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O Mito Científico e a Competitividade Velada

4 O SUJEITO PSICANALÍTICO FRENTE À ETERNA LUTA DE CLASSES

4.4 O Mito Científico e a Competitividade Velada

Pautando-se num tratado histórico do dinheiro, tem-se que a vida comunal foi paulatinamente se dividindo em classes sociais (HUBERMAN, 1936). Estas, por sua vez, estabelecem-se de forma a possibilitar o humano, através do poderio do dinheiro, apropriar-se da natureza e de seus recursos, bem como ajudar suas pulsões originárias a darem vazão através da dominação entre si e da natureza. Diz-se, portanto, de tal divisão se dar como uma forma de evolução e melhoria nos modos de dominação da natureza, porém, o que se consta é não somente a dominação na esfera material, mas nas formas de relacionamento entre os

humanos, em que se formam laços sociais de exploração e o próprio homem vem a funcionar como riqueza na medida em que sua força de trabalho é explorada (FREUD, 1927/1996).

Em consonância à existência de pulsões singulares, é percebida – nas sociedades atuais em que o dinheiro tomou todo o aspecto de detentor das necessidades humanas – a existência de exploração indiscriminada, com reprodução permanente das formas de dominação da classe dominante, bem como tentativas inócuas e involuntárias de quebra dessa lógica que, no entanto, convergem somente para a sua reprodução.

Inicialmente, Freud (1933c/1996) nos diz que é “um princípio geral que os conflitos de interesses entre os homens são resolvidos pelo uso da violência. É isto que se passa em todo o reino animal, do qual o homem não tem motivo porque se excluir” (p.198). Desde os tempos de hordas era a força física que decidia quem tomaria o domínio das coisas e faria prevalecer a sua vontade – guiados pelas forças pulsionais de vida e de morte. A força muscular foi paulatinamente substituída por instrumentos e pelo estabelecimento de leis e do Estado para atingir os mesmos objetivos. E nas atualizações dessa condição nos tempos atuais, o que se tem é uma violência perpassada do eixo individual para uma violência social comunitária.

É nesse contexto que o mito utilizado por Freud (1913c/1996) como originário do complexo paterno traz uma última contribuição para a análise dos antagonismos e competitividades existentes nos cenários em que o dinheiro está envolvido. Freud observa na trama da sexualidade humana – encontrada tanto nas neuroses atuais como nos humanos primitivos – o mesmo sentimento fundamental de ambivalência, novamente para com a figura do pai, que pode ser entendida como fundante da vida em sociedade.

A organização na horda primeva se dava pela apropriação de todas as mulheres sob os domínios de um pai ciumento e violento. Na medida em que os filhos se punham crescidos, eram expulsos do bando de forma que o pai permanecesse em sua condição exclusiva e dominante. Porém, os irmãos excluídos tem por desejo esse lugar soberano e decidem unir-se na destituição do pai, considerando que as forças em conjunto seriam de maior potência que a individual paterna. Dessa forma, retornam ao bando, matam e devoram o pai.

No entanto, a quebra da horda patriarcal através do assassinato não concedeu aos irmãos a realização do desejo original de identificar-se com o supremo e ter para si todas as mulheres do bando, visto que os desejos se faziam mútuos. Assim, “o que até então fora interdito por sua existência real foi doravante proibido pelos próprios filhos” (p.147), nenhum destes se possibilitou reivindicar a posse das mulheres livres tendo em vista a união das forças contra o pai, mas uma rivalidade concomitante entre si. A forma pela qual se utilizaram para a destituição do poder paterno se posta à última instância, resultaria numa luta incessante, visto

que não havia força isolada capaz de tornar um só o representante do pai. De forma a manterem-se vivos – na busca pela sobrevivência – os irmãos não possuíam outro escape se não o da instituição da lei contra o incesto, com a permanência da vida comunal.

Apercebe-se aqui a dupla identificação: ao ponto que os irmãos se põem no lugar do pai, surge concomitantemente a certeza de que não há a possibilidade de sê-lo por completo, não se faz possível tomar para si todas as prerrogativas. Depreende-se, portanto, que, como a terceira instância psíquica ao lado do Ego e do Id, o Superego de Freud (1923a/1996) inicia por tomar forma a partir dessa identificação. Sob o contorno de sentimento de culpa inconsciente, o Superego detém em si o caráter castrador do pai, solvente das escolhas objetais primitivas.

Apesar do acordo mútuo que possibilitou o desenvolvimento da sociedade fraternal, os ímpetos originários de tomar o lugar paterno se fazem presente, sendo negados como forma de manterem-se vivos, porém, infligem ao homem uma abdicação de seus desejos pulsionais originários. Dessa forma, por mais que a vida social tenha sido necessária, a disputa inicial pela prevalência da vontade de cada um está sempre sendo atualizada sob diversas performances. É nesse sentido que Freud (1921/1996) discorda de uma originária pulsão gregária inata aos seres humanos e afirma que a justiça social ou o espírito de grupo é derivado do que foi originalmente a inveja, levada às ultimas consequências de que se não há privilégio único para si mesmo, ninguém o terá e todos serão iguais.

A passagem desse tipo de competição primária pode ser encontrada sobre nova roupagem na compra da força do trabalho nas sociedades atuais, naquela roupagem já denunciada por Marx, em que tem seu ponto culminante no processo da mais-valia. Esse tipo de troca, ao tempo em que torna o comprador um parasitário que se beneficia através da exploração alheia, escraviza de forma dissimulada o vendedor em questão.

Tal competitividade leva a supor que a dominação encontrada hoje nas sociedades erigidas pelo dinheiro se torna o ponto de convergência a que o Ego encontra como forma de equilíbrio entre as exigências pulsionais do Id, no sentido desejante de tomar para si o lugar supremo, e as ludibriações a que a sociedade impõe – parodiando o mundo externo – como forma dos sujeitos manterem-se vivos, velando a antiga competitividade direta sob as formas de dominação a que o dinheiro e o sistema econômico dispõem.

4.5 O Dinheiro nos Modos de Produção: a impossível reconciliação entre o