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Na manhã de 5 de Outubro de 1910 a República que, segundo a Ilustração Portuguesa “era há muito uma aspiração do povo, foi pro-clamada das janelas da Câmara Municipal”419 de Lisboa por José Relvas, perante “o delirante entusiasmo da multidão”420. No mesmo dia, na praia da Ericeira, D. Manuel, “sua mãe, sua avó e a comitiva”421, trans-portados por uma “pobre barca de pescadores”422, que “foi o derradei-ro bergantim do último rei de Portugal”423, dirigiram-se ao iate Amélia, onde já os aguardava o príncipe D. Afonso (1865-1920). A embarcação acabou por conduzir a família real ao minúsculo território britânico situado no extremo sul da Península Ibérica, Gibraltar. Daí o derradei-ro monarca luso seguiu para Inglaterra, tendo fixado residência em Fulwell Park, Twickenham, nos arredores de Londres. Apesar das in-cursões de Paiva Couceiro de 1911 e 1912 e do “Reino da Traulitânia”,

419 Ilustração Portuguesa. Lisboa: Empresa do Jornal O Século. Série II, N.º 242, segunda-feira, 10 de outubro de 1910, p. 464.

420 Ibidem.

421 Ibidem.

422 Ibidem.

423 Ibidem.

a Monarquia Portuguesa exalou o seu último sopro de vida ao “som dos trovões da Rotunda”424 e do “entrechoque das ondas do mar”425.

O Governo Provisório, constituído por homens fortes do Republi-canismo, como Teófilo Braga (presidência), António José de Almeida (Interior), Afonso Costa (Justiça), Basílio Teles (Finanças) e Bernar-dino Machado (Estrangeiros), desde logo, fixou as suas principais linhas de ação. Assim, se no plano externo, as preocupações que dominavam o ministério dos Negócios Estrangeiros se prendiam com o reconhecimento do novo regime, no plano interno, os republicanos mostravam-se, sobremaneira, interessados em erradicar símbolos e privilégios da Monarquia.

Na Europa, para além de Portugal, apenas a França e a Suíça eram Repúblicas. O gabinete de Bernardino Machado rapidamente se aper-cebeu que o relacionamento externo de Portugal dependia largamen-te da atitude do governo inglês. Por isso, não obstanlargamen-te, as desconfian-ças em relação ao respeito britânico pela integridade do império colonial português e à concessão do estatuto de exilado a D. Manuel II, aquele que haveria de ocupar, por duas vezes, a cadeira da presi-dência da República, não hesitou em favorecer as relações com Londres, por forma a conseguir os seus intentos. Esta ligação privilegiada com o Foreign Office acabaria por prevalecer ao longo de toda a história diplomática da Primeira República – muito embora houvesse quem advogasse uma relação dominante com Paris, sendo João Chagas (1863-1925), ministro plenipotenciário nessa capital desde abril de 1911426, o principal defensor dessa tese427.

424 HOMEM, Amadeu Carvalho e RAMIRES, Alexandre – Ob. cit., p. 226.

425 Ilustração Portuguesa. Lisboa: Empresa do Jornal O Século. Série II, N.º 242, segunda-feira, 10 de outubro de 1910, p. 464.

426 NOVAIS, Noémia Malva – João Chagas. A Diplomacia e a Guerra (1914-1918).

Coimbra: Minerva, 2006, p. 29.

427 Cf. SERRA, João B. – “A evolução política (1910-1917)”. In ROSAS, Fernando e ROLLO, Maria Fernanda (coord.) – História da Primeira República Portuguesa. Lisboa:

Edições Tinta da China, 2009, p. 94.

Por cá, entre as medidas tomadas para suprimir os privilégios do regime deposto contaram-se a extinção do Conselho de Estado e da Câmara dos Pares, a demissão dos funcionários ao serviço das casas reais, a supressão dos títulos nobiliárquicos, das distinções honoríficas e dos direitos de nobreza, a proscrição ad aeternum da família de Bragança e a adoção de novos símbolos nacionais (hino e bandeira)428.

O Governo Provisório levou ainda a cabo uma política de pro-funda laicização, que se apresentou como a concretização das ideias defendidas pelos republicanos nas últimas décadas do século XIX429. No imediato, foram expulsos os jesuítas e extintas as ordens religio-sas; laicizados os feriados religiosos e abolido o juramento religioso;

suprimido o ensino da doutrina cristã nas escolas primárias e nas escolas normais; e extinta a Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra. A 3 de novembro e a 25 de dezembro de 1910 foram publicadas, respetivamente, a Lei do Divórcio e as Leis da Família.

