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Da Contribuição Psicanalítica: o sujeito do desejo

3 O DINHEIRO E SUAS EQUIVALÊNCIAS SIMBÓLICAS: UM ESTUDO EM FREUD

3.2 Da Contribuição Psicanalítica: o sujeito do desejo

A título de rememoração do que concerne aos atributos do dinheiro social e historicamente, podem ser delineadas como propriedades essenciais as características de troca, facilidade e inter-relações. O dinheiro por si só não é digno de valor, mas passa a valer por representar a coisa real. É ele que está nos diferentes cenários como motor da história ou, no mínimo, atrelado ao desenvolvimento das diferentes civilizações. Surge, dessa forma, através do processo de intercâmbio entre comunidades, adquirindo formas e performances diversas a depender do contexto em que se inseria ao longo da história.

Sob pesquisas e perspectivas psicológicas, o dinheiro é capaz de atender à necessidade de atribuição de finalidade existente nos seres humanos, se transmutando em fim, quando em verdade se faz somente como meio. Aparece como um meio coletivo civilizado, já que se constitui como uma forma indireta de se atingir os objetos desejados. Por sua capacidade de inespecificidade, pois a tudo torna indistinto, o dinheiro é também vulgar, põe sobre o mesmo nível aquilo que há de mais elevado ao que há de mais baixo, em contraponto à ideia de ser raro, por equivalência às coisas raras necessitarem de mais dinheiro para serem adquiridas. Nesse sentido, dar dinheiro também denota impessoalidade, pois deixa no anonimato a

personalidade daquele que o dá, coisa não possível quando um objeto é dado em lugar do dinheiro.

Ademais, no imaginário social o dinheiro tem atributos de metamorfosear-se em desigualdade, progresso, cultura, poder, desapego, conflito, estabilidade, sofrimento, dentre outros tantos significados variáveis de acordo com a abundância ou escassez com que ele aparece. O dinheiro é relacionado ainda a fatores como altruísmo, e em contrapartida aparece também como causador de conflitos e distanciamento entre as pessoas.

Nas teorias psicológicas, contudo, percebe-se um movimento de atribuição de significados e valores ao dinheiro como algo dado, estabelecido, com o principal objetivo de subsidiar pesquisas sobre o comportamento econômico cotidiano (MOREIRA e TAMAYO, 1999). Embora estudiosos das ciências econômicas indiquem uma correlação entre os fatores econômicos e a cadeia de motivação humana, as produções no âmbito da psicologia carecem de uma articulação desses significados a um sujeito que se desenvolve a partir do mundo conduzido economicamente; de um sujeito que conferiu ao longo da história uma importância acentuada ao dinheiro; um sujeito que foi ordenado pelos modos de produção e que validou esses modos simultaneamente.

É nessa carência de um sujeito ativo que a psicanálise indica um caminho aos estudos sobre os comportamentos econômicos já estabelecidos. Na elaboração estrutural de um ser que modela e é modelado pela realidade. E nesse sentido, a psicanálise pode contribuir para uma interpretação do dinheiro como detentor de tantos atributos e da verificação de um lugar supremo.

Mas a questão do sujeito na psicanálise se apresenta também como um campo amplamente debatido, embora ainda fecundo, visto que Freud não elaborou uma definição explícita sobre o tema, e se fez valer de um debate crítico acerca das teorias e concepções preconcebidas em seu tempo, o que resultou numa redefinição da experiência humana. A noção de sujeito atravessa, portanto, todo o aparato da doutrina psicanalítica, seja de forma implícita seja como um núcleo central da teoria, e se faz sempre permanente na obra de Freud (CABAS, 2010).

O sujeito em psicanálise requer a consideração de que o humano é primitiva e prematuramente um ser de relação, um ser que vem ao mundo em total desamparo e não sobrevive senão a partir dos cuidados especiais que lhe dedicam, pois não conta com os instintos e a estrutura de guia existente nos animais na natureza. Deficiente na sobrevivência por si só, o humano conta fundamentalmente com uma mãe que o oriente em suas

necessidades, em que esta, por sua vez, também se encontra carente de instintos maternos para a tarefa incumbida. Portanto,

É nesse desencontro que nascemos e nos constituímos como sujeitos, dependendo da palavra, de início vagidos, interpretada pelo outro, para obter a satisfação. É nesse contexto que as necessidades do sujeito se transformam em demanda, demanda de que o outro o ame, única garantia de sobrevivência. O que escapa entre a necessidade e a demanda é o desejo que anima o sujeito do inconsciente.

