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1. O ENSINO DE LITERATURA NA ESTRUTURA DO PODER: Revisitando as

1.2 Lei de Diretrizes e Bases: 9.394/96

1.2.1 O Ensino Médio: novas diretrizes e a inclusão de parâmetros curriculares para a

Destacamos até o momento nessa escrita o impacto da nova LDB/96 na educação brasileira. Propositiva e provocativa, a legislação pretendeu regular e alterar currículos, metodologias e objetivos para cada instância do ensino. Ao tratar do ensino médio, procurou estabelecer orientações mais objetivas e pontuais sobre o seu lugar na educação básica, retirando o peso do tecnicismo para a profissionalização, o congestionamento de informações genéricas e esparsas sem objetivos claros e, principalmente, acabar com a relação instaurada entre exame vestibular e conteúdos.

Vimos que a LDB enfatiza a dimensão da formação humana dentro de uma nova concepção de humanismo38, ajustado com as novas tecnologias da sociedade contemporânea. Ao se reportar, nas disposições gerais do ensino básico (art. 22), e nos artigos 35 e 36, sobre o ensino médio a lei, reforça o viés de uma educação centrada nessa formação. Os incisos do artigo 36 são muito claros ao destacar as finalidades desse nível.

A partir da LDB/96, como já dissemos, surgiram outros documentos para ampliar e dar novas orientações, integralizando o proposto pela Lei maior. Em 1998 foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), sob a resolução CEB nº3/98, após o relatório proposto no parecer da CEB nº 15/98.

O citado relatório apresenta uma discussão dos artigos e explicita as intenções dos legisladores. Realiza um apanhado histórico das discussões e traz um arrazoado minucioso da proposta, inclusive justificando a necessidade de implantação de novas diretrizes a partir das mudanças da década de 80. Corroborando o Parecer e a Resolução, em 2001 integram ao grupo de documentos o lançamento do PNE, o qual também realiza um diagnóstico do ensino médio e apresenta seus desafios e diretrizes a partir da LDB.

Podemos resumir as preocupações que orientaram esses documentos na seguinte afirmação exposta no PNE:

38 Esta concepção consta no artigo 3º das DCNEM, e assenta-se sobre os fundamentos estéticos, políticos

e éticos, organizados sob três pilares: a estética da sensibilidade; a política da igualdade; e, a ética da identidade. Para melhor compreensão indicamos a leitura das Bases Legais das Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, citado nas referências bibliográficas desta pesquisa.

Pelo caráter que assumiu na história educacional de quase todos os países, a educação média é particularmente vulnerável à desigualdade social. Na disputa permanente entre orientações profissionalizantes ou acadêmicas, entre objetivos humanistas ou econômicos, a tensão expressa nos privilégios e nas exclusões decorre da origem social. Em vista disso, o ensino médio proposto neste plano deverá enfrentar o desafio dessa dualidade com oferta de escola média de qualidade a toda a demanda. Uma educação que propicie aprendizagem de competências de caráter geral, forme pessoas mais aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas, que respeitem as diferenças e superem a segmentação social.

Preparando jovens e adultos para os desafios da modernidade, o ensino médio deverá permitir aquisição de competências relacionadas ao pleno exercício da cidadania e da inserção produtiva: auto-aprendizagem; percepção da dinâmica social e capacidade para nela intervir; compreensão dos processos produtivos; capacidade de observar, interpretar e tomar decisões; domínio de aptidões básicas de linguagens, comunicação, abstração; habilidades para incorporar valores éticos de solidariedade, cooperação e respeito às individualidades. (p. 31-32)

Ao analisarmos esta afirmação dentro do contexto dos documentos, vimos que a vontade política se expressa num desejo de realizar a democratização do ensino, fazendo as classes populares ascender a espaços sociais mais dignos e, principalmente, contribuir na constituição de pessoas mais autônomas, mais solidárias, que acolham e respeitem as diferenças e superem a segmentação social.

Para melhor visibilidade e explicitação dos documentos, o MEC lançou em 1999 os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), observado o disposto no art. 26 e 36 da LDB e art. 10 das DCNEM; ambos remetem à base nacional comum dos currículos para o ensino médio.

