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3A FORMAÇÃO DO ESTADO NACIONAL BRASILEIRO NO SÉCULO

3.4 A DÉCADA NEOLIBERAL DE

Retomando a conjuntura econômica e política mundial do século 20 explanada ao longo do capítulo 2, sabidamente os choques do petróleo na década de 1970 acabariam por irradiar uma crise generalizada por todo o globo. No continente latino-americano, esta mesma crise demarcou o limite do desenvolvimentismo com base no Estado gestado durante décadas. Concomitante a esta conjuntura externa, o Brasil exaltava a luta pela democratização em forte mobilização popular para dar fim à mais longa ditadura civil-militar da América. Contudo, os anos 1980 representaram um melancólico prelúdio para a democracia brasileira, pois o panorama econômico

estava determinado pelo fim do padrão de financiamento externo, a paralisia econômica e uma exultante dívida externa.

Desta forma, o futuro das políticas de desenvolvimento do país se deparou com duas possíveis agendas: a de insistir em um desenvolvimentismo superado, instável no plano macroeconômico e, muitas vezes, politicamente autoritário, ou integrar-se à conjuntura internacional que então se anunciava, marcada pelo neoliberalismo e celebrado pelos supostos êxitos colhidos no Reino Unido de Margaret Thatcher ou no Chile de Augusto Pinochet.

Historicamente, a América Latina, desde o pós-guerra, foi denominada, de forma genérica, na categoria dos developing countries (―países em desenvolvimento‖); posteriormente, com a industrialização via substituições de importações, o classificaram de new industrializedcountries (―novos países industrializados‖); já na década de 1980, em debts countries (―países devedores‖). Entretanto, foi na primeira metade dos anos 90 que as bolsas de valores eliminaram do conceito a ideia de país, ao incluir o continente no distinguido grupo mundial dos emergingmarkets (―mercados emergentes‖), impondo intensa pressão para a América Latina abrir sua economia (FIORI, 1997).

O fenômeno dos ―mercados emergentes‖ foi, portanto, uma criação do capital financeiro monopolista com o intuito de eliminar barreiras à entrada e saída instantânea de especulação financeira e de homogeneizar partes do globo em mercados potenciais. Isto explica o porquê do volume de capitais deslocados para os chamados paísesdevedores da América Latina terem crescido cinco vezes desde 1990 independentemente da base produtiva dos distintos países.

Como pontua Fiori (1997, p. 70), ―esta foi a forma em que uma fatia da América Latina chegou à era da globalização – exclusivamente financeira – que se estende e multiplica de forma exponencial‖. Desta forma, quaisquer políticas keynesianas de defesa da produção ou do emprego foram caracterizadas como inflacionistas, de forma que os mecanismos regulatórios do welfare state perderam sua vigência e passaram a ser substituídos pela desregulamentação, flexibilização e privatização, elementos inerentes à chamada globalização capitaneada pela ideologia neoliberal.

Um após o outro, os países da América Latina foram engolidos pelo consenso neoliberal. Após a experiência de crise da dívida, sucessivamente os países latino-americanos foram colocando à frente do Executivo governos notoriamente neoliberais, com exemplos como Carlos Menem, na Argentina; Carlos Salinas, no México; Alberto

Fujimori, no Peru; Rafael Caldera, na Venezuela; e, no Brasil, Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. Sem exceção, o continente reorientou seu curso econômico com a assistência dos países do chamado ―Primeiro Mundo‖, ao que Fiori (1997) chama de um ―novo colonialismo‖ sediado pelo escritório do então diretor do Fundo Monetário Internacional, Michel Camdessus. A América Latina deu as boas-vindas a investidores estrangeiros com o oferecimento das mais altas taxas de juros do mundo.

Ao tratar do desenvolvimento brasileiro na década de 1990, queremos salientar que nossa análise privilegia uma visão crítica ao neoliberalismo, pois defendemos a teoria de que nem Collor e nem Fernando Henrique lograram diminuir ou sequer atenuar o histórico déficit social brasileiro. Muito pelo contrário, trataram de aprofundar as disparidades sociais de forma substantiva, colocando à frente políticas que fragilizaram, principalmente, a classe trabalhadora. Não por acaso, ao fim do primeiro governo FHC se somava a mais alta taxa de desemprego registrada na história da República – e sabe-se do efeito multiplicador que o desemprego possui em face da questão social (NETTO, 1999).

Enquanto a hegemonia neoliberal já se impunha abertamente no México, na Argentina e no Chile, no Brasil a mesma se inicia no ano de 1990 com a eleição de Fernando Collor a Presidência da República. Para Emir Sader (2010), Collor representou a solução da direita à crise inflacionária do país, tornando o Estado o principal alvo de transformações significativas através da desregulamentação da economia: privatizações, abertura econômica, precarização das relações de trabalho, enfraquecimento do Estado e substituição do tema do desenvolvimento pelo da estabilidade monetária.

