocupa um campo estratégico para qualquer sociedade, seja para promoção de desenvolvimento econômico ou para emancipação social, demarcando os polos das possibilidades de interesse.

Dadas as forças contraditórias e desiguais, proponho uma imagem interpretativa das ações que circundam a elaboração de um currículo como um cabo de guerra de várias pontas de cordas interligadas por diversos nós. Concernente a essa intepretação simbólica, observam-se no currículo “esforços tanto por consolidar as situações de opressão e discriminação a que certos grupos sociais têm sido submetidos, tanto por questionar os arranjos sociais em que essas situações se sustentam” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 7).

Paraskeva (2011) eleva a analogia e teoriza que

enquanto tentativa de concretização de um determinado quadro de representações semióticas, as políticas curriculares impõem-se como um documento que permite uma viagem, que pela sua própria natureza, traduz um exercício de resistência, de procura conquistando-se surpresas, inquietações, deslumbramentos, comparações, criticas e enriquecimento (Abreu, 1999), mas também decepções, frustrações, avanços e recuos. (PARASKEVA, 2011, p. 82)

A elaboração de um currículo nacional pressupõe, portanto, disponibilização de espaços e tempo para um amplo e participativo debate, antes, durante e depois de as definições serem oficializadas no ordenamento jurídico. Cabe ao Poder Público, na perspectiva de uma política de Estado, coordenar os debates, fomentar a participação de sujeitos dos diversos setores da sociedade, contudo não direcionar ou delimitar as reflexões e ações, tampouco o documento escrito.

Essa premissa democrática, nas relações entre governo e sociedade civil, estava presente nos discursos das entidades cientificas desde o nascedouro, no final dos anos de 1970, como Saviani (2016) explicita:

Nos eventos realizados pelo referido movimento do campo educacional a ideia da “base comum nacional” foi sendo explicitada mais pela negação do que pela afirmação. Assim, foi se fixando o entendimento segundo o qual a referida ideia não coincide com a parte comum do currículo, nem com o currículo mínimo sendo, antes, um princípio a inspirar e orientar a organização dos cursos de formação de educadores em todo o país. Como tal, seu conteúdo não poderia ser fixado por um órgão de governo, por um intelectual de destaque e nem mesmo por uma assembleia de educadores, mas deveria fluir das análises, dos debates e das experiências encetadas possibilitando, no médio prazo, chegar a um consenso em torno dos aspectos fundamentais que devem basear a formação dos profissionais da educação. (SAVIANI, 2016, p. 74)

Nessa perspectiva, currículo não é documento acabado, mas movimento contraditório, discursivo e de ação sociopolítica. “Em síntese, pode-se considerar que currículo em ato de uma escola não é outra coisa senão essa própria escola em pleno funcionamento” (id., p. 2). É na escola que os sujeitos produzem sentido para esse documento discursivo-normativo.

O currículo é o trabalho da escola, um trabalho pedagógico. E o trabalho é a adequação, por meios pertinentes, aos fins projetados e definidos, em nosso caso, pelo ordenamento jurídico. Logo, esse trabalho pedagógico só tem sentido se atender a tais fins estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito. (CURY, 2014, p. 51)

Cury demostra a importância política e jurídica do currículo. Outra indicação da posição de centralidade desse tema no mundo contemporâneo está na constituição de um campo específico para estudos curriculares (ou subcampo, entendendo a educação como área maior) nas diversas interfaces com objetos próximos, como avaliação e livro didático, mas também áreas distintas do saber, como economia, política, sociologia, saúde, psicologia e administração.

Young (2014) analisou o lugar da teoria do currículo no campo de estudo “Educação” e situou as reflexões entre o geral e o específico, ao defender que não se pode

desconsiderar duas questões relacionadas e cruciais. A primeira é que a educação é uma atividade prática, como saúde, transporte ou comunicações. Não é como física, filosofia ou história – campos de investigação que buscam a verdade sobre nós e sobre o mundo e o universo que habitamos. A educação trata de fazer coisas com e para os outros [...] A segunda questão é que a educação é uma atividade especializada [...]. Assim, embora permaneça uma atividade prática, a educação se tornou cada vez mais especializada. Os currículos são a forma desse conhecimento educacional especializado e costumam definir o tipo de educação recebida pelas pessoas. (YOUNG, 2014, p. 196-197)

Admitem-se outras interfaces aparentemente inusitadas, quando Educação e currículo são abordados de forma ampla: engenharia (estruturação dos espaços escolares), nutrição (programas de alimentação escolar) e designer (sinergia entre cores e artefatos usados pela comunidade escolar).

De forma genérica e abrangente, todos que se envolveram (e se envolvem) com a educação formal, estiveram e estão imersos, em alguma medida, em decisões curriculares, antes mesmo de a palavra se estabelecer nos léxicos dos países. Mas, educação, escola e currículo escolar possuem especificidades que serão abordadas mais adiante.