Considerando a proposição de uma visão crítica sobre o ensino da literatura, podemos afirmar que a LDB ignora explicitamente esta área, a menos que compreendamos que no inciso I (art. 36) a menção dada a “letras e artes” abarque o ensino de literatura. Do mesmo modo, precisamos depreender do artigo 10 das DCNEM, em seu primeiro inciso, que a indicação de uma área denominada “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias” objetive também a estudar literatura.

Assim, observados alguns pressupostos que embasam as mudanças no ensino médio a partir da LDB/96, cabe-nos agora visualizar e analisar como a literatura está inserida nessa recontextualização. Vale lembrar que as DCNEM enfatizam currículos

inovadores, que estejam pautados pela flexibilidade, contextualização e interdisciplinariedade, além de salientar que a formação do educando está alicerçada em competências básicas, de caráter geral, sendo que esta idéia “[...] nada tem a ver com o ensino enciclopedista e academicista dos currículos de Ensino Médio tradicional, reféns do exame vestibular” (Parecer CEB nº 15/98).

A base legal que institui a área de conhecimento denominada de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias é o inciso 10 das DCNEM, e para melhor detalhamento estão presentes no inciso as alíneas que orientam a área. Destacamos que estas alíneas deram origem aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), uma vez que foram expandidas para delimitar a área e inserir suas competências e habilidades. Conforme a apresentação, o documento é apenas de natureza indicativa e interpretativa, propondo-se a interatividade e ao diálogo. (PCNEM, grifos nossos, 1999, p. 04)

De fato, ao nos depararmos com o documento, veremos a abertura para o diálogo, que se mostra breve e repetitivo ao propor indicações para as sub-áreas do conhecimento. Basicamente, as orientações sedimentam-se em torno da linguagem numa concepção interacionista, ratificando o intuito dos documentos em frisar a relação teoria e prática e o caráter interdisciplinar que se deve dar ao ensino médio. Abrangem os conhecimentos de Língua Portuguesa (e daqui depreendemos que entra literatura), Língua Estrangeira, Artes, Educação Física e Informática.

No que concerne ao ensino de literatura, lamentamos a falta de discussão mais sólida sobre sua concepção e finalidade, bem como uma orientação mais didática sobre seu objeto de estudo: o texto literário. Os professores, principais destinatários do documento, certamente mais desorientados ficaram, pois além de apresentar lacunas, confunde ainda mais seus leitores. Vejamos seus entraves e suas faltas.

Entre as competências a serem desenvolvidas, citamos duas que nos parecem relacionadas com a literatura:

- Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.

- Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.

A primeira competência é aberta a qualquer gênero discursivo e prevê uma concepção sócio-discursiva da linguagem em consonância com as orientações. Desse modo, vale dizer que o estudo de qualquer texto deve considerar os modos de interação verbal e a recepção dos leitores para que os alunos possam analisar as especificidades e perceber que “as particularidades tem um sentido socialmente construído” (PCNEM, parte II, 1999, p. 08).

A segunda competência também não se direciona somente à literatura, apenas sugere como as demais, que se realize um estudo a partir do confronto de opiniões. O que nos chama a atenção são as explicações dadas pelos autores sobre o tópico: eles afirmam que a apreciação literária está ligada a um preparo, e para que o aluno goste ou não de uma obra de arte é necessário prepará-lo com críticas literárias “autorizadas”. Assim, o aluno precisa conhecer e analisar essas perspectivas (ponto de vista) como início da apreciação para depois começar a posicionar-se.

Apesar de os autores também concordarem que os alunos não devam ser meros espectadores ou reprodutores de saberes, por outro lado, eles enfatizam as “perspectivas autorizadas”. O que é isso senão levarmos a sala de aula apenas uma visão do discurso? Que discurso, quais são os autorizados? Será que isto não remete também a imaginar que só valem as vozes da crítica consagrada como Haroldo de Campos, Antonio Candido, Alfredo Bosi, Silviano Santiago, etc.