Esse desejo provém da falha, da impossibilidade de que o outro o entenda totalmente ou mesmo que atenda totalmente sua demanda de amor inesgotável e, portanto, impossível de ser atendida (RIBEIRO, 2011, p.8).

O sujeito em psicanálise, deste modo, é um sujeito referido ao outro, um sujeito do inconsciente e um sujeito do desejo. Um sujeito que não comporta o conceito de necessidade de forma isolada, perpassando necessariamente desde sua gênese a demanda ao outro. Nesse sentido, o inconsciente é para Freud uma série de pensamentos em estado de latência, e o desejo é aquilo que denota um paradoxo: a partir de uma realização, não há somente a produção de prazer e satisfação, mas o estabelecimento de uma angústia, formalizada como um desprazer. A psicanálise apreende, portanto, uma observação de que o mesmo sujeito desejante se faz paradoxal quando, embebecido pelo inconsciente, se faz cindido entre aquilo que o move e aquilo que lhe faz resistir à realização do desejo. A presença do desejo e da resistência – ambos de esfera inconsciente – denota uma pergunta do sujeito sobre si mesmo (CABAS, 2010).

O sujeito disperso na obra de Freud é o sujeito do inconsciente, mas esse inconsciente “é um conjunto que tem a vocação de representar os imperativos da pulsão” (CABAS, 2010, p.48), o que implica dizer que o sujeito da psicanálise é um sujeito pulsional.

Mas em que constitui a pulsão?

Para Freud (1915/1996), a pulsão é um estímulo peculiar em sua origem, pois não provém do exterior, mas do próprio organismo e atua diretamente sobre o psiquismo. Pode-se considerar que a pulsão tem representantes de ordem física, bem como aquelas de não apreensão, diz-se, portanto, ser a pulsão “um conceito limite entre o psíquico e o somático” (p.57), sendo um estímulo que desestabiliza e inquieta o princípio inercial da vida psíquica e a lei de menor esforço (CABAS, 2010).

A fonte pulsional funciona, dessa forma, por um viés excitatório que requer permanentemente um ato capaz de lhe cessar a excitação, mas a pulsão é somente parcial, submetida ao órgão de origem, impossível de abarcar um ato íntegro, e denota assim um

ponto impossível de conter (FREUD, 1915). A fenda encontrada entre a impossibilidade de saturação da pulsão é o lugar do sujeito em questão (CABAS, 2010).

Se o inconsciente está como representante dos imperativos da pulsão, e esta não coexiste se não em dualidade, como aquelas voltadas à satisfação sexual e as voltadas à conservação da vida – que mais tarde Freud desembocou nos conceitos de pulsões de vida e pulsões de morte – o sujeito do inconsciente aparece também marcado pela ambivalência e pela dualidade (CABAS, 2010).

Essa condição inerente ao sujeito na psicanálise pode ser ainda mais delimitada a partir da elaboração de Freud sobre a personalidade psíquica, a observação da atuação dos sujeitos ante seus sintomas na prática clínica apontou a existência de tendências à repetição, com tentativas de dar conta da satisfação não atingida, à procura de um ato ou objeto que indique o caminho de sutura do ponto em aberto, o que evidencia, portanto, “que existe na vida anímica uma obsessão de repetição que vai mais além do princípio do prazer e, portanto, mais além do Eu” (p.80). Se há um mais além, torna-se clara a divisão do sujeito ante um Ego e um Id, sendo este último o que impulsiona a recordação e a repetição de algo que se revela prazeroso assim como o seu oposto (CABAS, 2010).

