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Custo de oportunidade presente no sistema partidário-eleitoral brasileiro:

A compensação tributária reflete parte do imbróglio decorrente da discussão entre emissoras de radiodifusão (em especial as televisões) e poder público. De um lado estão as emissoras, que alegam a insuficiência dos recursos abatidos do imposto de renda frente ao lucro cessante – os espaços na mídia que poderiam ser comercializados. De outro está o Estado, que, por determinação constitucional, detém o monopólio da concessão dos espaços de difusão midiática. Por essa razão, caber-lhe-ia a prerrogativa de interferir nesse mercado.

Algumas questões merecem ser destacadas. A primeira se refere às dificuldades de cálculo e de acesso aos dados sobre os valores em jogo. Em relação a esse aspecto, deve-se observar a não obrigatoriedade de publicação dos balanços contábeis e financeiros por parte das emissoras, tendo em vista não se configurarem como empresas de capital aberto (CPqD, 2004). Desse modo, estão dispensadas de publicar seus balanços auditados por auditoria externa independente, seguindo as regras estabelecidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Assim, as informações contábeis e fiscais se cercam do sigilo empresarial, ficando, portanto, distantes do conhecimento público.

Adicionalmente, mesmo havendo a renúncia fiscal, a maioria das emissoras “perderia” receita com o HGPE. Isso porque as deduções de imposto valem apenas para um universo

reduzido de emissoras de radiodifusão41, pois aquelas optantes pelo SIMPLES não podem usufruir de tal benefício.

No tocante à opção pelo pagamento do IRPJ, podem deduzir da base de cálculo para efeito da renúncia fiscal apenas as emissoras optantes pelo lucro real42 e pelo lucro presumido43. Para as duas opções tributárias, valem os mesmos critérios como forma de compensação tributária.

De acordo com esse argumento, o ônus recairia sobre as emissoras, já que a maior parte delas não se adequaria às exigências previstas na lei para se enquadrarem como beneficiárias da renúncia fiscal do Estado. Por fim, outro argumento contrário às exigências do HGPE seria que a perda de receitas por parte das emissoras superaria o volume da renúncia fiscal previsto pela legislação.

O formato do horário eleitoral gratuito é um ponto controverso. Ora, se as emissoras de rádio e televisão funcionam por meio de concessão pública, a polêmica a respeito de sobre quem deveria recair o ônus da “gratuidade” não se justifica.

No entanto, como visto no capítulo sobre horário eleitoral, as emissoras “alegam” uma perda de faturamento com a cessão dos espaços midiáticos para a veiculação dos programas partidários e eleitorais. Seria, portanto, um custo de oportunidade alto para as emissoras. Não há como negar que, se se considera os preços praticados pelas emissoras (apenas as de televisão) para a veiculação das propagandas, sobretudo, em horários nobres, haveria uma perda relativa, como visto no cálculo do tempo comercial, efetuado anteriormente. Porém, esses argumentos podem ser contestados pela concessão dos espaços de radiodifusão, essenciais para o andamento de qualquer democracia, e pelo benefício da compensação tributária, conferida às emissoras, além da lógica já ressaltada, quanto ao deslocamento dos anúncios comerciais, tendo em vista serem acoplados às suas programações, o que efetivamente suplantaria a perda pela cessão dos espaços midiáticos pelo HGPE.

41 Citando o conteúdo das informações coletadas na ABERT.

42 A expressão lucro real significa o próprio lucro tributável, para fins da legislação do IRPJ, distinto do lucro

líquido apurado contabilmente. De acordo com a legislação vigente, o lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação fiscal. Ele será determinado a partir do lucro líquido do período de apuração obtido na escrituração comercial (antes da provisão para o IRPJ) e demonstrado no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), sendo este, porém, um livro de escrituração de natureza eminentemente fiscal, destinado à apuração extra-contábil do lucro real sujeito à tributação para o IRPJ em cada período de apuração. Desse modo, a apuração do lucro real é feita no LALUR, mediante adições e exclusões ao lucro líquido do período de apuração (trimestral ou anual) do imposto e compensações de prejuízos fiscais autorizadas pela legislação do IRPJ.

43 O lucro presumido é uma forma de tributação simplificada para determinação da base de cálculo do IRPJ e da

CSLL das pessoas jurídicas que não estiverem obrigadas, no ano-calendário, à apuração do lucro real. O IRPJ é apurado trimestralmente a uma alíquota de 8% sobre a receita bruta mensal e, pago em cota única, no mês subseqüente ao do encerramento do período de apuração.

Mesmo sendo uma prerrogativa legal a autorização para as emissoras abaterem parte dos seus lucros cessantes no IRPJ a pagar, há a alegação de que o “prejuízo” não seria recompensado44. Portanto, o formato adotado de compensação tributária não impede que haja resistência por parte das emissoras em ceder os espaços para a veiculação do HGPE.

