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PARTE II ESTUDO EMPÍRICO

9. D ISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados obtidos através da análise de conteúdo permitiram dar resposta aos objetivos de investigação delineados no início do estudo.

Deste modo, através do discurso dos participantes, conclui-se que as informações que receberam sobre o seu diagnóstico de perturbação mental foram inexistentes e pouco claras. Do mesmo modo podemos falar da inclusão dos participantes na escolha do tratamento mais adequado ao seu caso e a explicação do mesmo. O facto de não se incluir os utentes na escolha do tratamento e de não se explicar claramente em que o tratamento consiste é contraditório com um dos valores básicos da Reabilitação Psicossocial (Tabela 1) que indica que o indivíduo deve ser ativamente envolvido no tratamento e deve ser-lhe dada a possibilidade de escolha. A não inclusão do utente nas opções e informação sobre o tratamento vai também contra um dos princípios da Reabilitação Psicossocial que refere que a pessoa deve ser envolvida nas decisões que dizem respeito ao seu tratamento (Tabela 1).

A falta de informação sobre o tratamento e de inclusão na escolha do mesmo, quer este seja somente através de farmacoterapia ou através da combinação desta com outro tipo de terapias (terapêutica cruzada), vai contra as recomendações enunciadas pela Federação Nacional das Associações de Famílias Pró-Saúde Mental (2007) que refere

que, tanto o utente como os seus familiares, devem ser incluídos e informados sobre as decisões que dizem respeito ao seu tratamento.

Quanto ao objetivo de perceber de que modo os participantes consideram que a sua participação e a participação dos seu familiares e/ou cuidadores pode ser mais ativa no processo de tratamento, o discurso dos participantes permite-nos perceber que a sua participação e a dos seu familiares é essencial para a melhoria do seu estado de saúde mental. De facto, a opinião dos participantes converge com os objetivos, valores e princípios da Reabilitação Psicossocial (resumidos na Tabela 1), bem como às evidências da literatura que referem que a participação ativa no tratamento das pessoas que sofrem de doença mental é benéfica para a melhoria do seu estado psicopatológico (LaBoube et al., 2012).

No que diz respeito à participação da família no tratamento, os entrevistados referiram também que a participação destes é essencial para lidarem melhor com a doença mental. Esta participação por parte da família foi evidenciada pelos entrevistados através da valorização da prestação de ajuda familiar no apoio para lidar com a doença mental e a necessidade destes terem acesso a formação sobre a doença mental. Foi também evidenciada a necessidade da participação dos familiares em grupos terapêuticos inseridos nas estruturas de tratamento oferecidas pelas instituições de Saúde Mental. A opinião dos participantes no estudo converge com as orientações da Federação Nacional das Associações de Famílias Pró-Saúde Mental (2007) sobre a participação dos familiares no processo de tratamento do utente. Estas orientações referem que a família constitui um recurso de apoio das pessoas com doença mental e que esta tem direito não apenas à informação sobre os direitos do utente no que diz respeito aos planos de tratamento, como também ao acesso à formação e apoio necessários para lidar com a doença mental.

O último objetivo propunha averiguar de que modo as estruturas de Reabilitação Psicossocial têm um papel preponderante na vida destas pessoas no processo de tratamento. É interessante notar que os entrevistados referiram que a frequência em estruturas terapêuticas que caracterizam a intervenção dentro da Reabilitação Psicossocial, como é o caso dos grupos e atividades terapêuticas e o apoio da instituição que frequentam, são essenciais à manutenção do seu estado de Saúde Mental.

Ainda neste ponto, evidenciaram a instituição que frequentam como um pilar fundamental no seu processo de tratamento. Deste modo, é de salientar a importância que a instituição de tratamento teve no discurso dos participantes, como componente essencial à manutenção do seu estado de Saúde Mental e na melhoria da qualidade de vida dos

utentes. A instituição foi referida amplamente pelos participantes do estudo sempre como algo positivo e preponderante nas suas vidas e das suas famílias. Um dos motivos que talvez explique este aspeto, e que emerge do discurso dos entrevistados, poderá estar relacionado com o acompanhamento personalizado e regular que é efetuado na instituição através da disponibilização de psicoterapia, grupos terapêuticos, sessões de formação e outras atividades terapêuticas que os utentes referiram. Este aspeto sublinhado pelos participantes reforça a necessidade de frequência de outras formas de tratamento que não apenas a farmacoterapia como decisivo para a satisfação dos utentes com o seu tratamento e a melhoria do seu estado se saúde.