O conceito pulsional de Freud está intimamente relacionado com o desenvolvimento da sexualidade, tanto que foi sob a rubrica de pulsões sexuais que os primeiros grandes tipos de pulsões foram denominados, ao lado das egoicas. As zonas erógenas aparecem como fontes primordiais de excitação, e são os órgãos correspondentes às zonas o que mantém a pulsão compatível com sua origem, e suas finalidades podem ser circunscritas como a luta pelo prazer do órgão (FREUD, 1915).

Nesse sentido, a partir de elaborações sobre a sexualidade infantil, Freud (1923b/1996, 1930/1996) consagra a divisão do sujeito também através da observação de complexos universais como o Complexo de Édipo e o Complexo de Castração, em que a diferença sexual entre o masculino e o feminino se confirma ante a ausência ou a presença do órgão – percebido pelos pequenos em suas primeiras teorias sexuais como se todos os humanos possuíssem um pênis – sendo que a constatação da inexistência deste nas meninas evidencia somente que se não há o órgão é porque houve uma castração. O estágio da sexualidade infantil em que essas teorias se fantasiam, denominado por Freud de fálico, é caracterizado pela ausência de representação psíquica do sexo feminino, organizando-se a diferença sexual em torno da posse ou não do falo (ROUDINESCO e PLON, 1998).

O falo, portanto, pode ser considerado, na obra de Freud, como a representação simbólica do órgão sexual masculino, em que, neste sentido, “a castração só pode ser a

representação simbólica da ameaça de desaparecimento na medida em que esta não concerne ao pênis, objeto real, mas ao falo, objeto imaginário” (ROUDINESCO e PLON, 1998, p.106). A partir da ameaça vexante da castração, o sujeito se desenvolve sexualmente como um ser dividido, em que necessita renunciar aos seus desejos mais primitivos em prol da manutenção de seu órgão, atrelado às esferas física e simbólica.

É esse sujeito psicanalítico cindido, implícito e permanente na obra de Freud, um sujeito que está, desde a gênese, referido ao outro, que norteará as discussões e possíveis articulações sobre o dinheiro e suas equivalências simbólicas em nível não somente individual, como social. O ser clivado, permeado pela sexualidade implicada à alteridade. A relação desse sujeito com o dinheiro no registro simbólico e na realidade externa deve ser entendida irrestritamente em consonância à relação do sujeito com seu corpo e com o outro.

Sobre o sujeito clivado e desarmônico, é necessária uma nota de ênfase acerca do psiquismo, em que este não se restringe à interioridade, mas é dialético com a exterioridade, uma vez que se funde no inconsciente. É da ordem da linguagem, imprescinde da presença do outro e pressupõe a cultura em sua constituição. Se essa característica alter é fundamental na constituição do ser, o sujeito psicanalítico se instaura através de uma dívida simbólica, em que não existiria se não fosse pelo contato com o outro. É a dívida simbólica, portanto, que permite a convivência comunitária com o compartilhamento de valores, apesar das diversidades que se apresentam. É através dessa condição de “dependência” do outro que se faz possível o sistema de trocas entre os sujeitos, com a demanda de reconhecimento mútuo (BIRMAN, 1993).

O reconhecimento do outro intervém diretamente no sujeito pulsional delineado por Freud. É somente através do outro que a pulsão, indigna de plenitude, encontra objetos parciais para a satisfação. Já que originariamente toda pulsão é de morte, regulada pelo princípio do nirvana com tendência à descarga total, é através do outro que passa a se regular também através do princípio do prazer/desprazer. A pulsão encontra no outro o movimento essencial que não restringe seu funcionamento à descarga total exigida pelo princípio do nirvana. É só a partir da satisfação parcial encontrada no outro que o sujeito se põe como desejante (GOES, 2008).

O outro se instaura, portanto, como possibilitador da própria vida do sujeito, uma vez que o circuito pulsional, se deixado a si mesmo, teria a morte como destino (GOES, 2008). A psicanálise, portanto, sustenta uma possibilidade de análise pulsional do estatuto supremo do dinheiro a partir desse sujeito complexo social, permeado por desejo e por fatores sexuais que

o permite criar, inventar e ir em frente na constituição de si, do outro e das formulações político-culturais nas quais está inserido original e permanentemente.

3.3 Equivalências Iniciais entre o Singular e o Social: deslizando entre a troca e a