Quanto à abrangência do campo do currículo, subscrevo a delimitação feita por Santos e Oliveira de que:

envolve tanto atividades de caráter político-pedagógico, voltadas para a definição de propostas para os sistemas de ensino ou para as escolas, quanto estudos e análises, cujo objetivo é a construção de teorias e princípios sobre o desenvolvimento curricular e sobre diferentes dimensões e perspectivas dessa atividade [...]. (SANTOS; OLIVEIRA, 1998, p. 25-26).

Os primeiros estudos sobre currículo ocorreram “nos Estados Unidos da América (EUA) e remontam as primeiras décadas do século XX, quando a sociedade americana passa por grandes transformações” (SANTOS; OLIVEIRA, 1998, p. 9), mais especificamente na década de 1920. Era um período histórico de intensa industrialização e escolarização massificada, caracterizada pela racionalização do processo de construção, desenvolvimento e de testagem dos currículos, sob a tutela majoritária de profissionais de administração da educação (HORNBURG; SILVA, 2007).

Uma herança desse primórdio industrializante se expressa em palavras como “construção”, “produção” e “edificação” no campo educacional; também a estrutura em “matérias” e a organização em tempos fragmentados e definidos de aula. Mais adiante, foram incorporadas outras palavras de teor administrativo e econômico, a exemplo de “competências”, “habilidades” e “desempenho”, que se mantiveram nos documentos curriculares brasileiros, notadamente após as reformas educacionais na década de 1990, reproduzindo-se nos textos preliminares e na versão final da BNCC (2018).

Cury, Reis e Zanardi (2018, p. 8) demarcam a década de 2010 com avanços nos estudos curriculares no Brasil. Concorrem para isso, “a criação da Associação Brasileira de Currículo (ABdC), em 2012, com ela houve também o incremento na produção e difusão acadêmica sobre currículo”. Os autores destacam algumas revistas especializadas: Teias (UERJ), e- Curriculum (PUC-SP), Currículo sem fronteiras (lusófona sediada no RS).

Young (2014, p. 192) afirmou estar convencido de não haver “questão educacional mais crucial hoje em dia do que o currículo”. Para colocar o problema mais diretamente, continua o autor, “precisamos responder à pergunta: o que todos os alunos deveriam saber ao deixar a escola”? (id., ibid.). A seleção de conhecimentos ou conteúdos para inserção/exclusão

no(do) currículo talvez seja o aspecto mais controverso de qualquer discussão sobre o tema.

As “matérias”, como unidades estruturais do currículo, ultrapassaram os momentos históricos em vários países e se mantêm até hoje, a despeito das diversas e contundentes críticas, resguardando-se poucas iniciativas isoladas em escolas com currículos “não disciplinares”. A existência dessa “matéria-prima” do currículo organizado em disciplinas delineou boa parte das discussões que se fez, desde o nascedouro da escolarização em grande escala, em torno da trilogia “pedagogia”, “currículo” e “avaliação” (GOODSON, 1995). O autor assevera, nessa linha, que emersão do sistema de sala de aula e da matéria escolar ocorreu no momento em que a educação de massa tornou-se “sistema subsidiado pelo Estado. E apesar das muitas formas alternativas de conceitualização e organização do currículo, a convenção da matéria escolar deteve a supremacia” (id., p. 35).

Modelos educacionais e econômicos se misturavam no início do século XX, o que, em grande medida, pode ser verificado até os dias atuais. Silva (2003) identifica esse amálgama na síntese de duas propostas empreendidas nessas duas áreas sociais dos estudos curriculares:

O sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. O modelo que Bobbit propunha era baseado na teoria de administração econômica de Taylor e tinha como palavra-chave a “eficiência”. O sistema educacional deveria ser tão eficiente quanto qualquer outra empresa econômica. Bobbit queria transferir para a escola o modelo de organização proposto por Frederic Taylor. (SILVA, 2003, p 23)

O currículo era menos pedagógico e mais administrativo, sendo parte intrínseca da burocracia escolar. As análises do currículo como objeto de estudo científico, realizadas nesse primeiro momento, compuseram o que se denominam “teorias tradicionais” e passaram para a história como subsídios teóricos às “escolas tradicionais”. Atribuem-se a essa nomenclatura um conjunto de teorias que supõem uma escolha objetiva de conhecimentos

considerados relevantes para serem transmitidos às próximas gerações, garantindo, assim, a continuidade progressiva da sociedade, por um acúmulo linear e ascendente de saberes cientificamente instituídos.

Santos e Oliveira explicitam que

as abordagens clássicas de Currículo têm como pressupostos, entre outras, as idéias de que: existe um conhecimento universalmente válido; o conhecimento científico contribui necessariamente para a melhoria da sociedade em geral; a Educação deve contribuir para a formação de valores universalmente desejáveis; além do conteúdo, as propostas curriculares devem incluir a definição de objetivos, de atividades para o alcance desses objetivos e de mecanismos de avaliação, assim como a busca de coerência mútua entre esses elementos; os objetivos devem ser exaustivos e o processo de avaliação, o mais objetivo possível. (SANTOS; OLIVEIRA, 1988. p. 9)

A verificação objetiva dessa progressividade – do indivíduo e da sociedade – deveria, por essa ótica, ser passível de avaliação matematizada, portanto, mensurável, para ser científica. A cientificidade mensurável sustenta a avaliação de desempenho do aluno, com atribuição de resultado numérico. A avaliação tradicional de desempenho é majoritária no campo educacional atual, excetuando-se a educação infantil no Brasil, cuja legislação impede essa mensuração de nota (art. 31; I; LDB/1996).

