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Relação entre a disponibilidade de pólen de Sorghum

No documento Biologia e ecologia da polinização - v. 2 (páginas 130-138)

bicolor (L.) e a frequência de visita de Toxomerus

politus (Say, 1823) (Diptera: Syrphidae)

Patricia Nunes Silva1

Guaraci Duran Cordeiro2

Diana Obregon3

José Ferreira Lima Neto4

Sempre se considerou as gramíneas plantas anemófilas. Plantas que são polinizadas pelo vento geralmente possuem flores com estigmas plumosos, alta quantidade de pólen em relação à quantidade de óvulos, pólen com ornamentação reduzida e com “polenkitt” ausente ou em pequena quantidade, estames longos e com nectários, perfume e perianto reduzidos ou ausentes. As flores são hermafroditas e organizadas de forma condensada em inflorescências pêndulas e localizadas longe da vegetação, acima das folhas (SOLDERSTOM; CALDERÓN, 1971; CULLEY; WELLER; SAKAI, 2002).

No entanto, muitas espécies de plantas anemófilas também podem ser polinizadas por insetos sequencialmente ou simultaneamente à polinização pelo vento, em uma mesma estação, como plantas da família Salicaceae e Arecaceae antes consideradas exclusivamente anemófilas (CULLEY; WELLER; SAKAI, 2002).

Considera-se que o sorgo Sorghum bicolor (L.) seja polinizado pelo vento, entretanto, muitas espécies de abelhas coletam pólen nessa espécie na África (IMMELMAN; EARDLEY, 2000; SCHMIDT; BOTHMA, 2005).

Em uma região do Rio Grande do Sul, as famílias Apiaceae e Asteraceae foram visitadas por grande número de espécies e indivíduos de Syrphidae, porém muitas também visitaram espécies de Poaceae (MORALES; KÖHLER, 2008). Foi registrado por Terrell e Batra (1984) Poaceae sendo visitada por Toxomerus politus (Say, 1823) (Syrphidae).

Adultos de Diptera se alimentam de uma grande variedade de alimentos líquidos ou semi- líquidos. As partes bucais de todas as espécies, indiferentemente da origem do recurso, são

1 Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (pnsilva@usp.br) 2 Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (guaradc@ig.com.br) 3 Universidad Nacional de Colômbia (dianaobregonc@yahoo.com.br) 4 Universidade Federal de Sergipe (netoagr@yahoo.com.br)

funcionais e são compostas de: um par de mandíbulas, maxila, labro, hipofaringe e lábio. No entanto as mandíbulas são ausentes em muitos Diptera que visitam flores (KRENN; PLANT; SZUCSICH, 2005).

Em Diptera (Syrphidae) há uma estrutura que é vital para obter o pólen das anteras e conduzi-los para o canal alimentar. Esta estrutura é a labela, que auxilia na coleta do pólen por repetidos movimentos de batidas e esfregões diretamente na antera. O pólen que fica aderido na superfície da labela é ingerido para o canal alimentar. Uma grande quantidade de saliva é secretada no canal alimentar, mais precisamente no final da hipofaringe, que se junta com os grãos formando uma suspensão de grãos de pólen. Medidas no diâmetro do canal alimentar de uma espécie de Syrphidae mostraram que é correspondente ao diâmetro de grãos de pólen coletados pelos adultos; espécies de flores das quais os grãos de pólen são maiores do que o canal alimentar, não são aceitos (SCHUHMACHER; HOHANN, 1982).

O pólen é utilizado pelas fêmeas como fonte de proteína para desenvolver os tecidos reprodutivos e para a produção dos nutrientes nitrogenados depositados no vitelo dos ovos (GILBERT, 1986; HASLETT, 1989). O consumo de pólen é essencial para o funcionamento normal dos ovários (SCHNEIDER, 1969). Fêmeas grávidas apresentam mais pólen no intestino que fêmeas não grávidas (IRVIN; WARTTEN; FRAMPOTON, 1999).

