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Da abordagem da Cultura (das Sociedades) à Cultura Organizacional

3. CAPÍTULO II: CULTURA ORGANIZACIONAL: UMA PERSPECTIVA

3.2 Da abordagem da Cultura (das Sociedades) à Cultura Organizacional

Antes de mergulhar no universo da cultura organizacional se pretende revisar, historicamente, os estudos sobre cultura no âmbito das ciências sociais com o intuito de contextualizar a idéia do focus do estudo numa perspectiva das organizações.

Percebe-se que a abordagem interpretativa de Geertz (1989), mesmo se tratando de um estudo de caso no ambiente organizacional, revela-se importante na

medida em que se intenciona analisar as teias do ambiente da empresa. Sobre este aspecto o autor ilustra que:

O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado. (GEERTZ, 1989, p.4)

Kuper (2002) destaca, inclusive, que os trabalhos de Geertz ocupam uma forte representação na moderna antropologia norte-americana, além de ter sido aclamado como teórico, não só por antropólogos como também por historiadores e estudiosos da literatura. E à medida que se afasta das abordagens científico-sociais, surge como um humanista tradicional.

Encontra-se ainda no livro de Kuper sob o título de Cultura: a visão dos

antropólogos, ressaltando que “[...] cultura para Geertz assumiu um significado

bastante semelhante ao dos antigos humanistas: a epítome dos valores que predominam numa sociedade, incorporados de forma mais perfeita nos rituais religiosos e na alta arte da elite.” (KUPER, 2002, p.158)

Em 1871 surge o termo “cultura” traduzindo a síntese de Kultur e Civilization. Este termo francês se referia às realizações materiais de um povo; aquele termo alemão que simbolizava os aspectos espirituais de uma comunidade. Ainda no mesmo ano, Edward Tylor sintetizou-os no termo inglês Culture. Desta forma ele abrange num só vocábulo todas as realizações humanas e afasta a idéia de cultura como uma disposição inata, perpetuada biologicamente. (LARAIA,1986)

Há centenas de conceitos antropológicos sobre cultura após a primeira definição sob a ótica antropológica que se tem notícia datada de 1871. Tylor definia já no primeiro parágrafo do livro A Ciência da Cultura:

Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade. (TYLOR apud CASTRO, 2005, p.69)

Esta definição é inclusive rebatida por Geertz quando o mesmo propõe no seu livro a Interpretação das Culturas que reúne artigos sobre o tema:

[...] em prol de um conceito de cultura mais limitado, mais especializado e, imagino, teoricamente mais poderoso, para substituir o famoso „o todo mais complexo‟ de E. B. Tylor, o qual, embora eu não conteste sua força criadora, parece-me ter chegado ao ponto em que confunde muito mais do que esclarece. (GEERTZ, 1989, p.3)

Laraia (1986) apresenta as Teorias Modernas sobre Cultura no seu livro

Cultura: um conceito antropológico. Ele cita o artigo de Roger Keesing que refere

duas correntes teóricas que abordam o tema, sendo as teorias que consideram a cultura como um sistema adaptativo e as teorias idealistas da cultura.

Segundo o autor, as teorias que consideram a cultura como sistema adaptativo são difundidas por neo-evolucionistas como Leslie White. Esta posição é reformulada criativamente por Sahlins, Harris, Carneiro, Rappaport, Vayda e outros que concordam que:

1. Culturas são sistemas (de padrões de comportamentos socialmente transmitidos) para adaptar comunidades aos seus embasamentos biológicos. E esse modo de vida inclui tecnologias, organização econômica e padrões de estabelecimento, de agrupamento social além de organização política, crenças e práticas religiosas;

2. “Mudança cultural é primariamente um processo de adaptação equivalente a seleção natural.” Ou seja, o homem é um animal e, portanto deve manter uma relação adaptativa como meio para sobreviver, conseguindo essa adaptação através da cultura.

3. “A tecnologia, a economia de subsistência e os elementos da organização social diretamente ligada à produção constituem o domínio mais adaptativo da cultura.” É neste domínio que ocorrem as mudanças adaptativas e depois se ramificam. Nesta posição há divergências quanto ao modo como se opera o processo.

4. “Os componentes ideológicos dos sistemas culturais podem ter conseqüências adaptativas no controle da população, da subsistência, da manutenção do ecossistema etc.” (LARAIA, 1986, pp. 59-60)

Em segundo lugar, apresenta Laraia (1986) que Keesing aponta as teorias idealistas de cultura dividindo-as em três abordagens:

1. Cultura como sistema cognitivo – esta é a abordagem dos chamados “novos etnógrafos”. É uma abordagem antropológica que tem se distinguido pela análise dos modelos construídos pelos membros da comunidade a respeito de seu próprio universo. Ou seja, como coloca Goodenough, a cultura é um sistema de conhecimento e “consiste em tudo aquilo que alguém tem de conhecer ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro de sua sociedade.” Keesing aponta que desse modo a cultura se situa no campo da linguagem sendo um evento observável, onde os “novos etnógrafos” se apropriam dos métodos lingüísticos, a exemplo da análise componencial. (LARAIA, 1986, pp. 60- 61)

2. Cultura como sistemas estruturais – uma abordagem desenvolvida por Claude Lévi-Strauss, que define cultura como “um sistema simbólico que é a criação acumulativa da mente humana [...] mito, arte, parentesco e linguagem...” Seriam princípios da mente que geram essas elaborações culturais.

