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da atividade dos visitantes florais

No documento Biologia e ecologia da polinização - v. 2 (páginas 46-52)

Emanuella Lopes Franco1

Sâmia Paula Santos Neves2

Cerilene Santiago Machado3

A polinização pode ser entendida como a transferência dos grãos de pólen, das anteras até o estigma da mesma ou de outra flor. Este processo é importante para que haja a fertilização dos óvulos e o desenvolvimento das sementes. Para um grande número de espécies de angiospermas, a reprodução ocorre através da polinização cruzada, dependendo de um agente polinizador. Este agente pode ser o vento (anemofilia), a água (hidrofilia) ou, mais comumente, os animais (zoofilia). A polinização constitui-se em um serviço ecológico muito importante para o ecossistema, pois assegura a manutenção da variabilidade genética da maioria das populações de angiospermas (BAWA, 1990). O estudo da biologia da polinização envolve a pesquisa de diferentes fatores que interferem no processo da reprodução das plantas, desde a antese até a formação de frutos e sementes (FAEGRI; VAN DER PIJL, 1979). Uma parte importante deste estudo envolve a observação das características florais que são fundamentais na atração dos visitantes, em especial, a cor, o odor e a morfologia das flores. Tais características funcionam como sinais para os visitantes incluírem ou não determinada planta na sua rota de forrageio (WASER; PRICE, 1983).

Os diferentes visitantes florais podem ser polinizadores ou não, pois a visita nem sempre resulta na transferência de pólen para o estigma. Para que ocorra a polinização efetiva, é preciso que os visitantes possuam estruturas e comportamentos adaptados para a coleta das recompensas florais, além da adequação do formato do corpo dos visitantes à morfologia floral (PROCTOR; YEO, 1972). Também é importante que as visitas possuam uma frequência relativamente alta, e que haja uma sincronização das atividades do visitante e da planta (MOORE, 2001).

1 Universidade Estadual de Feira de Santana (emanuella_bio@yahoo.com.br) 2 Universidade Estadual de Feira de Santana (samia_neves@yahoo.com.br) 3 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (cerilenes@yahoo.com.br)

As abelhas utilizam uma grande variedade de recursos para construir e proteger seus ninhos, manter seu metabolismo e se reproduzir. Estes animais dependem dos recursos florais (pólen, néctar e óleo) para alimentar suas larvas e para a sua própria nutrição. A alta frequência de visita das abelhas às flores, a morfologia, o comportamento especializado e a alta diversidade fazem com que as abelhas sejam consideradas como o principal grupo de polinizadores, especialmente em regiões tropicais.

Dessa forma, as interações entre as flores e as abelhas têm influência em vários aspectos na dinâmica das comunidades dos ecossistemas. A conservação de muitos habitats depende da preservação das populações de abelhas, pois na ausência delas, a reprodução da maioria dos elementos da flora estaria bastante limitada (ROUBIK, 1989; BAWA, 1990; MICHENER, 2000; SILVEIRA; MELO; ALMEIDA, 2002). A maioria das abelhas é ativa durante a luz do dia, porém algumas espécies de diferentes famílias adquiriram, independentemente, um hábito crepuscular ou noturno. Os estudos a respeito da biologia das abelhas com estes hábitos são muito escassos, principalmente no Brasil (HOPKINS; FORTUNE-HOPKINS; SOTHERS, 2000).

A família Melastomataceae é composta por aproximadamente 150-166 gêneros e 4500 espécies, sendo bem representada em regiões tropicais e subtropicais das Américas, onde são conhecidas cerca de 3000 espécies (RENNER, 1989; CLAUSING; RENNER, 2001). As flores das melastomatáceas, em sua maioria, apresentam anteras tubulares e com deiscência poricida que, para a retirada do seu pólen, exige a visita de abelhas com capacidade vibratória. Neste tipo de visita, as abelhas “abraçam” as anteras e vibram os músculos do vôo a uma frequência alta, o que causa a saída do pólen das anteras. Em referência ao som produzido pelas vibrações das abelhas, esse sistema de polinização é denominado buzz pollination (BUCHMANN, 1983).