Estes diplomas que contrariavam completamente os valores do Por-tugal conservador, representavam uma rutura com o passado, pois dispensavam, embora sem abolir, toda e qualquer legitimação de índole religiosa.

Como corolário do movimento de secularização e, com o objetivo de acabar com as “ligações perigosas” mantidas entre o Estado e a Igreja Católica durante o período da Monarquia, foi publicada no Diário do Governo, n.º 92, de 21 de abril de 1911, a Lei de Separação do Estado das igrejas, decretada a 20 de abril. Da autoria do ministro da Justiça Afonso Costa, o diploma430 apartava a religião da esfera política e colocava em pé de igualdade todos os credos e todas as

428 Cf. Idem – Ibidem.

429 Cf. NETO, Vítor – “A questão religiosa: Estado, Igreja e conflitualidade sócio-re-ligiosa”. In ROSAS, Fernando e ROLLO, Maria Fernanda (coord.) – História da Primeira República Portuguesa. Lisboa: Edições Tinta da China, 2009, p. 132.

430 A redação da Lei de Separação do Estado das Igrejas foi influenciada pelo con-teúdo do relatório de Aristide Briand (1862-1932), que serviu de base à lei homónima publicada em França, a 9 de dezembro de 1905. Cf. NETO, Vítor – Ob. cit., p. 134.

confissões religiosas. Contudo, na prática, a promulgação da Lei tinha um outro objetivo bastante mais concreto: estancar a excessiva inter-venção da Igreja na vida pública, uma vez que esta era, segundo os republicanos, a grande razão para a sociedade e o país se encontra-rem em tal estado de atraso e decadência.

Como seria de esperar, a publicação do diploma deu origem a fortes protestos, não só por parte dos meios católicos nacionais e de Roma, mas também da própria população, que perduraram, “pelo menos, até à ditadura de Sidónio Pais”431. Maioritariamente rural e analfabeta, aquela continuava a obedecer à hierarquia eclesiástica e tinha hábitos extremamente enraizados432, que se mostrariam mui-to difíceis de mudar, ao contrário do que profetizara Afonso Costa:

“a ação da medida será tão salutar, que em duas gerações Portugal terá eliminado completamente o catolicismo, que foi a maior causa da desgraçada situação em que caiu”433.

A Constituição, aprovada a 21 de agosto de 1911, acabaria por con-firmar a separação, entendida como uma consequência da liberdade de consciência e de crença. Inspirado pela prática da Terceira Repú-blica Francesa, o texto constitucional apontava, “para o laicismo, a igualdade social e o direito à resistência, como normas fundadoras do novo regime, para além dos tradicionais direitos à liberdade, à segu-rança e à propriedade”434. Como novidades no campo dos direitos e

431 Cf. Idem – Ob. cit., p. 136. A propósito de Sidónio Pais consulte-se a obra de DIAS, Armando Malheiro – Sidónio e Sidonismo. Vols. I e II. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006

432 Como, por exemplo, o toque dos sinos, as procissões e a colocação de emble-mas religiosos sobre as fachadas dos monumentos públicos ou dos edifícios privados.

433 O Tempo. Lisboa: Ano 1.º, N.º 12, segunda-feira, 27 de março de 1911, p. 1.

434 FARINHA, Luís – “O Regime Republicano e a Constituição de 1911 – Entre a “Di-tadura do Legislativo” e a “Governação em Di“Di-tadura”: Um equilíbrio difícil”. In Historia Constitucional: Revista Eletrónica de Historia Constitucional. Oviedo: Universidad de Oviedo. Area de Derecho Constitucional

Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Nº. 13, 2012, p. 603. Disponível em http://www.historiaconstitucional.com [consulta efetuada em 18 de março de 2013].

das garantias individuais encontravam-se ainda a igualdade religiosa, a abolição da pena de morte para todos os crimes e o habeas corpus.

Os constituintes de 1911 diminuíram “os poderes do presidente da República e retiraram-lhe o poder de dissolução (até 1919)”435, intro-duziram “uma (ainda tímida) fiscalização judicial da constitucionalidade”436 e optaram “por impor normas rígidas às futuras revisões constitucionais (de modo a evitarem a sua alteração)”437. Valorizaram “todas as forças de representação parlamentar (plenitude da competência legislativa) e de participação popular (sufrágio, petição e ação popular)”438, ao mes-mo tempo que minimizaram “a ação governamental, dependente for-malmente do presidente da República, mas na verdade sujeita aos con-vénios partidários parlamentares”439.

