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O SÉCULO XVI PORTUGUÊS: ENQUADRAMENTO HISTÓRICO E TÉCNICO ARTÍSTICO DO SUPORTE ESTRUTURAL

(D) SOMATÓRIO DO NÚMERO DE OCORRÊNCIAS Mestre ou

Escola/ Oficina do Séc. XVI

Madeira Junta Ensamblagem primitiva Adições Restauros

Castanho Carvalho Carvalho do Báltico

(?) “Viva” Outra (?) Cavilha (Tipo1) Taleira simples (Tipo2) Taleira travada com 4 cavilhas (Tipo3) Tipo1 + Tipo2 Tipo1 + Tipo2+ Tipo3 (?) Dupla cauda de andorinha Tacos Vasco Fernandes (núcleo 11 suportes) 10 1 - - 6 - 2 6 (5 reforçadas com travessões fixos por cavilhas) - - - 2 - 7 - Escola/Oficina de Vasco Fernandes (45 suportes) 30 15 - - 42 - 3 29 - 2 - 3 7 37 1 TOTAL (parcial 56 suportes) 40 16 0 0 48 0 5 35 0 2 0 5 7 44 1 Jorge Afonso (5 suportes) - - 5 - 5 - - - - 5 - - - - - Mestre do Sardoal (10 suportes) - 9 - 1 10 - - - 2 - 8 - - 10 - Mestres de Ferreirim: Cristóvão de Figueiredo; Gregório Lopes e Garcia Fernandes (6 suportes) 6 - - - 1 - 5 - - 1 - - 5 3 - Gregório Lopes (7 suportes) - 4 3 - 7 - - 3 - - 4 - - 6 - TOTAL (Geral em 84 46 29 8 1 71 0 10 38 2 8 12 5 12 63 1

1.2.2 – Interpretação dos resultados.

A primeira tabela (Vd. Tabela A, p.123), confronta os dados essenciais de cada pintura com os dados técnicos referentes à construção estrutural primitiva do seu suporte, tais como: o tipo de matéria-prima; as dimensões; o número de elementos e o corte em que foram seccionados; o tipo de união entre as juntas e quais os métodos de reforço/ensamblagem original. Identifica ainda muito pontualmente as adições ou ensamblagens colocadas em intervenções posteriores de conservação e restauro, e se a obra foi ou não radiografada (total ou parcialmente) e por que entidade. Por fim, casualmente são feitas anotações pertinentes e de cariz tecnológico.

Decorrente da interpretação a esta primeira tabela, surge a segunda, de formato reduzido e onde constam apenas os dados principais, estatísticos, concluídos pela sintetização das anteriores informações.

Antes de avançarmos com as nossas avaliações importa enfatizar que cada exemplo reflecte a realidade experienciada na obra (em questão) e não terá de corresponder, propriamente e em exclusivo sempre ao mesmo modus facendi.

Iniciando pela análise aos dados das pinturas cuja atribuição a Vasco Fernandes é incontestável, um núcleo total de onze painéis pertencentes a quatro empreitadas, concluímos que dez eram em madeira de castanho e uma em madeira de carvalho. São estruturas pesadas e onde, por norma, eram usadas grandes pranchas de castanheiro e de grandes espessuras não sendo raro atingir os 4cm.

Um exemplo representativo é o caso específico dos painéis da Sé de Lamego em que a pintura da Criação dos Animais é uma só prancha de 87 x 172 x 3,5cm e cujas dimensões eram maiores mas foram cortadas em intervenção posterior. Caso semelhante constatamos nas grandes estruturas em pala como é o S. Sebastião da Sé de Viseu, em que o seu total de 237 x 227 x 3,5cm foi realizado apenas com quatro grandes pranchas, sendo a a tábua maior de 237 x 78,6 x 3,5cm.

Na única obra em madeira de carvalho, o Pentecostes de Santa Cruz de Coimbra, a realidade técnica difere e são utilizadas nove tábuas de 165cm de comprimento por cerca de 20 cm de largura (sendo a central a mais larga de 26,5cm e a mais estreita a da

extremidade com 5,5 cm). A espessura não foi avaliada pois a obra foi severamente desbastada.

