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1. O ENSINO DE LITERATURA NA ESTRUTURA DO PODER: Revisitando as

1.1 Lei de Diretrizes e Bases: 4.024/61 e 5.692/71

1.1.2 O Curso de Letras: entre um currículo mínimo está a Literatura Brasileira

documentada. Não existem quase pesquisas que retomem a memória desta trajetória, por isso lidamos com informações esparsas e críticas já bastante analisadas anteriormente pelas autoras Regina Zilberman e Marisa Lajolo. Inclusive, a professora Lajolo, em estudo sobre os cursos de Letras, no projeto Memória de Letras32, ressente- se da “absoluta carência de documentação” para que a comunidade acadêmica possa avaliar e analisar o presente desses cursos. Assim, consequentemente, temos poucas pesquisas a respeito do ensino de literatura nos cursos de Graduação em Letras no Brasil.

Entretanto, apesar das poucas pesquisas sobre a história dos cursos de Letras no Brasil, encontramos algumas obras sobre o ensino de literatura que podem ser consideradas pioneiras para esse estudo. Os livros a que nos referimos são: Do ideal e da glória: problemas inculturais brasileiros (1977), de Osman Lins e O ensino de literatura (1966) de Nelly Novaes Coelho, mesmo que ambos não problematizem, especificamente, o ensino da literatura e os cursos de Letras via a pesquisa acadêmica. A primeira obra são ensaios que problematiza a crise da leitura e aborda questões relacionadas ao material didático, entre outros assuntos; enquanto que a segunda obra é um texto mais voltado ao professor de 1º e 2º graus e ao curso de formação do magistério em nível de 2º grau como se depreende da própria capa do livro.

No âmbito da pesquisa acadêmica, foram precursoras Marisa Lajolo ao escrever sua dissertação de mestrado em 1975 sobre Teoria literária moderna e ensino de literatura no curso secundário; Maria Thereza Fraga Rocco, ao escrever a tese sobre

a problemática do ensino de literatura em 1981, publicada em livro intitulado Literatura/ensino: uma problemática; e Lígia Chiappini Leite, ao realizar sua pesquisa em 1983, também publicada em livro sob o título Invasão da Catedral: literatura e ensino em debate. Ressaltamos que estas obras serão fonte de pesquisa no próximo capítulo, uma vez que são fundamentais para a constituição de uma história do ensino de literatura nos cursos de Letras e no ensino médio.

De acordo com a pesquisa realizada, os cursos de Letras, no Brasil, tem início na década de 30 do século passado. Foram inicialmente inseridos nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. Os primeiros cursos surgiram em São Paulo (FFCL-USP, 1934), Rio de Janeiro (Universidade do Distrito Federal - UDF, 1935) e Minas Gerais (Universidade de Minas Gerais - UMG, 1940) e tinham em comum a configuração bipartida, em que era necessário mais um ano de disciplinas pedagógicas, fora do curso de Letras, para tornar-se professor (Licença Magistral).

Conforme Marisa Lajolo (2009a), os primeiros currículos de Letras, entre 1935 e 1939, que concediam a Licenciatura Magistral em Línguas Novi-latinas não incluíam nenhuma literatura, apenas no último ano oferecia uma disciplina chamada Literatura Geral. Somente em 1939, os currículos incluíram um ano de Literatura Portuguesa e Brasileira (compondo uma mesma disciplina), mantendo em seus programas três anos de Literatura Francesa, Italiana e Espanhola.

Ainda, segundo a pesquisa da autora, foi só em 1946 que a literatura brasileira conseguiu gozar de autonomia frente à literatura portuguesa. Foi um movimento liderado por professores na FFCL da USP que conseguiu, a partir de um currículo opcional, dar espaço maior à literatura brasileira, agora com dois anos de curso, enquanto as demais continuavam dispondo de três anos.

O descaso com a literatura nacional é atribuído por Marisa Lajolo ao modelo que foi implantado pelas Universidades, na maioria cópia da educação francesa; mantendo o mesmo modo de transplante cultural e educacional do século XIX, copiando currículos que em nada se assemelhavam e atendiam à situação brasileira. No caso da literatura, obviamente o prestígio era dado à leitura e ao estudo dos clássicos Greco-romano e, consequentemente, às literaturas neo-latinas, daí a forte presença de autores franceses, italianos e espanhóis.