A produção de néctar como recompensa floral é rara em Melastomataceae, sendo as flores dessa família polinizadas, preferencialmente, por abelhas fêmeas coletoras de pólen (BUCHMANN, 1983). O sistema reprodutivo nessa família foi estudado em algumas espécies (RENNER, 1989; GOLDENBERG; VARASSIN, 2001). Porém, pouco se conhece sobre o sistema reprodutivo de espécies que ocorrem em hábitats abertos, como as formações de campo rupestre, onde essa família é particularmente bem representada (FRACASSO; SAZIMA, 2004). Assim, o presente trabalho teve por objetivo conhecer alguns aspectos da biologia floral de Cambessedesia wurdackii (A.B. Martins) e relacioná-los com as atividades dos visitantes florais.

Material e métodos

O estudo foi realizado numa área do Parque Municipal de Mucugê (12º 59’18,5”S e 41º 20’27,8”W), sede do Projeto Sempre Viva. O parque encontra-se inserido na Chapada Diamantina, parte do setor norte da Cadeia do Espinhaço, a qual ocupa cerca de 15%

do território da Bahia e é caracterizada por um mosaico composto de grandes áreas de caatinga, cerrado, diversos tipos de florestas e, principalmente, campo rupestre (HARLEY, 1995).

O clima de Mucugê é úmido/subúmido e semi-árido. Apresenta estação chuvosa de outubro a março e estação seca de abril a setembro. A temperatura varia entre 13ºC, na estação seca, e 30ºC na estação chuvosa. A média anual é de 18,9ºC. É possível haver um aumento marcante da umidade relativa do ar em função da variação de temperatura, até 10ºC, em um mesmo dia. A precipitação pluviométrica anual está entre 600 mm e 1.500 mm, com a ocorrência de grandes variações ano a ano (STRADMANN, 1998).

A coleta de dados foi realizada entre os dias 14 e 16 de maio de 2007, e durante este período, foram realizadas observações de alguns aspectos da biologia floral (como antese, duração da flor, viabilidade polínica) de cerca de 30 indivíduos de C. wurdackii. Em paralelo, foi realizado um total de 28 horas de observação das atividades dos visitantes florais, no intervalo entre 0:00h e 17:00h.

Algumas abelhas foram sacrificadas para a identificação das espécies pela Dra. Favízia F. de Oliveira (UEFS). Ramos da planta estudada foi coletado para a confirmação da espécie pela Msc. Andrea K. A. Santos (UEFS). O exemplar de ramo fértil de C. wurdakii encontra-se depositado no herbário da Universidade Federal da Bahia (ALCB) as abelhas encontram-se depositadas na Coleção Entomológica do Museu de Zoologia da UEFS.

Resultados e discussão

Os indivíduos de Cambessedesia wurdackii estudados são subarbustos lenhosos com cerca de 50 cm de altura. As flores são pentâmeras e apresentam cálice verde e pétalas com duas cores: amarela no terço basal e alaranjada no restante. Os estames, didínamos, são formados por anteras amarelas, alongadas e terminam em um poro apical. Tais anteras apresentam-se dispostas em dois agrupamentos, sendo um formado por três anteras grandes, as quais encontram-se agrupadas com o estigma, e outro formado por uma antera grande e 6 menores. A cor amarela tem sido apontada como um importante atributo relacionado à atração por abelhas diurnas (FAEGRI; VAN DER PIJL, 1979).

As flores de C. wurdakii apresentam um odor adocicado, mais forte no período da noite, proveniente da corola, cálice, folhas e ramos. Na pré-antese, o estilete se alonga, expondo o estigma para fora do botão, como descrito para C. hilariana (FRACASSO; SAZIMA, 2004). A antese inicia-se por volta de 1:00h, com o afastamento gradual das pétalas. Ao longo de toda a antese, as anteras apresentam-se em dois agrupamentos: um superior, composto pelas anteras menores e algumas maiores, e um inferior, com cerca de três anteras maiores e uma menor, conferindo à flor uma simetria fortemente zigomorfa. O estigma encontra-se à frente dos poros das anteras, caracterizando a hercogamia, comum em Melastomataceae (RENNER, 1989), que diminui as chances de autopolinização por favorecer o contato do

corpo do visitante com o estigma antes que se inicie a coleta de pólen. A flor dura cerca de três dias, ocorrendo queda das pétalas após esse período. A antese se completa por volta de 5:00h, ao mesmo tempo em que se inicia a atividade das abelhas visitantes.