No que se refere a sistemas de ensamblagem primitiva, a técnica mais recorrente (seis pinturas) é a cavilha inserida em juntas vivas, no entanto, importa realçar que apesar de terem sido removidos, nas cinco pinturas do retábulo-mor da Sé de Lamego, as cavilhas internas foram reforçadas com inclusão de dois travessões transversais (sistemas pelo reverso) colocados em paralelo junto aos topos fixos por cinco cavilhas de madeira de fora a fora.

Observou-se ainda nas duas monumentais pale de Viseu conjugações entre três métodos de união, sendo visível na radiografia do S. Pedro: cavilhas intercaladas com taleiras simples e taleiras travadas com quatro cavilhas de fora a fora. Estas últimas em espaçamentos regulares e como tal assumindo-se como principal metodologia de ligação. Por fim, sete dos onze painéis foram reforçados mais tarde com duplas caudas de andorinha sendo o caso mais representativo, o do Pentecostes de Santa Cruz de Coimbra que actualmente apresenta trinta e dois elementos.

Alargando a interpretação e reflexão aos dados à escala da oficina e escola de Vasco Fernandes, adicionamos mais quarenta e cinco pinturas pertencentes a oito empreitadas à “estatística”. Neste núcleo a realidade na escolha da essência do suporte, apesar de incluir quinze painéis em carvalho, tendencialmente continua a ser para as restantes trinta pinturas em madeira castanheiro.

Presenciamos a realidade (já descrita e justificada no contexto histórico) das dimensões das pranchas nos suportes de carvalho serem menores, visto que, numa só pintura são usados um maior número de tábuas/elementos para atingir as dimensões desejadas. No caso do retábulo-mor da Sé de Viseu foram utilizadas entre três a quatro tábuas para se atingir as dimensões de cerca de 131 x 80 cm, devendo-se ao já explicado factor do corte das madeiras em secção radial resultar em pranchas médias disponíveis de 20 a 30 cm. O restante caso isolado sobre carvalho é a peculiar Assunção da Virgem, (cuja proveniência permanece por confirmar). É uma pintura constituída por 5 elementos verticais ensamblados por cavilhas de madeira (actualmente visíveis devido à invasiva

intervenção de restauro em que o suporte foi reduzido à metade) perfazendo as medidas totais de 131,5 x 103,5.

As restantes pinturas pertencentes à “esfera” de Grão Vasco variam de escala indo de médios a grandes formatos (nos exemplos retabulares referidos) e por norma independentemente da dimensão da obra, é característica dos painéis em madeira de castanho não serem constituídas por muitos elementos, pois esta madeira permite a obtenção de tábuas grandes, largas e grossas.

Mesmo sendo comum esta “norma”, o conjunto do Retábulo de Freixo de Espada à Cinta é curioso pois apesar das pequenas dimensões dos painéis (o que apresenta menores medidas é o da Adoração dos Reis Magos com 69,8 x 75,4 x 0,8 cm) estes aparecem executados entre dois a quatro elementos ligados por cavilhas e reforçados com travessas, (o que é já um invulgar número elevado de elementos comparativamente ao tamanho da pintura).

Mais frequentemente, deparamo-nos nestas regiões Beirãs com obras pintadas sobre uma só grande prancha de castanho, vejamos o S. João Baptista do Retábulo de S. Tiago de Besteiros com 135,5 x 57,5 x 3 cm, ou ainda, do Retábulo de Cassurães o S. Tiago com 123 x 78,3 x 3 cm. Igualmente abundantes são as estruturas com dois elementos semelhantes ao conjunto de quatro pinturas originárias do Retábulo de Santa Maria de Salzedas, como o St. Antão com 108,5 x 60 cm ou a St.ª Luzia de 101,3 x 61 cm, muito provavelmente ligadas por junta viva e cavilhas de madeira mas que por falta de exames radiográficos não podemos confirmar.