A partir das regras apresentadas para a compensação tributária, os dados permitem levantar duas questões. Para os dois casos – emissoras optantes pelo lucro real e as optantes pelo lucro presumido –, a relação de benefício fiscal demonstra que, em se tratando de perdas fiscais, as emissoras assumem uma parcela maior que a União. Esse argumento evidencia uma situação na qual o HGPE traz uma “perda financeira” maior para o setor privado, considerando os valores comerciais dos espaços cedidos, em contraponto com os valores decorrentes da compensação tributária. David Fleischer (1997) chama a atenção para essa questão, ao ressaltar que a legislação brasileira adota a propaganda eleitoral gratuita, em rádio e televisão, mesmo sob os “protestos exaltados da ABERT” de que esse mecanismo pode interferir nos lucros das emissoras.

No entanto, ao tomar como referência o fato de que os serviços de transmissão de som e imagem são concessões do poder público ao setor privado, mesmo a relação financeira sendo “aparentemente prejudicial” às emissoras, a parcela assumida pelo Estado representa um montante nada desprezível.

Assim, a argumentação das emissoras pode ser rebatida por serem esses serviços uma concessão pública. Ademais, por se tratar de recursos previsíveis, pois os espaços destinados ao HGPE têm períodos e duração pré-determinados, tal condição representa para as emissoras uma redução do custo operacional e, por consequência, do risco empresarial, uma vez que não haveria custos na captação de novos anunciantes para os comerciais. Ou seja, no caso do HGPE, por mais que haja uma discordância das emissoras quanto ao formato apresentado, não há risco algum e nem perdas com “políticas de descontos” concedidos aos anunciantes.

Outro argumento que pode ser contrário aos reclames da ABERT é o fato de que a legislação que trata do formato técnico para a dedução do imposto, por parte das emissoras, estabelece um limite de desconto de 25% do tempo utilizado em publicidade pela emissora – tempo comercializável –, durante o período de veiculação da propaganda partidária ou eleitoral. Portanto, do total do tempo efetivamente comercializável, as emissoras de radiodifusão não podem abater do lucro tributável mais que 1/4 desse valor. Acontece que, de acordo com os dados repassados pelas próprias emissoras de televisão (as cinco principais

44 A ABERT, seguindo essa linha de críticas à legislação que estabelece a gratuidade para a propaganda eleitoral,

emissoras do País), o tempo total de comercialização durante os dois períodos de veiculação (blocos cheios) corresponde a aproximadamente 15% do tempo total dos programas eleitorais. Desse modo, as emissoras poderiam abater do IRPJ a pagar até o teto permitido pela legislação, mesmo que o tempo efetivamente “perdido” com o HGPE fique abaixo desse percentual. Em termos mais diretos, os cálculos estimados para a “perda financeira” das emissoras de televisão, em relação ao tempo médio dos seus comerciais, equivalem a R$487milhões, enquanto a renúncia fiscal do Estado corresponde a R$470,8 milhões (para o ano de 2007, referente ao ano eleitoral de 2006), considerando apenas os programas veiculados em blocos.

Uma vez calculados os custos da renúncia fiscal, vem à pauta a discussão de quem deve arcar com ele (os partidos políticos, o Estado ou as emissoras de radiodifusão?). Muito além da questão do porquê e do como o Estado deve regular o acesso de partidos à mídia e de quanto ele deve gastar para isso, vem a questão da importância desse gasto para a competitividade do sistema, cujo reflexo se estende ao equilíbrio das disputas partidárias e eleitorais. Portanto, o cálculo do “valor comercial” da propaganda pode representar um peso além do evidenciado no cálculo da renúncia fiscal.

A essas questões acrescenta-se outro ponto que merece atenção: o custo de oportunidade. Trazer essa discussão sobre o horário gratuito de propaganda partidário- eleitoral demanda um maior espaço analítico. A obrigatoriedade da cessão dos espaços midiáticos aos partidos políticos impulsiona a competitividade do sistema partidário-eleitoral. Desse modo, para os partidos (e os candidatos), o horário eleitoral gratuito representa um “recurso” essencial, seja no tocante ao financiamento de campanhas eleitorais, seja na veiculação do programa e da ideologia partidária, necessária ao alistamento de novos filiados. Esta seria a base do argumento político sobre o formato de inserção na mídia eletrônica. O Estado estaria contribuindo para tornar o sistema mais democrático.

Portanto, a questão dos recursos indiretos fornecidos pelo Estado vai além do que se pôde observar pelo âmbito econômico e fiscal e envolve o aspecto político relativo ao fortalecimento do sistema democrático. Giovanni Sartori classifica a “videopolítica” como um elemento central nas democracias modernas. Trata-se, portanto, de um benefício de difícil mensuração: o de se ter eleições mais competitivas e mais equilibradas.

IV.5. Financiamento do sistema partidário-eleitoral agregado: análise comparada dos