Como questão cara que era ao ideário republicano, a Constituição consagrou ainda o ensino primário elementar como obrigatório e gra-tuito. Foi, aliás, no campo da educação “indispensável ao ressurgimen-to nacional”440 que a ação republicana se iniciou muito precocemente, ainda na última década do século XIX. Com a chegada ao poder e, perante uma realidade que afastava o país da maioria dos seus congé-neres europeus, essa ação intensificou-se, tendo o combate ao analfa-betismo constituído uma das grandes bandeiras dos diversos governos.

Deste modo, optou-se pelo recurso às “escolas temporárias móveis, em especial para o ensino de adultos”441 e apostou-se na expansão da rede escolar primária. No entanto, se as escolas móveis alcançaram sucesso,

435 Idem – Ob. cit., p. 602.

436 Idem – Ibidem.

437 Idem – Ibidem.

438 Idem – Ibidem.

439 Idem – Ibidem.

440 PROENÇA, Maria Cândida – “A educação”. In ROSAS, Fernando e ROLLO, Maria Fernanda (coord.) – História da Primeira República Portuguesa. Lisboa: Edições Tinta da China, 2009, p. 169.

441 MARQUES, A. H. de Oliveira – A Primeira República Portuguesa (para uma visão estrutural). 1.ª Edição. Lisboa: Livros Horizonte, 1971, p. 108.

tendo, segundo José Salvado Sampaio, frequentado este ensino, entre 1913 e 1930, 200 mil alunos, dos quais obtiveram aproveitamento cerca de 100 mil442, o crescimento da rede escolar primária não conseguiu atingir a desejada cobertura de todo o país: “continuaram a existir, principalmente, no interior, muitas regiões sem escolas, e as condições materiais do parque escolar também não obtiveram uma considerável melhoria”443. Para a conveniente preparação dos professores primários,

“foram criadas numerosas escolas normais, com métodos de ensino e apetrechamento atualizados”444.

No que concerne ao ensino secundário, apesar de este não ter merecido por parte da República a atenção que seria de esperar, au-mentou-se substancialmente o número de professores, sendo estabe-lecidas duas escolas normais superiores para a sua preparação (inte-gradas nas Universidades de Lisboa e de Coimbra). Mais importantes foram as reformas do ensino técnico e profissional, levadas a cabo na sequência dos decretos de António José de Almeida (1911) e Alfredo de Magalhães (1918)445. “Por todo o país foram sendo inauguradas diversas escolas técnicas agrícolas, comerciais e industriais”446 e as-sistiu-se a um crescimento notável do número de alunos matriculados neste nível de ensino447.

442 Cf. SAMPAIO, José Salvado – “Escolas Móveis – contribuição monográfica”. In Boletim Bibliográfico e Informativo. Lisboa: C.I.P. Gulbenkian, N.º 9, 1969, pp. 9-28.

443 PROENÇA, Maria Cândida – “A educação”…, p. 177.

444 MARQUES, A. H. de Oliveira – A Primeira República…, p. 109.

445 Na sequência do primeiro assistiu-se à transformação do Instituto Industrial e Comercial em duas escolas, elevadas a nível universitário, o Instituto Superior Técnico e o Instituto Superior do Comércio. Também a Escola de Agronomia e veterinária foi desdobrada nos novos Instituto Superior de Agronomia e Escola de Medicina veteri-nária, ambas com categoria superior. Cf. Idem – Ibidem. O segundo diploma, datado de 14 de julho de 1918, assinado pelo ministro da Instrução Pública Alfredo de Maga-lhães, reformou o ensino técnico e fundou um segundo Instituto Superior de Comércio, no Porto. Cf. PROENÇA, Maria Cândida – “A educação”…, p. 179 e MARQUES, A. H. de Oliveira – A Primeira República Portuguesa…, p. 109.

446 Idem – Ibidem.

447 Cf. PROENÇA, Maria Cândida – “A educação”…, p. 180.

No ensino superior foram criadas duas novas universidades, uma com sede em Lisboa e outra no Porto. Em Coimbra foi criada a Fa-culdade de Letras, que substituiu a extinta FaFa-culdade de Teologia.