Analisando a restante tabela, atestamos a hipótese já avançada e que temos vindo a defender de que a utilização de taleiras travadas com quatro cavilhas de fora a fora se dá apenas nos grandes suportes, ganha sustentação nesta tabela em que este sistema apenas surge em exemplares grandiosos como o S. Pedro de S. João de Tarouca com cerca de 215 x 173 cm ou no Cristo em Casa de Marta da Capela de Santa Marta do Paço Episcopal do Fontelo de 198,1 x 204,8 cm.

Este factor não se dá isoladamente na oficina de Vasco Fernandes, Escola de Viseu ou zonas periféricas, estende-se a outras regiões e grandiosos mestres, como é o caso da

Nossa Srª da Assunção291 de 210 x 205 cm da Igreja da Sardoura da autoria dos denominados Mestres de Ferreirim (Cristóvão de Figueiredo; Gregório Lopes e Garcia Fernandes).

Não podemos esquecer que esta tecnologia de preparação dos suportes lenhosos tinha sido já muito anteriormente explorada em cerca de 1488-1499 nos colossais painéis do pintor régio Jorge Afonso pertencentes ao Convento de Cristo em Tomar292. As cinco estruturas em madeira de carvalho do Báltico com dimensões de cerca de 400 x 240 x 4 cm conjugam dez pranchas verticais (de corte radial) unidas por junta viva e em altura com “empalmes” de junta em “Z”, ou em bisel apenas no caso da Ressurreição de Cristo. Em todas visualizamos o sistema de taleiras travadas com quatro cavilhas de fora a fora, sendo este o primeiro caso português de que temos conhecimento (embora seja muito possível que tenha surgido anteriormente ou paralelamente em outras obras).

Dentro da análise da tabela correspondente à esfera de produção nacional de outras escolas e oficinas importa realçar o conjunto dos três painéis de madeira de carvalho do Báltico (da região Polaca)293: Adoração dos Pastores (184,7 x 118,5 x 2,5 cm); Calvário (183,4 x 117,3 x 2,4 cm) e Ressurreição (183 x 115,2 x 2,4 cm) de Gregório Lopes (como mestre independente) para o Convento do Bom Jesus de Valverde294. Nestes, o método utilizado295 na união das juntas vivas foi taleiras simples intercalada pontualmente em espaçamentos determinados com cavilhas de madeira (sendo que em proporção as taleiras simples são em maior número, cerca do dobro, relativamente às cavilhas). O mesmo processo tinha já sido usado cerca de uma a duas décadas antes, na obra do mesmo mestre,

291 Informação interpretada através dos dados apresentados no estudo técnico do suporte destas pinturas, Vd.

CAETANO, Joaquim Oliveira; BRANDÃO, Elvira – Garcia Fernandes um pintor do Renascimento, Eleitor

da Misericórdia de Lisboa. Lisboa: Museu São Roque; Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1998, pp.105-

106.

292 Informação interpretada através dos dados apresentados no estudo técnico do suporte destas pinturas: Vd.

HENRIQUES, Frederico; BAILÃO, Ana; GARCIA, Miguel – The conservation-restoration of the “Charola” paintings of the Convent of Christ in Tomar. In e_conservation, the online magazine. Vila do Conde: Creative Commons. n.º14, Maio 2010, pp. 55-69.

293 Comprovação e datação obtida por meio de dendrocronologia realizada pela Bióloga Lília Esteves, Vd.

INSTITUTO JOSÉ DE FIGUIREDO. Estudo da pintura portuguesa: Oficina de Gregório Lopes, actas /

Seminário Internacional. Lisboa: I.J.F., 1999, pp.225-226.