Na perspectiva tradicional, o currículo assume caráter prescritivo, desenvolvendo-se “com base na ideia de que podemos definir desapaixonadamente os principais ingredientes do curso de estudos e, em seguida, continuar com o ensino dos diversos segmentos e sequências, numa visão sistemática” (GOODSON, 1995, p. 67).

Essa postura de confiança extrema na capacidade humana de escolha objetiva, imparcial e até neutra, pode ser avaliada como reducionista e simplista (apesar da intencionalidade explícita), sob o prisma das vertentes teóricas críticas. Apple (2006, p. 42) observa que essa defesa deveria “ter menos peso”, visto que “ignora o fato de que o conhecimento agora presente nas escolas já é uma escolha feita a partir de um universo muito maior de conhecimento e princípios sociais disponíveis” (id., ibid.).

A aparente seleção objetiva de conhecimentos para o currículo, sob o viés tradicionalista, escamoteia um desígnio político de intenções conscientes e planejadas, igualmente conservadoras e reacionárias. “Apesar da óbvia simplicidade, para não dizer do realismo dessa visão, o ‘jogo de interesses’ ainda é, senão o único em vigor, certamente o principal” (GOODSON, 1995, p. 67, aspas do autor). Argumentos em nome da neutralidade nas escolhas, em geral, intencionam legitimar uma proposta com forte conotação ideológica, mantendo o monopólio do “processo de distribuição do conhecimento oficial” (SILVA, 2003, p. 48). Sem essa estratégia de retirada do foco no real propósito, por certo enfrentaria grande resistência daqueles que a percebessem desnudada.

Recentes e reiteradas tentativas, sem êxito, de aprovação da lei para regulamentação da denominada “Escola sem Partido” no Brasil exemplificam essa estratégia. Ao silenciar vozes contrárias à ideologia conservadora vigente, asseverada no governo Temer e com a ascensão ao poder do presidente Jair Bolsonaro (2019), um grupo político tenta levantar uma bandeira de “neutralidade política”. Na prática, trata-se de nítida tomada formal de partido, em sentido contrário aos princípios constitucionais consagrados no artigo 206 da CF/1988: “II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino” (BRASIL, 1988).

Estamos diante de uma mudança de rumos que, sendo aprovada em lei, por certo, trará interferências ao currículo da educação básica. Tolhida a pluralidade de pensamento, alguém, ou um grupo restrito, prescreverá o que e como ensinar, buscando ocupar, com exclusividade, os espaços sociais do currículo e da escola. Seleção sem negociação social é imposição, que serve apenas ao controle de muitos por alguns.

A propósito, o binômio “currículo” e “controle” também se mostrou politicamente impositivo na história da educação brasileira e mundial. A tradição curricular foi construída sob a forma de seleção de conteúdos e

metodologias para impor e controlar alunos, escolas, professores, países. “Para sermos honestos com nós mesmos, devemos reconhecer que o campo do currículo finca suas raízes no próprio solo do controle social” (APPLE, 2006, p. 85).

Alguns sujeitos e grupos intencionam, ao disputarem espaço e influência na elaboração dos currículos, ao fim e ao cabo, manter a imposição de um controle social por apenas uma parcela da sociedade, sob argumento diverso, a depender do momento e do local, entre eles: cientificista (não necessariamente científico), religioso, econômico e militar. Assim, observou- se no princípio do século XX, mantendo-se atualmente, em grande medida, que

o propósito mais amplo desses especialistas parece ter sido planejar “cientificamente” as atividades pedagógicas e controlá-las de modo a evitar que o comportamento e o pensamento do aluno se desviassem de metas e padrões pré-definidos. (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 9)

Porém, no invólucro da tradição, também persiste a contradição, por onde despontou um veio “progressivista”, ao menos para a época, liderado por Jonh Dewey, que ocupa um lugar de destaque na história do tradicionalismo curricular estadunidense. “Para Dewey a educação não era tanto uma preparação para a vida ocupacional adulta, como um local de vivência e prática direta de princípios democráticos” (SILVA, 2003, p. 23). Apesar de que a influência de Dewey não iria se refletir da mesma forma que a de Bobbit e de Tyler (id., ibid.), por motivos verificáveis ao longo da história do mundo capitalista, a semente para uma parte das teorias críticas do currículo havia sido plantada, influenciando inclusive as propostas de renovação educacional dos Pioneiros da Escola Nova (1932) no Brasil:

No documento Download/Open (páginas 132-158)