Mais adiante, ao reunir em tópicos as competências e habilidades da área, encontramos novas possibilidades de referência ao ensino de literatura, a qual depois fica explicitada. Eis o que depreendemos do tópico Investigação e Compreensão, que diz o seguinte:

Recuperar, pelo estudo [do texto literário], as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial. (PCNEM, grifos nossos, 1999, p. 14 e 24)

Para o professor que buscava orientações inovadoras, condizentes com a LDB/96 e as DCNEM, certamente esta habilidade deve ter-lhe causado estranhamento. O que fez até então se não foi recuperar „essas formas‟ pelo estudo da história literária? Então, ele estava certo na sua metodologia e na escolha dos conteúdos, ou não? A

propósito nos parece que a habilidade corresponde à historiografia literária, há todos os indicativos de que essa seja a orientação. Todavia, os demais tópicos depõem contra uma orientação apenas historiográfica e o próprio documento mais adiante critica essa forma de estudo, ao revelar o seguinte questionamento:

A história da literatura costuma ser o foco de compreensão do texto; uma história que nem sempre corresponde ao texto que lhe serve de exemplo. O conceito de texto literário é discutível. Machado de Assis é literatura, Paulo Coelho não. Por quê? As explicações não fazem sentido para o aluno. (PCNEM, parte II, 1999, p. 16)

Certamente, não faz sentido nem para os professores um comentário desta natureza. E mais confuso se torna ao propor a habilidade acima citada e o confronto com a sugestão das “perspectivas autorizadas” para preparar o gosto pela literatura.

Ainda, se tomarmos mais este comentário do documento, é impossível ficar tranquilo diante da proposta:

Outra situação de sala de aula pode ser mencionada. Solicitamos que alunos separassem de um bloco de textos, que iam desde poemas de Pessoa e Drummond até contas de telefone e cartas de banco, textos literários e não-literários, de acordo como são definidos. Um dos grupos não fez qualquer separação. Questionados, os alunos responderam: “todos são não-literários, porque servem apenas para fazer exercícios na escola”. E Drummond? Responderam: “Drummond é literato, porque vocês afirmam que é, eu não concordo. Acho ele um chato. Por que Zé Ramalho não é literatura? Ambos são poetas, não é verdade?” (Idem, p.16)

A sugestão dos autores, ao colocar as críticas sobre o ensino atual e os comentários do aluno nos levam a crer que concordam que a literatura no ensino médio deve estar aberta a autores fora dos padrões literários da Academia. Também apontam para a liberdade de expressão dos alunos, favorecendo o diálogo e a troca de opiniões. Então, como fica a habilidade que apontam a recuperação das formas instituídas pelo discurso imaginário e coletivo? Que formas instituídas são essas? E mais, se o patrimônio representativo da cultura não é a história literária, até então ensinadas, qual é? Conforme Willian R. Cereja:

Quanto à parte “[Recuperar] as classificações preservadas e divulgadas no eixo temporal e espacial”, do final desse item, o que seriam “as classificações preservadas e divulgadas”? Classificar um autor ou uma obra como barrocos ou românticos seria uma forma de recuperar essas classificações? Em caso afirmativo, então em que consistiria a novidade da proposta, já

que o ensino de literatura tradicionalmente se tem voltado para a classificação de autores em períodos literários e para o reconhecimento de características dos movimentos literários? (2005, p. 116)

Concordamos com as observações do professor, principalmente porque esta habilidade conferida ao ensino de literatura destoa de toda a proposta dialógica e interacionista que permeia o documento. Além disso, desorienta aquele professor que precisa compreender as novas concepções e joga para ele a culpa de não saber o que fazer com a literatura. São muitas perguntas, mas sem respostas ao professor.

Segundo a professora Socorro Vilar, “[...] o modelo que os professores julgavam encontrar nesse texto, no caso da literatura, se traduz em algumas observações genéricas que supõem um leitor já apto e familiarizado com os pressupostos da Análise do Discurso e das concepções teóricas de Bakhtin” (2004, p. 112).