Entretanto, o Plano Collor fracassou. Acabou por resultar na retomada de um crescente processo inflacionário, como demonstra abaixo o Gráfico 1. Apesar da taxa de inflação decrescer consideravelmente no ano de 1990, no ano seguinte a mesma torna a crescer vertiginosamente. Dessa forma, o período Collor concedeu ao Brasil uma acentuada retração da atividade econômica, estagnação nos dois curtos anos de governo (interrompido por um processo de impeachment), ampliação do desemprego, elevação da pobreza e da desigualdade (MATTOSO, 2010).

Gráfico 1 – Taxa de inflação – IGP-DI (198-1994)

Fonte: FGV, (1999 apud PINHEIRO et al., 1999, p. 15).

Ainda que o impeachment de Collor tenha interrompido a primeira tentativa de imposição do modelo neoliberal ao Brasil, seu consenso já estava instalado no país, com a devida criminalização do intervencionismo via Estado e predileção pelo ―livre mercado‖. A nomeação de Fernando Henrique Cardoso como ministro da Economia no governo de Itamar Franco e sua posterior eleição como presidente permitiram consolidar este processo. Como o entorno latino-americano demonstrara, a hegemonia neoliberal crescia de forma avassaladora na região. FHC, ao impor como tema central a luta contra a inflação, retomando os temas de Collor de forma mais coerente e articulada, triunfou e fechou o período de transição democrática, no qual a hegemonia neoliberal saiu, por fim, vitoriosa (SADER, 2010).

Mesmo que essa hegemonia tenha se consolidado, de fato, durante o governo FHC, no período anterior (1990-1994) o capital especulativo estrangeiro obteve ganhos significativos: a proteção à indústria foi drasticamente reduzida, com a efetiva abolição do Anexo C, ―uma lista da qual faziam parte cerca de 1300 produtos com importação proibida em razão da produção de similar nacional‖ (CARNEIRO, 2002, p. 313).

O cronograma de abertura e desregulação previsto pelas políticas do Consenso de Washington foi, no caso brasileiro, efetivamente antecipado: no ano de 1993, o país já atingira as metas propostas em termos nominais, e a abertura da indústria nacional, em 1994, já havia

alcançado os patamares acordados no âmbito do Mercosul e que teoricamente deveriam ser atingidos apenas em 2006 (CARNEIRO, 2002).

O governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) trouxe para dentro das fronteiras brasileiras o programa de estabilização e reformas neoliberal, orquestrado por seu Plano Real, ―perfeitamente consistente com os desígnios do G-7 e da chamada comunidade financeira internacional‖ (FIORI, 1997, p. 27). FHC fez do Plano Real sua alma matere, para tal feito, valeu-se de alianças que remontaram à ―tradicional coalizão em que se sustentou o poder conservador no Brasil‖ (FIORI, 1997, p. 17), isto é, estabelecendo um governo que apontou ―ferozmente para a direita‖ (FIORI, 1997, p. 59). Para Singer (1999), foi o Plano Real quem elegeu Fernando Henrique Cardoso, inicialmente denominado ―Plano FHC‖ pela imprensa.

Vitorioso no primeiro turno das eleições, o governo FHC rapidamente deu celeridade ao projeto político financeiro da globalização sob o pretexto de ―modernização do país‖ e do ―ingresso ao Primeiro Mundo‖. Essa orientação se tornou evidente em dois aspectos: ao utilizar o Plano Real como instrumento de estabilização monetária, propiciando a abertura completa do mercado brasileiro de bens e serviços; e, conjuntamente, empregando forte redução do papel estatal, promovendo inúmeras privatizações do patrimônio público, assim como a redução ao financiamento das políticas sociais voltadas para a esmagadora massa da população a pretexto da necessidade de redução do déficit público (NETTO, 1999).

O governo FHC apostou todas suas fichas na ―modernidade‖ supostamente virtuosa da globalização financeira, com o marketing de que a mesma geraria uma nova era de avanços da razão e da técnica, sem ganhadores ou perdedores, per se benéfica ao país (MATTOSO, 1999). Desta forma, bastava ―integrar‖ o Brasil rapidamente à comunidade financeira internacional, dispensando a constituição de um projeto de desenvolvimento ou de políticas de defesa da produção e emprego nacionais. O tripé abertura econômica e financeira discriminada, sobrevalorização do real e elevados juros acabou por gerar uma profunda desestruturação produtiva que atingiu o mercado de trabalho.

3.5O GOVERNO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O