1. LÓGICAS E REGIMES DE AÇÃO
1.2. Da ação social às lógicas de ação
A proposta de investigar as lógicas de ação dos atores envolvidos nos processos de ação social na “esfera católica” remete para a compreensão da natureza das motivações, dos critérios e das dinâmicas. Erhard Friedberg sublinha que a abordagem
organizacional parte da vivência dos atores para reconstruir, não a estrutura social geral,
mas as lógicas e as propriedades particulares de uma ordem local, isto é, a estruturação
da situação ou do espaço de ação considerado em termos de atores, de intenções, de
interesses, de jogos e de regras do jogo, que dão sentido e coerência a essa vivência47. A interpretação desta abordagem exige a compreensão prévia das diferentes lógicas de
ação bem como o esclarecimento da coordenação das ações mobilizadas em torno de
comprometimentos.
Como ponto de partida para a discussão, toma-se a perspetiva de um conjunto de
autores – Henri Amblard, Philippe Bernoux, Gilles Herreros, Yves-Frédéric Livian –,
bem como de François Dubet, com destaque para este último, por ser congruente com a
temática em estudo. Todos eles entendem as lógicas de ação como relação implícita –
muitas vezes oculta – entre os meios e objetivos assumidos pelos protagonistas nas
organizações. Traduzindo Bernoux, “o paradigma da lógica de ação foi criado para dar
46 Cf. Alfredo TEIXEIRA, Os mundos socias da ação sociocaritativa, Communio, 26: 2, 2009, 209-222. 47
Cf. Erhard FRIEDBERG, O poder e a regra: Dinâmicas da ação organizada, Lisboa: Instituto Piaget, 1995, 53-56.
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conta da diversidade das interpretações possíveis dos fenómenos observados. É uma
maneira de definir o sentido que o ator dá a sua ação”48
.
Para os cientistas sociais de Les nouvelles approches sociologiques des
organisations, dar conta das lógicas de ação implica compreender o que justifica as
escolhas dos atores, isto é, quais as racionalidades que correspondem a cada ação. Mas
as lógicas de ação não são uma estrutura causal imutável porque o ator não existe em si,
mas é construído e definido como tal pela ação. Em consequência, as lógicas evoluem
em função das ações consideradas e não dos atores por si só (podem coexistir lógicas
estratégicas e lógicas cooperativas). A lógica de ação reúne duas entidades elementares:
o ator e a situação da ação. Do encontro dessas duas dimensões nascem às interações
mediante as quais as lógicas de ação se materializam49.
François Dubet é um sociólogo de referência não só no estudo de ação
organizacional, mas também no âmbito teórico da concetualização das lógicas de ação.
Debruçando-se sobre a ação organizacional, na sua obra Sociologia da Experiência,
apresenta três lógicas de ação: a lógica da integração, a lógica da ação estratégica e a lógica de ação da subjetivação. Em sua opinião, “todo o ator, quer aja individual como coletivamente, adota necessariamente os três registos de ação que definem
simultaneamente uma orientação visada pelo ator e uma maneira de conceber as
relações com os outros”50
. Defende ainda que a lógica da integração se enquadra nos
pressupostos da sociologia clássica, na medida em que a identidade do ator
48 Philippe BERNOUX, « Sociologie des organisations: les nouvelles approches», Les Organisations:
Etat des Savoirs Auxerre: Sciences Humaines, 1999, 42.
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Cf. H. AMBLARD et al, Les nouvelles approches sociologiques des organisations, 243-244.
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organizacional “é baseada na maneira como o ator interiorizou os valores institucionalizados”51
.
Na perspetiva de Dubet, a lógica de ação estratégica define a identidade do ator
em termos de estatuto, no sentido que Max Weber dá a este conceito, designando o
estatuto como a posição relativa de um indivíduo, isto é, a probabilidade que ele tem de
influenciar os outros graças aos meios ligados a essa posição. Nesta conformidade, a
identidade já não é fixa mas constantemente reconstruída pelos atores organizacionais,
num campo de forças onde se desenrolam os jogos do poder. Dubet considera que a
integração do sistema é substituída pela sua regulação, pela necessidade de manter as
regras do jogo para que este seja possível. A atividade e a pertença são, não já uma
norma, mas uma condição necessária à prossecução dos objetivos52.
