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Foi no Porto, num dos quartos do número 495 da Rua de Cedo-feita, transformado à pressa em sala de partos, que, pelas três e meia da tarde do dia 11 de janeiro de 1883, Isabel Maria Coelho Forte de Sousa Sampaio, na altura com 32 anos de idade, deu à luz um bebé do sexo masculino, que viria a ser, para além de jornalista e político – carreiras que iniciou ainda nos tempos da Monarquia – diplomata e figura grada da propaganda do Estado Novo.

Para essa quinta-feira, aquele que viria a ser durante três décadas e meia o “seu” jornal”, o Diário de Notícias, previa céu nublado e vento fresco, soprando predominantemente do quadrante sudoeste.

Os rigores do inverno fizeram-se, no entanto, sentir muito mais do que o previsto: um enorme temporal abateu-se sobre toda a região da Serra da Estrela e a agitação marítima provocou inúmeros estragos em barcos, nacionais e estrangeiros, que se encontravam fundeados ao largo da costa.

O único filho varão de Augusto Maria de Castro e de Isabel Maria Coelho Forte de Sousa Sampaio descendia, por via paterna, de Vasco Anes Corte-Real, filho primogénito do navegador português João Vaz Corte-Real, que terá estado ligado ao descobrimento da Terra Nova e da Península do Labrador e à exploração do Canadá. A linha da

família paterna cruzava-se ainda com a de uma das figuras mais controversas e carismáticas da História Portuguesa, a do Marquês de Pombal, por via de um terceiro avô, Sebastião de Carvalho.

Mais recentemente integravam “a galeria de notáveis”26 Francis-co Joaquim de Castro Pereira Corte-Real, FrancisFrancis-co de Castro Ma-toso e José Luciano de Castro, respetivamente, avô e tios paternos do recém-nascido.

Francisco Joaquim de Castro Pereira Corte-Real, último adminis-trador da Casa e Morgado da Oliveirinha, era um homem conhecido pelas suas ideias conservadoras, sendo descrito, num texto da épo-ca, como “orador de raça”27, “temente a Deus e defensor dos pre-ceitos bíblicos, que no «Velho Testamento» recomendavam com fre-quência que aos meninos não se poupasse a vara do castigo”28. Exerceu a sua influência a nível local: foi vogal da Junta Governati-va de Aveiro, em 1845, e presidente da Câmara Municipal da mesma localidade, de 1857 a 1858. Tomou ainda “parte em todos os grandes movimentos políticos da sua época”29.

Francisco de Castro Matoso formou-se em Direito em 1854 e seguiu a carreira da magistratura, primeiro como delegado do procurador régio na Feira e depois como juiz de 3.ª classe nas comarcas de Nisa e Benavente (1864 e 1865). Procurador régio do Tribunal da Relação do Porto desde 1866, atingiu o posto de juiz de 2.ª classe em 1870, seguindo nesse ano para Sintra e depois para o Porto. Em 1885 subiu ao Tribunal da Relação dos Açores e, no mesmo ano, transitou para

26 COUTINHO, Francisco de Moura – “Casa Solar da Oliveirinha.” Arquivo do Dis-trito de Aveiro. Revista Trimestral para Publicação de Documentos e Estudos relativos ao Distrito. Coimbra: Francisco Ferreira Alves. dezembro de 1944. Vol. X: N.º 39, p. 244.

27 CERQUEIRA, Eduardo Ferreira – “O Aveirense Francisco de Castro Matoso visto através de uma homenagem dos seus conterrâneos.” Arquivo do Distrito de Aveiro. Re-vista Trimestral para Publicação de Documentos e Estudos relativos ao Distrito. Coimbra:

Francisco Ferreira Alves. 1974. Vol. XL: N.º 158, p. 92.

28 Idem – Ob. cit., p. 93.

29 Idem – Ibidem.

o de Lisboa, chegando a presidente desse órgão em 1901. No mesmo ano ascendeu ao lugar de juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Foi ainda chamado a participar na Comissão do Código Penal (1888) e na Comissão da Reforma Judiciária (1890).

Ligado desde muito novo à política, integrou as fileiras do Partido Histórico, colaborando em alguns atos eleitorais. Contudo, só a par-tir de 1884 se dispôs a ser candidato a deputado, pelo Partido Pro-gressista, pelos círculos onde era, reconhecidamente, influente: pri-meiro por Aveiro (1884) e, depois, sempre por Coimbra (1887, 1889, 1890, 1892, 1894 e 1897). Nomeado par do Reino, por Decreto de 17 de março de 1898, exerceu o cargo de vice-presidente em ambas as câmaras do Parlamento.

Não obstante a sua militância no Partido Progressista, “Castro Matoso sempre se bateu por um estatuto de independência, para não ser visto apenas como uma projeção da voz de seu irmão”30, José Luciano de Castro.

Apesar de estabelecido na capital, nas férias ou quando a opor-tunidade se proporcionava, deslocava-se a Aveiro, até à sua quinta da Oliveirinha, recebida em herança por ser o mais velho dos va-rões. Esta ligação, que cultivou e manteve durante toda a sua exis-tência ao concelho de Aveiro, levou-o a assumir a presidência da Comissão para a edificação do novo hospital da cidade e a apoiar as construções da ponte de S. João de Loure sobre o rio Vouga, e da estação de caminho de ferro de Quintãs. Também nas dezenas de intervenções que fez, tanto na Câmara dos Deputados, como na Câmara dos Pares, sobressaiu a defesa dos interesses das regiões de Aveiro e de Coimbra.