A maior oferta universitária e a completa reestruturação deste setor – com novos planos de estudos, aumento substancial dos quadros docentes e moderno apetrechamento científico – viriam a provocar um considerável aumento na frequência deste nível de ensino: entre 1911/1912 e 1925/1926 assistiu-se a um crescimento de 239%448.

Assistiu-se, de igual modo, a um acréscimo da frequência femi-nina nos diversos níveis de ensino, como resultado do desenvolvi-mento social e económico e da ação de diversas associações femi-ninas, com relevo para a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.

Decretou-se ainda o primeiro Acordo Ortográfico, que procurou

“modernizar” a escrita da Língua Portuguesa e, deste modo, tornar mais fácil a aprendizagem da mesma pelas massas.

No plano social, apesar dos republicanos terem tentado responder às reivindicações dos trabalhadores, diminuir as injustiças sociais e melhorar as condições de trabalho, muitos foram aqueles que acaba-ram profundamente desiludidos com este regime político, por enten-derem que aquilo que a República fez foi insuficiente. A primeira deceção aconteceu em dezembro de 1910, com o decreto que regu-lamentava o direito à greve, que ficou conhecido como “o decreto--burla”. “Muito embora, a greve fosse descriminalizada, impuseram--se condicionamentos que dificultaram a sua concretização”449, o que defraudou, em muito, as expectativas do mundo operário. Mais tarde, em janeiro de 1911 foi decretado o descanso semanal obrigatório, de

448 Cf. NÓVOA, António – “A República e a escola: das intenções generosas ao de-sengano das realidades”. In Reformas de Ensino em Portugal. Reforma de 1911. Lisboa:

I.I.E., 1989, p. XXVIII.

449 SAMARA, Maria Alice – “A questão social: à espera da «Nova Aurora»”. In RO-SAS, Fernando e ROLLO, Maria Fernanda (coord.) – História da Primeira República Portuguesa. Lisboa: Edições Tinta da China, 2009, p. 157.

preferência aos domingos, o que motivou, uma vez mais, o vivo pro-testo dos trabalhadores. A Lei de julho de 1913, que previa o princí-pio da responsabilidade patronal nos acidentes de trabalho, teve sempre uma aplicação limitada, porque os Tribunais de Desastres do Trabalho nela previstos funcionaram sempre de forma irregular e precária. E o pacote legislativo, com verdadeiro significado para as

“forças vivas” do trabalho, só foi publicado depois do final da Pri-meira Guerra Mundial. Assim, só em 1919, os gabinetes de Augusto Dias da Silva e Domingos Pereira (1882-1956) aprovaram a construção de bairros sociais, o horário de oito horas de trabalho diário e de 48 horas de trabalho semanal, os seguros sociais obrigatórios, os sub-sídios na velhice, na invalidez e na doença, e o apoio económico às mulheres grávidas necessitadas.

Em face do desencanto sucederam-se as greves, fruto de um movimento operário cada vez mais combativo e do desenvolvimen-to do associativismo nos meios rurais. O muidesenvolvimen-to elevado número de greves mostra, para José Manuel Tengarrinha, que não foi a Primeira República que não conseguiu dominar o movimento ope-rário, mas sim que foi este, “sem organização forte, sem objetivos políticos, sem um partido político que disputasse o Poder, que não conseguiu traduzir a nível político a inegável influência que exer-cia no plano soexer-cial”450.

Para além desta difícil relação com os operários organizados e com os trabalhadores – aos quais o poder republicano não poupou críticas451 – as divergências, no seio dos republicanos que levaram a importantes cisões no campo político, enfraqueceram – e muito – o

450 TENGARRINHA, José Manuel – Estudos de História Contemporânea de Portu-gal. Lisboa: Editorial Caminho, 1983, p. 83.

451 “Da parte do poder, foi sendo criada uma ideia de que estes se articulavam com outros conspiradores contra o regime e, na conjuntura da guerra, chegou a ser referido que os operários eram pagos com ouro alemão”. In SAMARA, Maria Alice – “A questão social: à espera da «Nova Aurora»”…, p. 159.

regime recém-implementado. Momento decisivo para a rutura dentro do Partido Republicano Português foi o da eleição do primeiro pre-sidente, Manuel de Arriaga, a 24 de agosto de 1911. Apoiado por António José de Almeida e Brito Camacho – “o «Bloco» conservador”452 –, o escritor e político de origem açoriana derrotou Bernardino Ma-chado, o candidato de Afonso Costa, “num ambiente de recriminações entre o «Bloco» e o grupo parlamentar «democrático»”453.

