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3. DO DIREITO À SAÚDE

3.13 Da competência constitucional em matéria de saúde pública

A matéria saúde envolve algumas discussões constitucionais sobre a competência.

Nessa senda, passaremos a discorrer sobre alguns pontos relevantes.

De início, cumpre distinguir as categorias de competência, especialmente a material e a legislativa, privativa e concorrente.

Competência material e legislativa não se confundem. Tratam de objetos diversos de valoração. No primeiro caso, tem-se o poder de agir para executar materialmente as disposições

(um inteiro e dois décimos por cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e serviços públicos de saúde. § 10. A execução do montante destinado a ações e serviços públicos de saúde previsto no § 9.º, inclusive custeio, será computada para fins do cumprimento do inciso I do § 2.º do art. 198, vedada a destinação para pagamento de pessoal ou encargos sociais. Art. 167. São vedados: [...] IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2.º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8.º, bem como o disposto no § 4.º deste artigo.”

391 “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. [...] Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 4.º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.”

392 “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. [...] II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.”

393 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1.º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil.”

constitucionais e legislativas; no segundo, atribui-se o poder para conformação normativa das normas constitucionais, delimitando o âmbito legislativo de cada ente federado.

Fernanda Menezes assume a tese de que a federação é um grande sistema de repartição de competências que confere substância à descentralização em unidades autônomas, de modo que a partilha de competências configura-se como um imperativo do federalismo para a preservação do relacionamento harmônico entre União e Estados-membros. A ausência de delimitação das atribuições do conjunto e das partes, que coexistem e atuam simultaneamente, levaria à convivência conflituosa, arriscando o equilíbrio mútuo a que corresponde o modelo federativo.394

A criação de competências comuns é fruto da descentralização de ônus entre os integrantes da federação a fim de que o alcance das metas e objetivos da República advenha da cooperação entre todos.

Na hipótese de competência privativa, é de bom alvitre colacionar o entendimento de José Afonso da Silva, para quem há divergências entre as expressões privativas e exclusivas, visto que a primeira admite a delegação e o exercício de competência suplementar, o que não ocorre nesta última, insuscetível de delegação.395

Em matéria de saúde, pode-se compilar a competência legislativa e material dos entes federados conforme os Quadros 2 a 5.

Quadro 2 – Competência legislativa privativa da União COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO Art. 22. Compete privativamente à União

legislar sobre:

XXIII – seguridade social;

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Fonte: Elaboração própria

394 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2013. p. 15

395 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1999.

Quadro 3 – Competência legislativa

Fonte: Elaboração própria

Quadro 4 – Competência material privativa da União COMPETÊNCIA MATERIAL PRIVATIVA DA UNIÃO Art. 21. Compete à União:

IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA Concorrente entre União, Estados,

Distrito Federal

Suplementar dos Municípios

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;

Art. 30. Compete aos Municípios:

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

§ 1.º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2.º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3.º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4.º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

Fonte: Elaboração própria

Quadro 5 – Competência material comum

COMPETÊNCIA MATERIAL COMUM DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Art. 30. Compete aos Municípios:

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

Fonte: Elaboração própria

Dispõe o artigo 23, II, que, no exercício da competência comum, cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cuidar da saúde e assistência pública. No seguinte, artigo 24, XII, há a previsão de competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislarem sobre previdência social, proteção e defesa da saúde. Não obstante, o artigo 22, XXIII, estabelece a competência legislativa privativa da União para deliberar sobre seguridade social.

O ponto de partida encontra-se no Título VIII – Da Ordem Social, visto que, conforme o disposto no artigo 193, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. Acrescenta o respectivo parágrafo único que “O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas”.

Subsequente, no Capítulo II – Da Seguridade Social, Seção I – Disposições Gerais, o artigo 194 prevê que “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. As seções posteriores tratam especificamente de cada um desses direitos, respectivamente, Seção II – Da Saúde, Seção III – Da Previdência Social e Seção IV – Da Assistência Social.