As larvas de sirfídeos também apresentam vários tipos de alimentação, incluindo fitofagia, micofagia e entomofagia. As larvas de algumas espécies de Volucella alimentam-se do pólen de ninhos dos himenópteros dos quais também se alimentam (ROTHERAY; GILBERT, 1999; STÅHLS et al., 2003). Larvas de T. politus podem se alimentar de pólen das anteras de milho (RICHARDSON, 1915).

Durante uma visita a uma plantação de sorgo (Sorghum bicolor), uma grande quantidade de T. politus (Diptera: Syrphidae) foi observada visitando a plantação. Dessa maneira, a questão principal do trabalho foi se havia relação entre disponibilidade de pólen de Sorghum

bicolor e a frequência de visita por essa espécie de sirfídeo. Outras questões surgiram

durante o desenvolvimento do trabalho: se a razão entre machos e fêmeas de sirfídeos visitando as flores muda ao longo do tempo; se tanto os machos quanto as fêmeas comem pólen; se as larvas (provavelmente imaturos de T. politus) comem pólen e se T. politus poderia contribuir para a polinização do sorgo.

Material e métodos

O trabalho foi desenvolvido em Limoeiro do Norte (5°08’44” S e 38°05’33” W), localizado na região do Baixo Jaguaribe, Ceará, Brasil. O ponto de coleta de dados foi uma plantação comercial de sorgo de uma fazenda agrícola e os procedimentos de laboratório foram realizados na Faculdade de Tecnologia CENTEC, Limoeiro do Norte.

A região está localizada dentro do bioma Caatinga e a vegetação predominante é de pequeno porte. Na estação chuvosa a vegetação se apresenta verdejante e com ressecamento e desfolhamento durante a estação seca. O clima da região é característico do semi-árido. A temperatura varia entre a máxima de 36°C e mínima 24°C. No município ocorrem duas estações bem distintas. A estação chuvosa, chamada de “inverno”, de janeiro a junho e a estação da seca chamada “verão” de julho a dezembro. O relevo é de altitudes modestas e com terrenos arenosos, destaca-se a Chapada do Apodi, divisória entre os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte.

A espécie encontrada visitando o sorgo foi T. politus. O gênero Toxomerus é característico das regiões temperada e tropical do Novo Mundo e é muito abundante, com mais 150 espécies descritas, sendo que 143 são neotropicais.

Para testar a relação da disponibilidade de pólen de Sorghum bicolor e as visitas por T.

politus todos os parâmetros abaixo foram observados a cada hora entre as 6:00 e 17:00h.

Para contabilizar a frequência de visitas de T. politus em S. bicolor contamos estas visitas a cada hora por cinco minutos, em oito plantas, e se estes visitantes eram machos ou fêmeas. O padrão de movimentação foi observado conforme o trajeto que os visitantes traçavam na inflorescência. A atividade dos visitantes foi observada para elucidar se estes se alimentavam e/ou ovipositavam na inflorescência.

Em S. bicolor um parâmetro observado foi a receptividade estigmática, testada com pingos de peróxido de hidrogênio (H2O2) com pipeta no ápice de cada estigma, sendo analisados quatro estigmas por hora de uma mesma inflorescência. Se o ápice do estigma borbulhava com o H2O2 este era considerado receptivo. Outro parâmetro observado foi a liberação de pólen, utilizando lupa manual comum para avaliar o estado das anteras e se estas estavam dispersando ou não o pólen. Para verificar a presença de pólen nos estigmas foi coletada uma inflorescência por hora e posteriormente, com o auxílio de microscópio quatro estigmas foram checados.

A disponibilidade de pólen no ar foi avaliada utilizando-se quatro armadilhas para pólen (figura 1), com quatro mega estigmas cada (16 mega estigmas por hora). No entanto, foi realizada a contagem do pólen de um mega estigma de cada armadilha por hora. A velocidade do vento foi medida a cada hora com anemômetro(m/s).