294 Em “1544 O tesoureiro das obras do Infante D. Henrique (futuro Cardeal-Rei) paga 90.000 rs com

madeiras de bordo «que vierão de frandes» para os retábulos da igreja do Bom Jesus de Valverde, e mais 70.000 rs «a grigorio lopeez pelos Retavolos que pintou pêra o dito moesteiro»”Vd. IDEM, Ibidem, p.15

295 Método descrito na investigação presente no “Estudo da pintura portuguesa: Oficina de Gregório Lopes,

a pintura da Igreja de Santa Iria da Azóia, Apresentação do menino no Templo (91,6 x 72,4 x 0,8 cm).

Esta metodologia de ligação intercalada foi também usada pelo apelidado Mestre do Sardoal nas sete pinturas da Igreja Matriz do Sardoal, como é exemplo o Arcanjo Gabriel que para três tábuas verticais de carvalho contamos com 11 taleiras simples e 6 cavilhas; ou ainda em três obras para a Misericórdia de Montemor-o-Velho.

Importa destacar que neste núcleo do Mestre do Sardoal todas as obras são em madeira de carvalho, constituídas por vários elementos no sentido vertical, salvo os três Bustos de pequenas dimensões da Igreja Matriz: Apóstolo S. Paulo; Apóstolo S. Pedro e Cristo, cuja disposição horizontal das pranchas não teve qualquer interferência na prevalência da escolha das taleiras e cavilhas na proporção já explicada.

Também de construção horizontal são as grandes tábuas de Gregório Lopes para o Convento de Cristo em Tomar, representando St António pregando aos peixes (de 109 x 241 x 2,5 cm) e o S. Bernardo (com 108,3 x 180,6 x 2,3 cm). Era de esperar que estruturas desta envergadura, e à semelhança do caso anterior, contivessem na sua estrutura interna taleiras simples e cavilhas, mas as radiografias totais realizadas às duas pinturas dão-nos a informação de que estes suportes de seis pranchas apenas foram ensamblados com grande número de cavilhas.

Estes últimos casos desencorajam qualquer tentativa de chegar a uma conclusão de relação entre o uso das taleiras simples e das cavilhas de madeira, quer em conjugação quer em separado. Tentamos co-relacionar com os diversos factores desde a essência da madeira ou mesmo com as dimensões do painel, disposição das tábuas, mas torna-se inconclusivo para um núcleo de exemplos tão reduzido.

Paralelamente estamos impossibilitados de avançar com a análise das medidas e proporções entre painéis retabulares (e de estabelecer relação com modelos standardizados), visto que no decorrer deste processo comparativo percebemos que uma boa parte das pinturas foram cortadas e assim reduzidas e deturpadas as escalas.

Apuramos por fim, que o sistema de duplas caudas de andorinha apenas aparece como reforço às juntas originais ou para evitar propagação de fendas e fissuras dos aparelhos. Logo, são seguramente provenientes de intervenções posteriores de conservação

e restauro (visto ainda que este método de ensamblagem não teve “eco” a nível nacional no século XVI).

Finda a análise à tabela, resta-nos constatar os seguintes dados estatísticos e apresentar conclusões gerais (para o presente núcleo total de 84 suportes, sendo que 56 dos mesmos pertencem à Oficina ou Escola de Vasco Fernandes).

 Constatamos no que se refere à madeira utilizada nos suportes: 46 ocorrências de pinturas sobre madeira de castanho; 29 de carvalho (cuja proveniência se desconhece); 8 de carvalho do Báltico; e 1 não analisada.  A união das juntas em 71 casos é determinada como “junta viva” e em 10

pinturas desconhece-se;

 No que se refere às metodologias ensamblagens primitivas, em 38 obras estão presentes apenas cavilhas; em 2 a Taleira simples; em 8 a Taleira travada com quatro cavilhas de fora a fora; em 12 a conjugação de cavilhas com Taleiras simples; em 5 a conjugação dos três métodos anteriores; e em 12 por falta de radiografia desconhece-se a união.

 Em 63 casos constatamos a presença de malhetes em forma de duplas caudas de andorinha por intervenção de conservação e restauro como elemento de reforço ao suporte lenhoso.