Infere-se, pois, que a seguridade social é composta pela saúde, previdência social e assistência social. Dessume-se que a saúde é uma parte entre as três que compõem o tema seguridade. Nessa toada, a legislação que dispõe sobre seguridade social ou ações materiais respectivas refletirá diretamente no tema saúde. Tomem-se por exemplo os objetivos da seguridade social discriminados no artigo 194, parágrafo único.396

Postas tais premissas, podem-se afirmar algumas conclusões sobre a competência legislativa e material em matéria de saúde.

No tocante à competência legislativa, compreendendo-se a saúde como parte integrante da seguridade social, fica evidente a competência privativa da União para editar normas acerca do tema. Não obstante, o parágrafo único do artigo 22 prevê a possibilidade de lei complementar autorizar os Estados a legislarem sobre questões específicas das matérias nele relacionadas.

396 “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento, identificando-se, em rubricas contábeis específicas para cada área, as receitas e as despesas vinculadas a ações de saúde, previdência e assistência social, preservado o caráter contributivo da previdência social; VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.”

Discorrendo sobre o esquema organizatório-funcional das competências em matéria de saúde, Fernanda Menezes397 destaca:

Só mesmo o plano nacional de saúde que constava da anterior Constituição não foi previsto expressamente na que está em vigor. Mas não se tenha dúvida, porém, da ascendência que ainda permanece com a União no tema “saúde”. Embora pelo artigo 23, II, tenha se tornado competência comum de todas as entidades federativas cuidar da saúde, o artigo 198 não esconde a centralização das ações e serviços públicos de saúde que integrarão uma rede regionalizada e “hierarquizada”, constituindo um

“sistema único”. Além disso, a saúde é tratada em seção do capítulo de seguridade social, que, nos termos do artigo 194, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. E a lei que nos termos do parágrafo único do artigo 194 deverá organizar a seguridade social será a lei federal, já que o artigo 22, XXIII, defere privativamente à União competência para legislar nessa matéria.

A jurista mineira defende que as leis complementares a que alude o parágrafo único do artigo 23 não retiram da União o comando geral no âmbito das competências materiais comuns, a partir do comando legislativo que lhe é específico. Ao contrário, tais leis complementares deverão fixar as bases políticas e normas operacionais que disciplinarão a forma de execução dos serviços e atividades cometidos concorrentemente a todos os entes federados, o que se revela salutar para a especificação daquilo que compete a cada esfera na prestação dos serviços objetos da competência comum. Pontua, por fim que:

De fato, isto é muito importante para que, levando-se em conta as reais possibilidades administrativas e orçamentárias dos diversos parceiros, não se atribua a algum deles, em nome de uma responsabilidade solidária, tarefa que não possa cumprir. Assim é que – tomando-se por hipótese os serviços de saúde – atentaria contra os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade exigir-se de um Município sem recursos técnicos e financeiros suficientes o fornecimento à população de remédios ou tratamento médico cujo alto custo e alta complexidade estejam além da reserva do possível.398

Ainda sobre a competência legislativa, mas agora concorrente, dispõe o artigo 24, § 1.º, que à União caberá editar apenas normas de caráter geral. De modo sucinto, podem-se entender como normas gerais aquelas que não objetivam especialmente uma pessoa ou particularizam uma situação e que se abstenham de tecer detalhes ou pormenores em sua regulamentação.

Como registrado alhures, a organização das competências legislativa e material aponta para uma centralidade da União em matéria de saúde. Por conseguinte, não se pretende afastar peremptoriamente a ação dos Estados, Distrito Federal e Município. Significa tão somente que

397 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988 cit., p. 70.

398 Ibidem, p. 119.

cabe à União o papel de articulador e provedor central do SUS, o que ficará ainda mais evidente quando da análise da racionalidade dos protocolos desse sistema.