Até 1962 predominaram estes formatos de curso de literatura brasileira na graduação em Letras. Neste ano foi realizada a primeira proposta de um currículo mínimo para os cursos pelo Conselho Nacional de Educação, a partir do parecer nº 283 de Valnir Chagas.

A novidade apresentada foi a inclusão de disciplinas pedagógicas, resolvendo, em parte, a separação da formação docente; porém, em virtude da necessidade de legislação especial, isso só aconteceu sete anos depois, com a resolução nº 9 de 1969. Esse formato de curso ficou conhecido como três mais um, ou seja, as disciplinas específicas e depois, para conferir o grau de docência, mais um ano de pedagógicas, só que agora dentro do próprio currículo de Letras. Na prática não mudou muita coisa em relação ao que se tinha antes33.

Também, como solução para a formação docente, criou-se o estágio supervisionado, preferencialmente realizado em escolas, porém com muitos entraves, os quais até hoje permanecem. De modo geral, os componentes pedagógicos, normalmente delegados aos professores da área de educação, sempre foram alvo de controvérsias entre os departamentos, ora por terem orientações conflitantes com a formação e a filosofia do curso e do corpo docente em que estão alocados, ora por reproduzirem o mesmo programa em todas as graduações, sem refletir e adequar às especificidades de cada área. Isso ocorre com a literatura, a qual sempre foi pautada por programas de história literária e, posteriormente, por teoria e crítica literária, sem a menor correlação com a didática e as metodologias de ensino do componente.

O parecer previa também em seu artigo primeiro a obrigatoriedade do ensino de Literatura Portuguesa e Literatura Brasileira, consolidando o ensino dessas duas disciplinas. Além disso, deixava a escolha dos programas mais três matérias; no que concerne ao campo literário podia-se selecionar Cultura brasileira, Teoria da literatura, Literatura latina e Literatura Grega. Caso o curso optasse por habilitação dupla, com uma língua estrangeira, então, poderia escolher um literatura referente aquela língua.

Observemos que este currículo mínimo ao dispor a lista de optativas, insere Cultura Brasileira e Teoria literária até então não mencionadas oficialmente nos cursos. Essa inserção está totalmente vinculada à época em que aparecem no Brasil os

33 As disciplinas pedagógicas constantes do currículo são Didática, Estrutura e Funcionamento do 2º grau

primeiros estudos sobre a teoria, realizadas principalmente por Antonio Candido e muito difundida nas Universidades Brasileiras até os dias atuais.

A introdução da teoria nos cursos de Letras intensificou os estudos da literatura sob o aspecto científico, dando vazão para a análise de obras que não fossem mais somente a partir da historiografia. Os ensaios de Antonio Candido, reunidos no livro Literatura e sociedade, de 1965, acentuaram esse novo paradigma dos estudos literários nas Universidades Brasileiras, embora a história da literatura ainda permaneça como ponto de referência para o ensino de literatura nos cursos de Letras.

Os programas de literatura brasileira nos currículos de Letras desmembraram, em várias disciplinas, os períodos e estilos de época e selecionaram obras do cânone literário brasileiro a partir das historiografias. Reforçaram as bibliografias destes programas as obras, surgidas ainda na década de 40 e 50, de Afrânio Coutinho, Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux e Nelson Werneck Sodré.

Os teóricos citados traçam percursos diferentes em suas obras, decorrentes da opção de correntes teóricas. Nesse momento, estava em efervescência o New Criticism, seguida por Afrânio Coutinho, e, ainda, com muita expressão, leituras marxistas, visivelmente discutidas nas obras de Antonio Candido. Até hoje essas tradições estão muito presentes no estudo da literatura em meio acadêmico, mesmo que focadas por outros teóricos como Alfredo Bosi, Davi Arrigucci Jr. e Haroldo de Campos.