Resultados

Uma maior frequência de visitas às inflorescências de sorgo ocorreu entre 6:00 e 10:00h. Após esse horário, o número de visitas diminuiu drasticamente (Fig. 1).

Antes das 8:00 horas (Fig. 1), as anteras estavam túrgidas e apresentavam o pólen em sua superfície, porém, este ainda não estava sendo disperso pelo vento, permanecendo

na superfície das anteras. Após esse horário as anteras secavam e o pólen era disperso pelo vento.

Apesar da quantidade de fêmeas visitando as inflorescências ter sido maior que a quantidade de machos em todos os horários (teste de Kruskall-Wallis, p<0,05), a razão sexual dos sirfídeos visitando as inflorescências de sorgo mudou entre 6:00 e 10:00 horas: a proporção de fêmeas nas inflorescências aumentou, enquanto que no controle (sirfídeos coletados nas pernas dos observadores) não houve grandes mudanças, exceto entre 9:00 e 10:00 horas (Fig. 2).

Em relação à alimentação de T. politus, tanto as fê- meas quanto os machos se alimentam do pólen do sorgo. Eles pousavam so- bre a inflorescência, segu- ravam as anteras com as pernas anteriores e comiam o pólen da antera. Em se- guida andavam sobre a inflo rescência até encontrar outra antera.

As larvas foram en con tra- das no sorgo em entre 6:00 e 7:00 horas. Elas an davam pelas inflorescências e foram observadas com a cabeça encostada nas anteras, com movimentos que indicavam que estas estavam se alimentando. Ao serem dissecadas, grãos de pólen de sorgo foram encontrados em grande quantidade no sistema digestivo dessas larvas. Larvas e pupas foram enviadas para análise genética para verificar se são os imaturos de T. politus visitantes do sorgo.

Figura 1 - Número médio de visita às inflorescências de sorgo (Sorghum

bicolor).

Figura 2 - Razão sexual dos sirfídeos (Toxomerus politus) visitando as inflorescências de sorgo (Sorghum bicolor) de 6:00 a 10:00 horas.

Os estigmas estavam receptivos de 6:00 a 11:00 horas da manhã, contudo, problemas na técnica utilizada foram encontrados. Os estigmas eram muito pequenos e era difícil colocar H2O2 somente na superfície estigmática. Além disso, a formação de bolhas não era facilmente observável e não há certeza de que a mudança na coloração dos estigmas após a utilização de H2O2 seja indicativa da receptividade do estigma.

O número de grãos de pólen de sorgo encontrado nas armadilhas variou de acordo com a velocidade do vento (Fig. 3). Houve uma correlação negativa (r=-0,25; p<0,05) entre a quantidade de pólen presente nas armadilhas e a frequência de visitas de T. politus às inflorescências (Fig. 4).

Discussão

O número de grãos de pólen de sorgo encontrado nas armadilhas variou de acor do com a velocidade do vento. Entretanto, um maior número de visitas de T. politus às inflorescências de sorgo ocorreu quando foi encontrada uma menor quantidade de pólen nas armadilhas. Essa medida, quantidade de pólen nas armadilhas, poderia ser um indicativo de maior disponibilidade de pólen, porém, ela somente indicou uma maior disponibilidade de pólen no ar, quando o pólen estava pulverulento. No momento em que ocorreu uma maior quantidade de visitas ao sorgo pelos sirfídeos, antes das 8:00 horas, as anteras estavam túrgidas e apresentavam o pólen em sua superfície, porém, este ainda não estava sendo disperso pelo vento, permanecendo na superfície das anteras, ou seja,

Figura 3 - Velocidade máxima do vento (m/s) e número médio de grãos de pólen de sorgo presentes na armadilha ao longo dia.