Por seu lado, o irmão, José Luciano de Castro, também se esfor-çaria por conservar o seu vínculo ao concelho de Aveiro. Tendo-se radicado, na sequência do casamento, em Anadia, vila à qual se

30 Idem – Ob. cit., pp. 835-836.

deslocava frequentemente, o seu domicílio em plena Bairrada atraiu a esta região diversas personalidades:

À casa de Anadia, onde o ilustre chefe do partido progressista convalesce de uma doença pertinaz que, felizmente está vencida pela robusta organização do enfermo e pelos carinhosos afetos de família que o cercam, foram Suas Altezas Reais, há dois dias, testemunhar a sua solicitude pelo estado de saúde daquele lealíssimo servidor da monarquia e honrado português, que tem consagrado toda a sua existência já longa, desde o alvorecer da mocidade, à causa pública e ao serviço das nossas instituições31.

A Casa de Anadia, a que se chegou a chamar a corte de Anadia, foi o último centro político de Portugal. Figuras do Governo e figuras da oposição, figuras da literatura e do jornalismo, desse período da sociedade portuguesa, passaram por lá32.

Bacharel formado em Direito, em 1854, terá tido “uma fugaz pas-sagem pela maçonaria, com o nome simbólico de Washington, na loja Pátria e Caridade”33, do Grande Oriente de Portugal (foi iniciado maçon em 1852 ou 1853). Foi ainda nos tempos da Universidade que se dedicou ao jornalismo, colaborando com O Observador e o Co-nimbricense. No mesmo período foi redator principal do Campeão do Vouga – mais tarde continuado pelo Campeão das Províncias –, periódico “bissemanário político, literário e comercial”34, que ajudou

31 “Visita de Príncipes.” A Província. Porto: António Alves da Silva. Ano XVIII, N.º 217, quinta-feira, 24 de setembro de 1903, p. 1.

32 CASTRO, Augusto de – A Tarde e a Manhã. Lisboa: Empresa Nacional de Publi-cidade, 1949, p. 85.

33 MÓNICA, Maria Filomena (coord.) – Ob. cit., p. 836.

34 O Campeão do Vouga. Aveiro: José Maria de Almeida Teixeira de Queirós. Ano I, N.º 1, sábado, 14 de fevereiro de 1852, p. 1.

a fundar em Aveiro, em estreita colaboração com o amigo e conter-râneo José Maria Teixeira de Queirós, pai do escritor Eça de Queirós.

A sua propensão para o periodismo levou-o ainda a cooperar, no Porto, com o Comércio do Porto e o Nacional e, em Lisboa, com a Gazeta do Povo, o País e O Progresso. Na Cidade Invicta criou o Jor-nal do Porto (1859), onde travou conhecimento com Ramalho Ortigão.

Na capital esteve ligado à fundação do Correio da Noite (1881), futu-ro jornal oficioso do Partido Pfutu-rogressista.

Simultaneamente, na década de cinquenta e ainda na urbe por-tuense, José Luciano de Castro começou a advogar no escritório de Sebastião de Almeida e Brito. Entre 1891 e 1895 acabaria por retomar o exercício dessa atividade, desta feita em Lisboa, sendo, em 1892, nomeado vogal efetivo do Supremo Tribunal Administrativo.

Dedicou-se, desde muito cedo, à política. Logo em 1855 foi eleito deputado pelo círculo plurinominal da Feira. Até 1887 seria, suces-sivamente, eleito pelos círculos uninominais da Feira, Vila Nova de Gaia, Viana do Castelo e Anadia.

Nomeado, em 1863, diretor-geral dos Próprios Nacionais, seis anos mais tarde seria chamado pelo Duque de Loulé para mi-nistro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça (1869-1870). Quan-do o PartiQuan-do Progressista, que tinha ajudaQuan-do a fundar, chegou ao poder, em 1879, ocupou o cargo de ministro do Reino (1879-1881), a principal pasta política do governo de Anselmo José Braamcamp.

Após a morte deste último, assumiu a liderança do partido. Esta chefia permitir-lhe-ia exercer as funções de presidente do Conse-lho de ministros durante três períodos – 1886-1890, 1897-1900 e 1904-1906. Era exatamente esse o cargo que ocupava quando, a 11 de janeiro de 1890, Portugal recebeu o Ultimato Inglês. Deste viria a resultar a queda do seu governo e o início de uma longa crise política, que acabaria por desembocar na queda da Monarquia e na Implantação da República, a 5 de Outubro de 1910.

A influência política exercida por José Luciano de Castro seria decisiva para a carreira de Augusto de Castro. A proteção oferecida pelo tio paterno abrir-lhe-ia as portas da direção do jornal A Provín-cia, órgão progressista, do hemiciclo e da Caixa Geral de Depósitos e Instituições de Crédito e Previdência.

Por via materna, os ascendentes ilustres do recém-nascido não eram tão numerosos, havendo, todavia, a destacar o bisavô, Francis-co Coelho de Sousa e Sampaio, lente da Universidade de Coimbra, autor de Preleções de direito pátrio público e particular, oferecidas ao Sereníssimo Senhor D. João Príncipe do Brasil, obra em que pro-curou definir o modo de ação do poder político do Estado Moderno.