Teoricamente falando parece que as duas teorias se contradizem, mas na
prática elas complementam-se, uma vez que a ação estratégica não é possível sem o
apoio de uma integração mínima53. Neste contexto pode perceber-se o comprometimento dos vários agentes da pastoral social diocesana, uma vez que cada
agente deve integrar-se na sua organização e agir de acordo com a lógica dessa mesma
organização.
É necessário realçar que as regras de jogo só se legitimam pelo mínimo de
integração na organização e pelo conhecimento do outro, podendo este ser considerado
como um rival ou como um aliado. Nesta perspetiva “as relações sociais são definidas
51 François DUBET, Sociologia da experiência, 115. 52
Cf. Ibidem, 121-122.
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em termos de concorrência, de rivalidade, mais ou menos viva, dos interesses
individuais ou coletivos”54
. Perceber esta visão teórica das duas lógicas concorre para
interpretar a razão das rivalidades que se verificam nos diferentes agentes sociais, nas
organizações.
A lógica da subjetivação nasce como crítica das outras duas anteriores (da
integração e da ação estratégica), pressupondo que o indivíduo não é redutível nem aos
seus papéis nem aos seus interesses. Como refere Dubet, “a atividade do ator é
construída através da atividade crítica, pelo comprometimento em modelos culturais que
constroem a representação do ator”55
. Esta visão, considerada como que inacabada, é
como que uma “paixão impossível e desejada”56. O combate à ordem social, caraterística desta lógica, é obtido pelo conceito de alienação, definida como a
“privação da capacidade de ser ator”57
.
Os três registos de lógicas de ação, que definem simultaneamente uma
orientação visada pelo ator e uma maneira de conceber as relações com os outros,
apresentados por Dubet, são complementares, porque adotados por cada ator, seja ele
individual ou coletivo. Contudo, neste estudo, privilegiam-se as lógicas de integração e
a de ação estratégica, pois são congruentes com uma pastoral social diocesana, a qual se apresenta como “arena social”, onde os agentes da pastoral devem interiorizar os valores de cada instituição assim como desenvolver e contextualizar as estratégias e
54 Ibidem, 124. 55 Ibidem, 131. 56 Ibidem, 131. 57 Ibidem, 136.
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táticas levadas a cabo por eles próprios e das quais importa desvendar significados e
intenções de forma a conhecer as suas racionalidades:
a) Lógica da integração
Para esta lógica, a identidade é “adscrição”, submissão pela interiorização de valores institucionalizados através dos papéis. O ator é reconhecido na medida em que
ele está integrado. As relações sociais são caraterizadas pela oposição entre “eles” e
“nós”. O outro é definido pela sua diferença, definido como o “estranho” contrário a nós, ao grupo. O que fundamenta a ação são os valores. Para o ator, a cultura
fundamenta a identidade, é uma moral e perpetua a ordem58. Esta lógica é, na prática, caraterizada pela inserção na comunidade traduzida através da noção de “ajuste” numa
densa rede de relações de parentesco e vizinhança. Como realça Dubet, “os motivos da ação integradora têm em vista o fortalecimento, a confirmação e o reconhecimento da
pertença”59
. Da mesma forma, as questões relativas aos possíveis défices de integração
social poderão ser tratadas como patologias sociais a partir da noção de anomia, pois um
sistema de relações sociais pode decompor-se quando entra em crise, desorganizando-se
e engendrando situações de marginalização, exclusão e invalidação social, entre
outras60. 58 Cf. Ibidem, 117. 59 Ibidem, 123. 60 Cf. Ibidem, 119-120.
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b) Lógica da ação estratégica
Na lógica da ação estratégica, a identidade é um recurso, um meio num mercado
concorrencial, mercado este entendido não só do ponto de vista económico, mas em
todas as atividades sociais. A identidade é vinculada ao conceito de status e não mais a
um papel. O ator é reconhecido na medida em que tem recursos para influenciar os
outros a partir da posição que ele ocupa; não se trata mais de posição social, mas de
posição “relativa”, porque depende das oportunidades e recursos nessa posição. As relações sociais são definidas em termos de concorrência, de rivalidades, de interesses
individuais ou coletivos. Neste caso, o que está em jogo na ação é o poder. Os atores
vão definir os seus objetivos, escolher o que para eles é útil, enfrentar a concorrência
com os outros (pode ser pelo dinheiro, mas também pela competição política, conquista
amorosa) e vão desenvolver estratégias para influência, isto é, exercer um poder61. Nesta perspetiva, a ação coletiva é mais mobilização do que adesão. A solidariedade é,
neste sentido, condicional e não espontânea.
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