A constatações semelhantes mas complementares296, apesar de menos analisadas pelo objectivo puramente estatístico do seu trabalho, tinha já chegado Tânia Costa e que pela pertinência / co-relação passamos a citar na integra, “Apesar de não ser possível tirar conclusões efectivas a partir da informação recolhida – pois, para além de muitos exames radiográficos não abrangerem a área total da pintura, nem todas as pinturas foram radiografadas e não foram observados todos os exames existentes. Foram, no entanto,

296 Tendo em conta as diferenças e coincidências entre núcleos em análise, do presente estudo e do realizado

pela citada Conservadora Restauradora (pois estes coincidem em certa medida visto que dados pontuais foram consultados no seu trabalho e complementados aqui), as conclusões são na nossa opinião e quando tidas em conjunto, representativas das metodologias técnicas de execução dos suportes do século XVI. Estas conclusões cruzam-se e complementam-se.

observadas algumas tendências, como o facto de a madeira mais usada ser a de carvalho e de as pinturas do séc. XV encontradas, apresentarem todas respigas. Encontraram-se 43 pinturas cujo sistema de reforço da junta eram respigas, 18 com taleiras simples, 14 coladas por união viva, 9 com taleiras de 4 cavilhas e 5 com taleiras de 2 cavilhas. Apesar de não ter sido possível obter informação sobre todas as pinturas intervencionadas no instituto, podemos considerar que foi analisada uma amostra relativamente representativa e que, sem dúvida alguma, o sistema de reforço e assemblagem aplicado na maior parte dos suportes de pinturas nos sécs. XV e XVI era a de respigas.”297

Apresentadas as deduções, subsiste a noção de que o aparente resultado inconclusivo é por si só a conclusão. Isto é, o facto de não haver uma norma tecnológica rígida demonstra flexibilidade e noção de adaptação da obra ao espaço e das necessidades técnicas à obra por parte dos marceneiros, ensambladores ou mesmo entalhadores contratados pelos pintores para realizar a encomenda. As soluções variam assim com as características de cada empreitada. As influências principalmente flamengas que denotamos nas técnicas construtivas dos suportes portugueses devem-se à forte presença de mestres estrangeiros vindos do Norte da Europa entre nós e que consigo traziam o seu conhecimento. Acabando estas por se difundir a nível nacional pelas enérgicas relações laborais entre artistas fruto das amplas reformas manuelinas das Sés (como foi o caso de Viseu e Lamego) transformando as cidades das diferentes regiões geográficas em palcos de actividade artística.

Esta conclusão reforça a premissa avançada por Dalila Rodrigues de que estes mestres provenientes da Flandres foram figuras sempre presentes no contexto artístico de Viseu, e a preparação dos suportes pictóricos manifestam um “padrão” e são reflexo também dessa experiencia técnica nórdica, “(…) é de todo provável que uma das mais importantes equipas provenientes do Norte europeu, pintores e escultores-entalhadores, com toda a probabilidade liderada por um dos maiores protagonistas da relação entre a pintura flamenga e a portuguesa, Francisco Henriques, tenha vindo justamente, e em primeiro lugar, para Viseu. E o facto incontestável que é o da presença desses artistas –

297 Vd. COSTA, Tânia – Relatório de Estágio, Divisão de Pintura – Área de Suportes de Madeira. Lisboa:

no local onde Vasco manterá residência fixa até ao final da sua vida, note-se – permite, antes de mais contrariar a tendência historiográfica de associar o seu percurso à periferia e ao isolamento.”298

Todos estes factores estão na origem desta relativa homogeneidade de processos materiais e criativos ditos luso-flamengos ou “flamenguizados”. Mas não só, corroborando ainda a ideologia defendida pela citada historiadora, podemos afirmar pelos resultados obtidos (apesar da pequena amostragem) que existiam redes de relações e comprometimentos entre os artistas portugueses e o contexto por eles vivido, sendo que uma pintura é reflexo dessa habilidade, “(…) não existe uma simples e linear relação de causa-efeito, mas antes uma rede mais ou menos densa de correlações, de causas e de efeitos mútuos, de fluxos e de influxos. É justamente a partir de uma rede de comprometimentos, entre artista e o seu contexto, que a obra de arte pode ser vista como testemunho globalizador. Daqui decorre a necessidade de atender às normas e às convenções representativas da época, mas também ao modo como determinado cliente e determinado artista se insere ou as ultrapassa.”