Outra importante contribuição para a análise dos PCNEM provém de um documento oficializado na página do MEC, assinado pelo professor Haquira Osakabe e pela professora Enid Y. Frederico, ambos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Ao se reportarem à literatura, compreendem que houve falta de orientações sobre a mesma e que isto implicitamente sugere a exclusão dela nos currículos. Ainda, a respeito das poucas orientações, entendem que as referências sobre Machado de Assis, Paulo Coelho, Carlos Drummond de Andrade e Zé Ramalho são baseadas em preconceitos e predeterminações, evidenciando que os PCNEM insistem no caráter arbitrário da literatura. Mais adiante, os autores denunciam outro grave problema do texto, decorrente da competência, antes discutida:

É importante observar o fato dessa competência assimilar todo o velho programa do colegial, tal como se fazia desde a introdução da Literatura em nosso ensino e tal como continuou sendo feito, em muitos casos, até o presente, ou seja: a literatura como conjunto de monumentos (“formas instituídas do imaginário coletivo”, “o patrimônio representativo da cultura”), como conjunto de classificações consagradas

(“classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial”). Dessa forma, continuamos no mesmo patamar

definido por legislação anterior a 1961, quando a Lei de Diretrizes e Bases conferiu ao professor total liberdade de organização de seu programa, liberdade de que os agentes, professores e autores de livros didáticos, não conseguiram usufruir. (OSAKABE; FREDERICO, 2004, p.71-72)

Por fim, podemos dizer que os propósitos inovadores dos PCNEM para a Literatura não são esclarecedores e são pouco inovadores, pois concretizam a manutenção de um ensino já consolidado nas escolas há muito tempo.

Entre estas críticas, inúmeras outras foram recebidas por escritores, professores e pesquisadores da área da literatura. Destarte, três anos depois foram lançados novas orientações para o ensino médio denominadas de Parâmetros Curriculares Nacionais + Ensino Médio (PCNEM+), tendo como sub-título Orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Realmente, o documento pretendia complementar as lacunas deixadas anteriormente, principalmente ao volume sobre Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.

O novo volume foi apresentado em 2002 e mostra nitidamente sua preocupação em detalhar melhor para o professor os fundamentos que amparam o ensino médio e como a escola pode organizar-se diante desses novos paradigmas. Fica patente no livro a necessidade de atualização da escola em consonância com uma nova sociedade e com uma nova organização global. Para isso, é enfatizado o trabalho por áreas de conhecimento, sem desconhecer as especificidades das disciplinas até então trabalhadas nos currículos.

Ao reconhecer a existência de programas curriculares inovadores, escolas que já integram novos projetos político pedagógicos, o documento evidencia que é possível e necessário rearticular as formas tradicionais do currículo por disciplinas. Por isso, é perceptível a ênfase dada às competências39, as quais devem ser estimuladas e trabalhadas nas diversas áreas, como eixo estruturante do diálogo entre os diversos conhecimentos divididos historicamente em disciplinas. Assim, a primeira parte, introdutória, corresponde à explicitação e a defesa da interdisciplinariedade das áreas, inclusive, evidenciado, com exemplos e sugestões metodológicas como é possível se realizar essas articulações por temáticas40.

39 As competências estão baseadas em três eixos: Representação e Comunicação; Investigação e

Compreensão; e, Contextualização Sociocultural. Todos eles representam a retomada dos PCNEM e das DCNEM, porém com mais detalhamento de suas concepções e desdobramentos em conteúdos e sugestões de metodologias.

40 Nesse sentido, o documento aponta para os temas transversais como uma sugestão de trabalho

norteador e de integração entre as áreas, sem a necessidade de criar novas disciplinas ou conteúdos para o ensino médio.

Não se cogita descaracterizar as disciplinas, confundindo-as todas em práticas comuns ou indistintas. O que interessa é promover uma ação concentrada do conjunto e também de cada uma das disciplinas, a serviço do desenvolvimento de competências gerais, que dependem do conhecimento disciplinar. ( PCNEM+, 2002, p. 14)

A partir desta parte introdutória e explicativa, com forte apelo a currículos organizados em torno de grandes áreas, é apresentada no segundo capítulo do volume a área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, assinada por Maria Paula Parisi Lauria. Notamos que, em confronto com o documento anterior e de acordo com o próprio sub- título, de fato esse volume surge para completar as lacunas e organizar mais claramente as orientações da área.