Na sequência desta desinteligência, entre setembro de 1911 e fe-vereiro de 1912, foram lançadas as bases dos três principais partidos do republicanismo constitucional: o Partido Democrático, de Afonso Costa, herdeiro das estruturas do velho Partido Republicano Portu-guês; o Partido Evolucionista, de António José de Almeida; e a União Republicana (unionistas), de Manuel Brito Camacho454. No rescaldo da Primeira Guerra Mundial e do sidonismo, com cisões, fusões e a emergência de novos agrupamentos políticos, o campo republicano multiplicou-se numa profusão de partidos.

A estas divergências somou-se a pressão por parte dos monárqui-cos, que se organizaram especialmente na Galiza, de onde partiram as duas incursões de Paiva Couceiro. O governo português estava, internacionalmente, isolado: a Inglaterra olhava com desconfiança para o novo regime; a Espanha, depois de ter perdido o seu império, observava com vívido interesse a instabilidade política portuguesa455; e a Alemanha, em face das suas pretensões expansionistas em África, acompanhava o desenrolar da governação do país com redobrada

452 MARQUES, A. H. de Oliveira – A Primeira República Portuguesa (para uma visão estrutural)…, p. 131.

453 SERRA, João B. – Ob. cit., p. 103.

454 A União Nacional Republicana, que se cindira do Partido Republicano Portu-guês em outubro de 1911, rapidamente se dividiu em dois pequenos partidos (1912):

Evolucionista, constituído em torno da figura de António José de Almeida, e Unionista, em volta de Brito Camacho.

455 Tanto a primeira, como a segunda incursões de Paiva Couceiro originaram pro-testos diplomáticos junto do governo espanhol.

atenção, tentando, através, de negociações com os ingleses, fazer reverter para si parte do património colonial luso.

Em janeiro de 1913, os democráticos alcançaram o poder, tendo o primeiro ministério de Afonso Costa – que durou 13 meses (janei-ro de 1913 a feverei(janei-ro de 1914) –, conseguido conter o défice orça-mental e equilibrar as contas públicas. A este seguiram-se os gover-nos de Bernardino Machado (fevereiro a dezembro de 1914), que se confrontou com o deflagrar da guerra na Europa, e de Vítor Hugo de Azevedo Coutinho (dezembro de 1914 a janeiro de 1915), que ficou conhecido como o executivo “de «Os Miseráveis», em alusão ao nome do seu presidente”456.

Este consulado, “que era veladamente comandado por Afonso Costa”457, atingido logo na sua génese por uma crise de legitimidade constitucional458, não sobreviveria ao chamado «Movimento das Espa-das», um protesto de oficiais levado a cabo “entre 20 e 22 de janeiro, contra uma transferência de um seu camarada, alegadamente por mo-tivos políticos”459. O protagonista do movimento foi, uma vez mais, Machado Santos460. Após a apresentação do pedido de demissão do governo de Azevedo Coutinho, o chefe de Estado, Manuel de Arriaga, encarregou o general Joaquim Pereira Pimenta de Castro (1846-1918) da formação de um novo ministério. O gabinete de Pimenta de Castro, desde muito cedo apodado de ditadura – a primeira do republicanismo

456 SERRA, João B. – Ob. cit., p.117.

457 NAVARRO, Bruno J. – Governo de Pimenta de Castro. Um General no Labirinto Político da I República. Lisboa: Assembleia da República, 2011, p. 55.

458 No próprio dia da apresentação do novo governo ao Congresso foi aprovada, no Senado, uma moção de desconfiança apresentada por Miranda do Vale. Cf. Idem – Ibidem.

459 SERRA, João B. – Ob. cit., p.116.

460 Muito embora tivesse sido eleito deputado às Constituintes, Machado Santos cedo manifestou sinais de desagrado face ao andamento da política na República, expressando a sua opinião no jornal que funda e dirige, O Intransigente, e passando da palavra aos atos, organizando ou participando em vários movimentos insurrecionais: abril de 1913;

janeiro de 1914; o “Movimento das Espadas”, em 1915; Tomar, em 1916 tendo e participan-do no golpe siparticipan-donista, em 1917.

português –, por impedir o funcionamento do Congresso da Repúbli-ca e por imiscuir-se na atividade legislativa461, manteve-se em funções até à revolução de 14 de maio de 1915.

