2.2 A EDUCAÇÃO NO BRASIL
2.2.3 Currículos educacionais: Da perspectiva Tradicional à Crítica
É no contexto estadunidense que surge a perspectiva do currículo tradicional
(BRASÍLIA, 2008). O campo de estudo do currículo como proposta pedagógica
desenvolvida nos espaços escolares, teve sua origem nos Estados Unidos no século XX,
Nessa época os Estados Unidos estavam imersos em preocupações impostas pela
crescente industrialização e urbanização do país (BRASÍLIA, 2008).
O currículo educacional tornou-se a ferramenta para gerir a escola no que tange
os conteúdos programáticos e a divisão de funções no tempo e no espaço, e, se
configura como sendo um documento que oficializa as matrizes e disciplinas
curriculares. Evidentemente, a idéia de currículo está intrinsecamente relacionada às
questões ideológicas e de poder da sociedade (CAVALCANTE, 2005).
As grades curriculares como eram usualmente chamadas, referem-se, aos
organogramas fixos e compartimentados, em que se norteia como, onde e quando se
devem realizar as atividades educacionais, isso significa definir o conhecimento
elaborado a ser ensinado durante a vida escolar (CAVALCANTE, 2005).
A concepção tradicional do currículo estadunidense entendia que a escola
deveria funcionar da mesma forma que qualquer empresa, fosse ela industrial ou
comercial. E assim sendo, o sistema educacional deveria ser tão eficiente e produtivo
(BRASÍLIA, 2008).
Para Bereday & Volpicelli (1963) a educação, nesta conjuntura, tem a finalidade
de criar sujeitos competentes para a atualidade, integrando ao currículo escolar os
aspectos da cultura industrial-urbana. Que para Arroyo (2001) fez com que a educação
perdesse seu papel permanente de humanizar, para treinar os sujeitos para as demandas
especiais, como por exemplo, demandas ditadas pelo mercado de trabalho.
Com essa orientação a questão curricular entra para a história com uma perspectiva estritamente técnica, cabendo ao curriculista a tarefa de realizar o levantamento das habilidades requeridas para as diversas ocupações no campo do trabalho e a partir desse mapeamento, organizar e desenvolver conteúdos padronizados e acompanhados de métodos que possibilitassem a sua aprendizagem e o domínio das habilidades inicialmente pretendidas (BRASÍLIA, 2008, p. 14).
Essa forma de conceber o currículo e a educação acabou por influenciar a
educação brasileira, que adotou esse modelo curricular durante o Regime Militar,
optando por um modelo educacional guiado pelo capital, a fim, de formar profissionais
habilitados para o mercado de trabalho (SAVIANI, 2008).
Embora haja currículos diferenciados no Brasil, ainda não se conseguiu
ultrapassar a barreira endurecida e rígida dos currículos, que em geral são baseados na
transmissão de conhecimentos e no disciplinamento (MAZZARINO et al., 2012).
Para atender a demanda econômica, a educação, a pedagogia e o currículo são
tomados como espaços de luta e conflitos por imposições de significados e hegemonia
cultural (COSTA, 2002).
O que se ensina e como se avalia nos espaços escolares são procedimentos que
estão condicionados pelas políticas públicas, pelos conhecimentos e pela cultura que o
currículo privilegia.
Os espaços escolares seguem alguns norteadores e diretrizes oficiais, que os
fazem ter uma similaridade generalizada por meio dos currículos.
A escola é um local por excelência de construção do conhecimento, de
descobertas, de trocas e de vivências. É o local onde se constrói a identidade dos
sujeitos e as relações sociais. Sendo inconcebível um currículo que não considere esses
aspectos (MAZZARINO et al., 2012).
Os educandos estão expostos a um processo educacional que valoriza a
capacidade de explicar e de reproduzir os conteúdos, mas não de entendê-los.
Privilegia-se na escola a memorização, por meio de atividade pré-determinadas pelos
materiais didáticos descontextualizados e por metodologias de transferências de
Para a educação crítica, o entendimento e a aprendizagem não se concretizam
por meio do ensino descontextualizado. Diferente disso é alcançado, por meio das
indagações, dos problemas, das inquietações, das descobertas e das infinitas conexões
que os educandos fazem com os conhecimentos novos indissociáveis às suas
experiências de vida e de realidades. Com isso, o educando constrói e dá sentido ao que
a ele é ensinado.