Por isso, o segundo capítulo apresenta uma introdução e a caracterização da área, depois define as competências e as explica e, por último, revela conceitos estruturantes. Também, acrescenta uma bibliografia específica ao capítulo, tópico presente nos demais capítulos ao delimitar cada disciplina da área em discussão. Já o terceiro capítulo, alvo de nosso interesse, tece as orientações e especificidades da Língua Portuguesa. Eis o lugar que nos debruçaremos para verificar onde está a literatura.

Retomando as críticas realizadas sobre o documento, veremos o descontentamento por parte de alguns autores/professores:

No entanto, essa explicitação parece-nos apresentar-se ainda pior. Além de ver a literatura apenas como portadora de conteúdos culturais (pp 68.9, 69. 4), insiste no caráter lúdico e prazeroso da fruição literária, posição semelhante ao supérfluo, como o adereço que distrai (p.67.5). (OSAKABE; FREDERICO, 2004, p. 72)

No que se refere ao ensino de literatura, especificamente, o documento também deixa dúvidas. Embora os PCN+ reafirmem de modo geral o ponto de vista dialógico da linguagem literária expresso nos PCNEM, parece-nos que o novo documento recua em relação a algumas posições assumidas no documento anterior. É o caso do ensino de história de literatura, que, de acordo com os PCNEM, deveria ocupar papel secundário, dando maior espaço par a formação de leitores de literatura. (CEREJA, 2005, p. 120)

Essas afirmações mostram a insatisfação com o tratamento dado à literatura, pois mais uma vez ela é negligenciada a uma categoria menor, convencionada como parte dos gêneros discursivos, entre eles os ficcionais. Portanto, poderíamos pensar que todas

as proposições relacionadas ao texto na língua portuguesa servem para o texto literário. Tal situação fica explícita na seleção de conteúdos expostas pelo texto, em que se afirma: “Pensar o ensino de Língua Portuguesa no ensino médio significa dirigir a atenção não só para a literatura ou para a gramática, mas também para a produção de textos e a oralidade” (PCNEM+, 2002, p. 70). Nesse sentido, talvez se expresse até um não-lugar para ela dentro desses novos parâmetros, o que Haquira Osakabe já anunciara ao analisar o documento e afirmar:

[...] no caso da literatura, coloca-se para o professor uma questão de base: a que vem a literatura para os alunos em geral, quando se entende que boa parte deles não terá condições ( e talvez nem mesmo necessidade ) de seguir um curso superior? Essa é uma questão crucial feita ao professor, este consciente de que boa parte de seus alunos não seguirá adiante em seus estudos. E para aqueles poucos que o farão, a lista de livros estipulada pelos vários exames vestibulares constitui uma espécie de motivação compulsória. (...) Para os demais, fica difícil justificar a exigência de leituras que, via de regra, parecem ter muito pouca relação com as tais exigências da vida cotidiana. Logo, a presença da Literatura no Ensino Médio tende a responder a desígnios estranhos à vida dos seus maiores interessados, que são os alunos.

Os responsáveis pelos PCNEM relativos à literatura parecem ter sentido claramente os efeitos dessa constatação. (2004, p. 67) A falta de rumo para a literatura ficou evidente nos PCNEM+ e certamente construiu mais perguntas e desafios aos professores que buscavam um novo programa, substituto de uma prática tão arraigada na tradição do estudo historicista. Mais uma vez, quem buscava resignificar suas práticas, revitalizar seus conhecimentos e consolidar novas orientações didáticas para suas crenças sobre o ensino de Literatura ficou sem alicerce, precisou provavelmente continuar com a tão combatida história dos períodos literários da literatura, até porque o documento mais consolida do que desrealiza essa prática.

Tomemos algumas orientações dos PCNEM+ como exemplo41 dessa contradição. O texto aponta para a manutenção da história da literatura como vertente e expressão do conhecimento de Literatura, porém não menciona quais textos literários e

41 Outro exemplo pode ser vistos na leitura dos textos: PCNS e Literatura: novas roupagens para velhos

problemas; de Socorro P. Vilar, que compõe a obra Parâmetros curriculares em questão: ensino médio