Keesing é sucinto na análise desta abordagem. Levi-Strauss formula uma teoria da unidade psíquica da humanidade, o que explicaria os paralelismos culturais posto que o pensamento humano estaria submetido a regras inconscientes, ou seja, um conjunto de princípios que controlam as manifestações empíricas de um grupo. (LARAIA, 1986, p. 61)

3. Cultura como sistemas simbólicos – esta foi desenvolvida nos Estados Unidos da América, especialmente por Geertz e Schneider. Para Geertz, a cultura deve ser considerada, como aqui já foi citado: “não como complexos de padrões concretos de comportamento [...] mas como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros chamam de „programas‟) – para governar o comportamento”. (LARAIA, 1986, p. 62)

Geertz explica que todo homem é geneticamente capaz para receber um programa, e este programa é a cultura, tornando-se assim uma teoria, semelhante, neste aspecto, a Lévi-Strauss, de unidade da espécie. Para tal, Geertz afirma que “todos nascemos com um equipamento para vivermos mil vidas, mas terminamos no fim tendo vivido uma só”, ou seja, qualquer criança está apta a nascer e ser

socializada em qualquer cultura existente. Ele afirma que todos nós sabemos o que fazer em determinadas situações, apesar de não sabermos prever o que iremos fazer. A cultura é, assim, um código de símbolos partilhados pelos membros de uma sociedade. (LARAIA, 1986, p. 62-63)

Quanto a David Schneider, o mesmo possui uma abordagem distinta, embora semelhante em muitos pontos à Geertz. O ponto de vista de Schneider é apresentado de maneira clara como:

Cultura é um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações e modos de comportamento. O status epistemológico das unidades ou „coisas‟ culturais não depende da sua observabilidade: mesmo fantasmas e pessoas mortas podem ser categorias culturais. (SCHNEIDER apud LARAIA, 1986, p. 63)

Laraia (1986) considera, neste momento do embate sobre as teorias modernas sobre a cultura, que a discussão não está terminada, ela continua, mas destaca, citando Murdock, que os antropólogos sabem o que é cultura, “mas divergem na maneira de exteriorizar este conhecimento”. (LARAIA, 1986, p. 63)

A discussão que aqui se deve aprofundar é o estudo da cultura nas organizações, e neste sentido “é somente a partir da década de 80 que os antropólogos americanos retornam ao estudo das organizações produtivas modernas.” (JAIME JÚNIOR, 1998, p. 357).

Deste modo se perpetua a tradição de uma antropologia do trabalho no país, através da realização de Etnografias em empresas públicas, bem como em instituições privadas.

Este debate, ou mesmo essa preocupação, com a prática no universo organizacional, remete a uma discussão anterior sobre a questão do objeto de estudo das ciências, em particular, a antropologia. O que já era apontado, ainda na década de 50, por Evans-Pritchard que

a antropologia volta-se para o estudo de problemas e não de povos, ou seja, destacava que o antropólogo empreende suas pesquisas dialogando com um corpo de conhecimentos teóricos, e tentando solucionar determinados problemas que dele derivam. (EVANS- PRITCHARD apud JAIME JÚNIOR, 1998, p.359)

O norte-americano Geertz embora criticasse severamente a antropologia britânica, aproximava-se bastante da percepção de Pritchard. Em Interpretação das

Culturas, Geertz (1989) afirma que os antropólogos não estudam as aldeias, mas

sim nas aldeias, problematizando questões que poderiam ser levantadas em diferentes lugares. Esta é uma discussão sobre considerar a organização produtiva moderna como um nova aldeia onde a pesquisa etnográfica possa ser levada à sério (JAIME JÚNIOR, 1998).

O tema cultura apresenta-se em vários segmentos das sociedades, inclusive nas empresas. Geertz (1989) em seu livro sobre a Interpretação das Culturas propõe duas idéias para integrar os estudos sobre o assunto:

A primeira delas é que a cultura é melhor vista não como complexos de padrões concretos de comportamento – costumes, usos, tradições, feixes de hábitos –, como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros chamam de „programas‟) – para governar o comportamento. A segunda idéia é que o homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais, para governar seu comportamento. (GEERTZ, 1989, pp. 32-33)

Assim como foram encontrados diferentes conceitos sobre Cultura, encontram-se também correntes distintas sobre a abordagem da Cultura Organizacional, principalmente em função do número de pesquisas que aumentaram consideravelmente sobre o tema (FLEURY, 1989).

Após essa breve revisão, serão apresentadas as reflexões focadas no estudo da Cultura Organizacional e em seguida a visão de Schein sobre o tema, abordagem que se destaca nesta pesquisa, principalmente pela amplitude e profundidade em estudar o tema no contexto da relação público-privada.