Segundo Gadotti (2007, p. 38):
As teorias clássicas do currículo separam os conteúdos dos seus processos de construção, transformando a educação num processo de acumulação de pensamentos já pensados. Se uma criança está com dor de dente, a atividade nuclear do currículo deve ser a assistência odontológica. Existem necessidades e interesses, que são anteriores a todos os currículos.
Desta forma, os currículos oficiais se configuram como fórmulas prontas para
uma realidade estática. Mas, a realidade é dinâmica, instável e irracional. O educando
aprende na medida em ele interage, se relaciona e experimenta, e com isso é capaz de
sentir, de dar sentidos e de realizar conexões. O educando aprende aquilo que lhe afeta,
lhe perturba e, sobretudo que ele descobre.
Muitos pensadores motivaram na década de 1970 uma reviravolta nas teorias
educacionais, abalando os sustentáculos da teorização tradicional.
As críticas radicais desenvolvidas por esses movimentos à educação liberal e em especial aquelas produzidas por Althusser e Bourdieu vão dar sustentação ao pensamento de Michael Apple ao elaborar uma análise crítica do currículo. Para o iniciador da crítica neomarxista às teorias tradicionais de currículo, “a dinâmica da sociedade capitalista gira em torno da dominação de classe, da dominação dos que detêm o controle da propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem apenas sua força de trabalho.” Esse movimento e organização da sociedade capitalista vai de certa forma afetar todas as esferas que fazem parte desse contexto, como por exemplo, a educação. Há nesse sentido, uma ligação estrutural entre economia e educação (BRASÍLIA, 2008, p, 15).
Para Apple (1982), o campo social está inserido à educação, é um campo
de convencimento ideológico para a manutenção da sua dominação. É nesse processo
constante de convencimento e persuasão que a dominação econômica pode transformar-
se em dominação cultural dentro das escolas. A eficácia dessas estratégias é atingida
quando são naturalizadas e passam ao senso comum nos espaços escolares. No entanto
esse não é um processo harmonioso, sem oposição. Ele é um processo constituído
também de conflitos e resistências.
A preocupação antes era pautada nos aspectos técnicos de elaboração do
currículo, mas, através da perspectiva crítica, a preocupação foi deslocada para a
compreensão dos "por quês" de certos conhecimentos serem considerados legítimos e
outros conhecimentos como ilegítimos (APPLE, 1982).
Nesse contexto, surgem as indagações: por que esses conhecimentos e não
outros? Por que esse conhecimento é considerado importante e os outros não? Quem
elencou esse conhecimento como fundamental? Quais interesses guiaram a seleção
desse conhecimento particular? Quais são as relações de poder envolvidas nos processos
de seleção que resultaram nesse currículo particular? São estas, dentre outras questões
que fomentaram as teorias críticas do currículo (BRASÍLIA, 2008).
Apple (1982) concluiu então que havia um currículo oculto dentro do espaço
escolar, composto por aspectos ideológicos que não estão formalizados nos currículos
oficiais, mas que norteiam implicitamente as atitudes, os valores e os comportamentos.
Embora seja possível identificar traços das influências dos currículos ocultos na
educação, a teoria crítica do currículo aponta para meios de superação e resistência.
Para Giroux (1997) é possível direcionar o potencial de resistência dos
educandos e educadores para um currículo que detenha conteúdos políticos e críticos,
É, pois, por meio do ensino emancipador, que os sujeitos podem se conscientizar
e assumir seus papeis de atores sociais, por meio de: discussões; da participação e
coletividade e, sobretudo, pelo questionamento (GIROUX, 1997).
Mazzarino et al (2012), acrescentam a importância do currículo firmando na
realidade de vida dos sujeitos, pois, só a experiência vivida permite que o aprendizado
se torne autêntico, que produza sentidos, que leve o educando a apropriar-se do
conhecimento e se sentir descobridor dele. Aprender é desacomodar, desfragmentar o
pensamento do mundo das ideais já estabelecidos, percorrido, pronto e acabado.