Figura 4 - Relação entre o número médio de visitas às inflorescências de sorgo e o número médio de grãos de pólen dessa planta na armadilha.

mais disponível aos T. politus. Dessa maneira, a maior frequência de visitas coincidiu com a maior disponibilidade de pólen.

Em relação à alimentação dessa espécie de sirfídeos, tanto as fêmeas quanto os machos se alimentaram do pólen do sorgo. O mesmo padrão comportamental com que os adultos se alimentavam foi observado por Richardson (1915), porém em indivíduos forrageando em milho. No Cinturão Verde (RS – Brasil), T. politus também foi encontrado visitando quatro espécies de plantas da família Poaceae, sendo uma delas Paspalum conspersum, as outras três não foram identificadas (MORALES; KÖHLER, 2008).

A razão sexual da taxa de visita indicou que um maior número de fêmeas visitava a plantação de sorgo. Isso pode indicar que as fêmeas necessitam mais de pólen que os machos, visto que precisam de proteína para o desenvolvimento e funcionamento dos órgãos reprodutivos e para a formação dos ovos (GILBERT, 1986; HASLETT, 1989; SCHNEIDER, 1969), no entanto, também pode ser apenas um reflexo de uma razão sexual populacional desviada para fêmeas.

Larvas foram encontradas se alimentando no sorgo. Quando dissecadas, pólen de sorgo foi encontrado no sistema digestivo dessas larvas, comprovando que elas também comiam pólen. Richardson (1915) observou larvas de T. politus se alimentando de pólen das anteras de milho e descreve relatos de outros pesquisadores que observaram larvas se alimentando tanto de pólen como de partes da planta e afídeos e conclui que o hábito de se alimentar de pólen pode ser ocasional e que normalmente as larvas devem ser predadoras e viver escondidas na vegetação.

Larvas e pupas encontradas no S. bicolor e adultos de sirfídeos foram enviados para análise genética para verificar se esses são os imaturos dos sirfídeos visitantes do sorgo. A hipótese é que esses estágios realmente sejam os imaturos desses sirfídeos, pois as fêmeas que visitavam o sorgo ovipositavam nas inflorescências, no espaço entre uma flor e outra e as pupas foram encontradas também nesses locais. Se essa hipótese for corroborada, a hipótese de que esses sirfídeos dependem dessas plantas, pelo menos nesse local de estudo, durante todo o seu ciclo de vida.

Os sirfídeos da espécie Cheilosia albitarsis (Meigen, 1822) se alimentam de pólen e néctar de Ranunculus repens (HASLETT, 1983). Dos visitantes de Brassica rapa, 61,70% são Syrphidae e é apontado como o efetivo polinizador (FELDMAN, 2006). Muitas espécies de sirfídeos da família Syrphinae e a subfamília Eristaline provavelmente são polinizadores importantes (GRIMALDI; ENGEL, 2005). Dessa forma, é possível que T. politus possa contribuir para a polinização do sorgo, visto que durante as visitas, tocam tanto os órgãos femininos quanto masculinos da planta, no período que o estigma está receptivo (entre 6:00 e 11:00h), podendo assim atuar como agente transportador de pólen.

Agradecimentos

Aos professores: Peter G. Kevan, Leonardo Galetto, Blandina Felipe Viana, Breno Magalhães Freitas e Favízia Freitas de Oliveira. Aos monitores: Issac Gabriel Abrahão Bomfim, Patrícia Barreto de Andrade e Rômulo Augusto Guedes Rizzardo. Ao professor Peter G. Kevan pelas análises genéticas.

Referências

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GRIMALDI, D.; ENGEL, M. Evolution of the insects. Cambridge University press: New York, 2005. HASLETT, J. R. Adult feeding by holometabolous insects: pollen and nectar as complementary nutrient sources for Rhingia campestris (Diptera: Syrphidae). Oecologia, v. 81, p. 361-363, 1989. HASLETT, J. R. A photographic account of pollen digestion by adult hoverfties. Physiological

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Aspectos da biologia floral, visitantes florais e sucesso

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