Ainda acerca desta relação de influências entre “escolas”, ambiente de trabalho e caracterização técnica e material da obra, Vítor Serrão defende a seguinte posição (que anuímos), usando o exemplo específico (na feliz expressão) da «verdadeira fábrica» que foi em solo nacional a oficina de Jorge Afonso e que já abordamos neste capítulo, “O estudo do ambiente de trabalho vigente em Portugal nestes primeiros decénios de Quinhentos é, assim, questão essencial para compreender o espírito das obras remanescentes e, também, a fluida identidade das diversas «escolas» cosmopolitas geradas no seio da oficina de Jorge Afonso e de outros mestres. É assunto que persiste por decifrar com pleno rigor, pois que, se um Gregório Lopes (…) escapará com o seu estilo personalizado (…) já as obras da maioria dos seus contemporâneos, como Garcia Fernandes, Cristóvão de Figueiredo (…) se confundem muitas vezes entre si, dentre as que saíram dessa verdadeira fábrica que era o «atelier» régio de Jorge Afonso”299

298 Vd. RODRIGUES, Dalila – Modos de expressão na pintura portuguesa: O processo criativo de Vasco

Fernandes (1500-1542), Ob. cit., p.190.

299 Vd. SERRÃO, Vitor – História da Arte em Portugal – O Renascimento e o Maneirismo (1500-1620).

Fica claro que não existe uma norma globalizadora, é certo que mais facilmente um aprendiz segue as técnicas do seu mestre e posteriormente quando independente segue esse modo característico de laborar, todavia cada pintor tem a sua personalidade artística e uns “ultrapassam” as orgânicas instituidas e apresentam o seu génio artístico outros seguem o estilo vigente mais acentuadamente gerando as ditas “confusões” na atribuição.

No que se refere aos suportes estes cunhos não são tão facilmente tidos como distintivos entre escolas ou mesmo oficinas, visto que os mestres de obra contratavam e estabeleciam parcerias novas (por norma diferentes) de empreitada para empreitada, não tendo sido possível comprovar se igualmente se filiavam a carpinteiros e marceneiros. Resultando numa parca uniformidade, entre técnicas de construção e materiais utilizados) ao nível dos suportes.

Sendo audacioso na nossa opinião atribuições de manufactura dos painéis a marceneiros nacionais ou estrangeiros baseados em argumentos como o que se segue, “Ora justamente nessa época (séc.XV) em França e outros países do Norte, empregava-se correntemente a junção de táboas, além do grude às «renhuras» (macho e fêmea) e também o ganzepe, o malhete e cavilhas, mas estas de secção rectangular (Viollet-le-Duc, Architecture-Mennuserie – pág 348). Parece-nos portanto não ser ousado atribuir a marceneiro nacional a factura destes quadros e moldura que conservam os únicos meios de ensablage permitidos pelo nosso Regimento, não apresentando vestígios de nenhum dos processos usados lá fora, nessa época”300, pois ficou já comprovado que os métodos laborais se difundiram na Europa e que os ensambladores portugueses laboravam ao modo Romano, mas sob influência flamenga e o simples argumento de que uma pintura que se encontra unida por “tornos de madeira/ cavilhada”, signifique directamente que seja obra de marceneiro lusitano, não é uma conclusão segura. O mesmo raciocínio se aplica, como temos vindo a defender, tratando-se de uma madeira oriunda dos países do Norte, e como já bem lembrava o D. José de Figueiredo, “Esta madeira (carvalho do norte) importa-se entre nós desde longínquas datas (…) o facto de o quadro ter sido realizado em carvalho

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