Apesar de não ser objetivo abordar certos temas com este estudo, a riqueza do discurso dos participantes permitiu ainda extrair das entrevistas efetuadas uma análise mais profunda das suas experiências e opiniões. A Psiquiatria foi abordada como tratamento com a necessidade de englobar uma componente mais humana, focada na pessoa e nas suas necessidades. Assim sendo, o facto dos participantes terem manifestado na maioria a sua opinião sobre o tratamento psiquiátrico e o desempenho dos psiquiatras é uma mais-valia para entender o modo como esta abordagem de tratamento deverá ser repensada à luz da opinião das pessoas que usufruem de tratamento psiquiátrico e que também têm uma opinião a manifestar quanto a este assunto. A visão sobre a Psiquiatria foi manifestada denotando uma necessidade muito forte da parte dos participantes em procurar outro tipo de ajuda complementar ao tratamento farmacológico, mesmo que essa ajuda não fosse primeiramente indicada pelo médico psiquiatra.

Deve ainda ser salientado o facto dos participantes terem referido com veemência a importância da complementaridade entre as abordagens psiquiátricas e psicológicas. Foi considerado pela maioria dos entrevistados que a melhoria do seu estado é mais eficaz quando estas duas áreas de intervenção agem em conjunto e em complementaridade. A opinião manifestada pelos participantes vai de encontro aos resultados demonstrados pela literatura que indicam que a combinação de tratamento farmacológico em conjunto com a psicoterapia é mais eficaz e promove melhorias mais significativas do que a utilização de apenas uma abordagem de tratamento (Hofmann & Tompson, 2004).

A descrição do conceito de Reabilitação Psicossocial por parte dos participantes como integração da pessoa diagnosticada com doença mental na sociedade e no mercado de trabalho, como processo de aquisição de aptidões e como participação em atividades de ocupação, vai de encontro à descrição de Reabilitação Psicossocial realizada na literatura, como evidenciado no ponto 1 do Capítulo II deste trabalho. Isto indica que, no

geral, os participantes têm noção a que se refere esta abordagem terapêutica, embora a abordem de forma leve e desconhecendo que estão ou já estiveram inseridos em estruturas de Reabilitação Psicossocial.

É também de salientar que outro dos temas abordados pelos participantes que constituiu uma das subcategorias de análise foi o estigma na doença mental. Esta dimensão foi abordada como assunto que causa algum mal-estar na vida das pessoas diagnosticadas com perturbação mental. O modo como os participantes se referiram ao estigma é concordante com a descrição dos efeitos do estigma na doença mental encontrados na literatura. O estigma ainda é evidente na sociedade atual e prejudica não só a reabilitação e inclusão das pessoas com doença mental, como também o seu processo de recovery, autoestima e qualidade de vida (Sousa, 2011). Deste modo, os serviços de Reabilitação Psicossocial deverão estar atentos ao impacto do estigma na vida das pessoas com o diagnóstico de doença mental e promover programas que ajudem a reduzir o impacto que o estigma tem.

Os resultados deste estudo devem ser, em última instância, utilizados pelas instituições de Saúde Mental para melhorar os seus serviços no que diz respeito a incluir de modo mais inclusivo a opinião e sugestões dos utentes no que diz respeito ao seu próprio tratamento e ao direito de opção quanto às decisões respeitantes ao seu estado de saúde. Neste seguimento, os resultados salientam que os familiares deverão também fazer parte na melhoria da prestação de serviços e na participação na tomada de decisão quando às opções de tratamento disponibilizadas.

Num panorama em que a Reabilitação Psicossocial se apresenta como abordagem mais atual no tratamento da perturbação mental, é importante perceber o modo como utentes e seus familiares podem contribuir e participar de modo mais ativo no processo de tratamento recorrendo às opiniões e sugestões destas pessoas.

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