A viabilidade do pólen nas anteras de diferentes tamanhos e em quatro fases da antese é muito semelhante, porém, desde a fase de pré-antese ao terceiro dia, os grãos viáveis tiveram alta viabilidade (Tab. 1) a qual está associada a uma maior possibilidade da formação de diferentes combinações entre alelos, e em última análise, de variabilidade genética (SOUZA; PERREIRA; MARTINS, 2002). Como consequência da alta viabilidade polínica nos três dias de duração da flor essa variabilidade genética torna-se potencializada, pois o pólen carregado em qualquer dia da duração da flor poderá germinar o óvulo, caso seja carregado no tempo hábil.

Foi registrado um total de 17 espécimes de abelhas visitando as flores, pertencentes a três famílias e quatro espécies: Megalopta sp. (Halictidae), Ptiloglossa sp. (Colletidae), Bombus (Fervidobombus) brevivillus (Franklin, 1913) (Apidae) e Euglossa sp. (Apidae). As espécies mais abundantes foram Megalopta sp. e B. brevivillus (seis indivíduos registrados de cada espécie), seguidos por Ptiloglossa sp. (4 ind.) e Euglossa sp (um indivíduo não coletado). Os primeiros visitantes foram Megalopta sp., que iniciaram sua atividade por volta das 5:15h, na ausência da luz direta do

sol. Esta espécie visitou cerca de três flores por indivíduo, mantendo-se por aproximadamente 20 segundos em cada flor. Ptiloglossa sp. iniciou suas visitas pouco depois de Megalopta sp. (por volta das 5:30h), visitando em média uma flor por indivíduo e permanecendo por volta de três segundos em cada flor. Essas abelhas encerraram suas atividades por volta das 6:30h, pouco antes do horário em que o sol nasceu (6:53h). B. brevivillus iniciou as

visitas por volta das 6:00h, encerrando suas atividades por volta das 8:00h. O indivíduo de

Euglossa sp. foi registrado às 8:10h.

Todas as abelhas visitantes vibraram as anteras, comportamento característico da “buzz pollination” (BUCHMANN, 1983). Porém, nenhuma das espécies de abelha conseguiu abraçar todas as anteras de uma só vez, como normalmente ocorre nas visitas de abelhas grandes a espécies de Melastomataceae (FRACASSO; SAZIMA, 2004). Em vez disso, eles geralmente abraçavam apenas o grupo de anteras de cima, fazendo com que o pólen das anteras de baixo fosse depositado na parte ventral do abdômen da abelha, local que entra em contato com o estigma durante a visita. Deste modo, a disposição dos verticilos florais da flor aumenta as chances do visitante transferir o pólen para o estigma.

Tabela 1 - Viabilidade do pólen (%) das anteras de diferentes tamanho em quatro fases da antese.

Fases da antese

Tamanho das anteras

Grande Pequena

Pré-antese 85,36 93,00 Flor de 1 dia 97,00 95,00 Flor de 2 dias 98,07 92,00 Flor de 3 dias 92,92 96,15

Até o momento, não foi encontrado na literatura nenhum registro da atividade de abelhas noturnas ou crepusculares em plantas da família Melastomataceae,, havendo registro apenas de pólen desta família em ninhos de Megalopta no Panamá (WISCLO et al,. 2004).

Considerações finais

Apesar de ser um estudo preliminar e com um número limitado de horas de observação, dados importantes foram registrados, principalmente no que diz respeito à atividade de abelhas crepusculares e noturnas, pouco estudadas no Brasil.

Além disto, as características morfológicas da flor estudadas parecem ter interferência direta na atividade do visitante e, consequentemente, na polinização dessa espécie vegetal. Estes aspectos estão sendo pesquisados mais profundamente pela primeira autora, que está estudando a fenologia, sistema reprodutivo e polinização de C. wurdackii na mesma área deste estudo.

Agradecimentos

À Rede baiana de Polinizadores, à coordenação do Parque Municipal de Mucugê, à Dra. Favízia F. de Oliveira e à Msc. Andrea K.A. Santos.

Referências

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No documento Biologia e ecologia da polinização - v. 2 (páginas 46-52)