A revolta que estalou em Lisboa contra a “afrontosa ditadura”, embora rápida, não deixou de ser bastante violenta, saldando-se em centenas de mortos e feridos. Perante a desproporção de forças que não estava a seu favor, o governo de Pimenta de Castro demitiu-se ao final da tarde do dia 14, e Manuel de Arriaga apresentou a sua resig-nação. A Junta Revolucionária, organizada dias antes do golpe e cons-tituída quase exclusivamente por militares462, como o major do Esta-do-Maior Norton de Matos, impôs um novo ministério que acabaria por ser presidido por José de Castro, vice-grão-mestre da Maçonaria463.

Este manter-se-ia em funções até 29 de novembro de 1915, altura em que Afonso Costa, já restabelecido de uma fratura de crânio464, assumiu a presidência do seu segundo consulado, constituído, na íntegra, por democráticos. Consultado, cerca de um mês depois, pelo Foreign Office, sobre a possibilidade de o governo português requi-sitar os navios mercantes alemães estacionados em portos nacionais (continente, ilhas e ultramar), fazendo saber que estes seriam de grande utilidade no esforço de guerra de Sua Majestade, a 23 de fevereiro de 1916, Afonso Costa ordenou a apreensão dos vapores

461 Que era prerrogativa exclusiva do Parlamento, nomeadamente com a publica-ção de uma nova lei eleitoral (24 de fevereiro de 1915). Cf. NAVARRO, Bruno J. – Ob.

cit., p. 158.

462 O único civil que integrava a Junta Revolucionária do 14 de maio era António Maria da Silva.

463 O ministério imposto pela Junta Revolucionária deveria ter a chefiá-lo João Cha-gas. No entanto, não chegou a tomar posse do cargo, pois foi vítima de um atentado, ficando gravemente ferido e cego de um olho. Cf. SERRA, João B. – Ob. cit., p.118.

464 No dia 3 de julho de 1915, Afonso Costa, ao julgar-se vítima de um atentado num elétrico a caminho do Dafundo, atirou-se pela janela do mesmo, fraturando o crânio e ficando alguns dias no hospital de S. José, às portas da morte. O desastre deu origem a uma “maldosa adivinha rimada que perguntava: «Qual é coisa, qual é ela, que entra pela porta e foge pela janela?»”. Cf. MEDINA, João – Portuguesismo(s). Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa, 2006, p. 283.

germânicos fundeados nos portos nacionais e coloniais. A 9 de mar-ço, a Alemanha respondeu com uma declaração formal de guerra, que foi seguida da imediata partida de Lisboa do ministro plenipo-tenciário alemão (10 de março)465. Como corolário, no dia 16 de março, foi constituído o governo da União Sagrada, integrado por democráticos e evolucionistas, escusando-se os unionistas de Brito Camacho a aderir e mantendo acesa a sua crítica à participação de Portugal no conflito, pelo menos no teatro de guerra europeu.

No entanto, a partir de 9 de março de 1916, a prioridade das prio-ridades no campo governativo havia passado a ser a constituição e a organização de um corpo expedicionário466. Sob a direção do minis-tro da Guerra, o general Norton de Matos, os preparativos seguiram o seu curso e, após uma instrução preliminar em quartéis das divisões de Tomar, Coimbra e Viseu, os militares mobilizados convergiram para Tancos, onde se fez a concentração e a instrução final antes do embarque para o front – “Milagre de Tancos”467. A partida do primei-ro contingente468 para França ocorreu no dia 30 de janeiro de 1917.

Contudo, a preparação e a partida do Corpo Expedicionário Portu-guês para as trincheiras da Flandres foram feitas num ambiente hostil.

A esmagadora maioria dos portugueses, analfabeta ou quase, ignora-va quem eram os beligerantes, quais as origens e as motiignora-vações do conflito. Por isso, não compreendia por que é que milhares de jovens compatriotas deviam arriscar a vida por uma causa que lhes era alheia.

E se a defesa das colónias em África, a explicação mais corrente, até

465 Sidónio Pais, ministro plenipotenciário português na Alemanha também aban-donou Berlim.

466 Cf. SERRA, João B. – Ob. cit., p. 120.

467 Maior operação de relações públicas e propaganda jamais organizada pelo exérci-to em Portugal com o fim de apresentar ao país e ao mundo o “milagre” da “ressurreição”

do exército português, após apenas três meses de treinos em Tancos.

468 No dia 30 de janeiro de 1917, a 1.ª Brigada do Corpo Expedicionário Português (CEP), sob o comando de Gomes da Costa, partiu para França. O CEP ocupou um setor em Artois, perto de Armentiêres, junto dos britânicos.