Um estudo dos programas de literatura brasileira, ementas, conteúdos e bibliografias34 com certeza ainda vão nos mostrar a presença marcante destas teorias para estudo das obras. Também apontarão a permanência dos clássicos e a consonância com historiografia literária dos autores citados. Regina Zilberman afirma que até hoje, “apesar de grandes modificações nos paradigmas científicos, as Faculdades de Letras não chegaram a propriamente alterarem seu programa de estudo das literaturas vernáculas (2005, p. 234)”.

Desse modo, constatamos que a literatura brasileira e portuguesa passa em definitivo como ponto central dos cursos de graduação. A abordagem a partir do

34 Já nos referimos nesse sentido em nota anterior ao estudo feito por Mazanatti sobre os cursos de Letras.

Todavia, a pesquisa limita-se aos currículos antigos de Letras, isto é, anterior as novas diretrizes curriculares de 2001.

currículo mínimo apresentado em 1962 aprofunda os estudos historiográficos, incluindo agora a teoria literária.

Outro estudo que aponta a permanência da visão positivista no ensino de literatura é a pesquisa da professora Cyana Leahy-Dios35. Ao discutir a licenciatura em Letras, a autora revela a estagnação filosófica destes cursos e aponta vários problemas nessa formação, entre estes a visão clássica da leitura do cânone, do valor da obra literária em detrimento do prazer e fruição da leitura do leitor.

Nesse sentido, a professora-pesquisadora, em estudo sobre os currículos ainda de 1962, constata que em pleno século XXI “[...] ainda impera na formação teórica de docentes de línguas e literaturas a concepção hermenêutica (...) pouco se fala das teorias críticas de leitura, da hermenêutica da suspeição (Culler), da estética da recepção (H.J. Jauss), ou da estética do efeito (W. Iser)”. Ainda, de acordo com a autora, “[...] a forma como o texto costuma ser manipulado/manietado na formação dos profissionais de Letras obedece a uma crítica ditatorial, feudal e auto-referente” (2001, p.23).

Com isso, Cyana Leahy-Dios (2001) denuncia o uso das pesquisas de muitos professores em sala de aula, evidenciando que muitos docentes universitários passam vários semestres letivos ou todo um semestre abordando sua especialidade em determinado assunto ou autor, fragmentando os conteúdos, os semestres e até mesmo desintegrando os currículos. Enfim, as implicações sobre o ensino de literatura brasileira nas universidades já não estão mais no âmbito de que literatura vamos tratar, brasileira, francesa, portuguesa, etc., mas, como vamos abordar, sob que enfoque e metodologia serão trabalhadas o ensino de literatura e qual sua relação imediata com a escolarização.

Cabe ressaltar que, durante a vigência do currículo mínimo para as licenciaturas, surgiram os estudos culturais e a literatura infantil como aspectos importantes para os currículos de Letras. Algumas universidades foram incorporando estas discussões em seus programas e a partir disso também passaram a debater o aspecto da leitura literária e o leitor, refletindo, principalmente sobre a crise de leitura na escola básica.

Destarte, a expansão de cursos de Letras na década de 70 e as próprias exigências das mudanças ocorridas nesse período, como o forte impacto da indústria cultural, motivaram uma diversidade de currículos. De acordo com Marisa Lajolo

(2009a), isso ocasionou uma disparidade muito grande entre os cursos de Letras do país, que já eram centenas nessa época.

Esse currículo vigorou até 1996 quando a Lei 9.394 institui a nova Lei de Diretrizes e Bases para a educação brasileira, a qual aboliu a obrigatoriedade de um currículo mínimo para as licenciaturas, orientando agora os projetos político- pedagógicos dos cursos a partir de diretrizes curriculares.

O curso de Letras e demais licenciaturas passam a ser regido pelo Parecer 492, aprovado em 03 de abril de 2001, em consonância com a resolução nº 1 de 18 de fevereiro de 2002, a qual institui as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da Educação básica, em nível superior. Além disso, há outras orientações relacionadas na LDB/96 e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e Parâmetros Nacionais Curriculares do Ensino Médio (PCNEM) que devem servir para a proposição desses novos currículos. De certo modo, esta última reforma vem atender e regular algumas proposições que já vinham sendo realizadas em cursos superiores de Licenciaturas e no âmbito da educação de forma geral, mas também procura sanar problemas apontados durante muitas décadas no Brasil.