• Nenhum resultado encontrado

1. INTRODUÇÃO

4.2. Particularidades do Seguro de Responsabilidade

4.2.4. Da Delimitação Temporal

Adicionalmente aos obstáculos que se impõem à delimitação do objeto do seguro e do sinistro, em matéria de seguro de responsabilidade, uma terceira dificuldade se coloca: o prazo do seguro, vis-à vis a perpetuação do risco no tempo.

85HALPERIN, Isaac. op. cit., v.2, pp. 850-851. Picard e Besson corroboram este entendimento ao afirmarem

que o sinistro não se materializa quando da ocorrência do dano à vítima, mas sim no momento em que esta última se volta contra o segurado, seja mediante uma reclamação, seja mediante a proposta de um acordo amigável. PICARD, M. e BESSON, A., op. cit., p. 287.

Os seguros, em sua maioria, destinam-se a cobrir riscos de rápida materialização, isto é, aqueles nos quais se verifica o ato danoso tão logo ocorra o sinistro. No entanto, algumas espécies específicas, como é o caso do seguro de danos indiretos, a ocorrência do dano não caracteriza, por si só, o sinistro, sendo necessária uma reclamação decorrente do dano para que referido sinistro seja configurado.

Visando a atender ambas as situações, o direito norte-americano introduziu duas modalidades de cobertura relativas aos seguros de responsabilidade: coberturas à base de ocorrência (occurence basis) ou à base de reclamação (claims-made basis).

As primeiras contemplam os riscos de rápida materialização, que tenham ocorrido e sido notificados à época da vigência da apólice. Já as apólices que oferecem cobertura à base de reclamação, por compreenderem os riscos de longa exposição, estão condicionadas à existência de uma reclamação referente ao dano a terceiro para que o sinistro seja configurado. Desta forma, contanto que a reclamação referente ao dano seja realizada durante a vigência da apólice, tal cobertura deverá incluir os danos ocorridos

anteriormente e no decorrer da vigência da apólice.

Estas distinções foram recepcionadas pela regulamentação brasileira por meio da Circular da Superintendência de Seguros Privados (“SUSEP”) nº 336/0787, conforme alterada, levando em conta justamente a questão cronológica que envolve o risco e o objeto do seguro.

As apólices à base de ocorrências definem o objeto do seguro como o pagamento e/ou o reembolso das quantias, respectivamente, devidas ou pagas a terceiros, pelo segurado, a título de reparação de danos, estipuladas por tribunal civil ou por acordo aprovado pela sociedade seguradora, contanto que: (a) os danos tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice; e (b) o segurado pleiteie a garantia durante a vigência da apólice ou nos prazos prescricionais em vigor.

87Conforme Anexo I à Circular SUSEP 336/07, Art. 1º - As apólices à base de reclamações constituem

alternativa para a contratação de seguros de responsabilidade civil, em modalidades sujeitas a risco de latência prolongada ou a sinistros com manifestação tardia.

Já as apólices à base de reclamações definem como objeto do seguro, o pagamento e/ou o reembolso das quantias, respectivamente, devidas ou pagas a terceiros, pelo segurado, a título de reparação de danos, estipuladas por tribunal civil ou por acordo aprovado pela seguradora, desde que: (a) os danos tenham ocorrido durante o período de vigência da apólice ou durante o período de retroatividade; e (b) o terceiro apresente a reclamação ao segurado (i) durante a vigência da apólice; ou (ii) durante o prazo complementar, quando aplicável; ou (iii) durante o prazo suplementar, quando aplicável.

O prazo complementar consiste no período adicional para a apresentação de reclamações ao segurado, por parte de terceiros, concedido, obrigatoriamente, pela seguradora, sem cobrança de qualquer prêmio adicional, tendo início na data do término de vigência da apólice ou na data de seu cancelamento.

O prazo suplementar, por sua vez, consiste no prazo adicional ao prazo complementar, obrigatoriamente, pela seguradora, mediante a cobrança facultativa de prêmio adicional, tendo início na data do término do prazo complementar.

Cumpre salientar que estes prazos não implicam alteração da vigência do contrato de seguro. O prazo adicional previsto nestes dispositivos refere-se ao período para apresentação da reclamação de terceiro, não de duração do contrato.

Estas delimitações temporais são necessárias porque, do contrário, a seguradora ficaria indefinidamente sujeita a garantir o patrimônio do segurado contra reclamações de terceiros88.

O conjunto de particularidades do seguro de responsabilidade civil faz dele um instrumento de funcionamento altamente complexo, pois, como visto, é mais dificultosa a determinação do momento exato da ocorrência do sinistro e a quantificação do risco (que é apenas estimado, não avaliado).

88“Na prática, porque pode o terceiro não exigir, desde logo, o que se lhe deve, é permitida a cláusula de tempo máximo, findo o qual a dívida do segurador se extingue. Aliás, se houve o fato e o terceiro não pede o ressarcimento, o contraente pode exigir do segurador o depósito.” MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de, op. cit., v. 47, p. 86.

Ademais, a perpetuação do risco no tempo e a complexidade no processo de apuração da responsabilidade do segurado também impactam a cobertura securitária. Estas e outras particularidades do seguro de responsabilidade civil de administradores frequentemente afetam a aplicabilidade do seguro, pois a atividade gestacional não pressupõe um ato isolado e estanque.

A administração, sobretudo no âmbito do mercado de capitais, envolve uma cadeia de atos realizados em um determinado período por diversos administradores, cujos efeitos muitas vezes somente são verificados tempos após sua realização. Por este motivo, nem sempre é possível pinçar o ato específico que ocasionou o dano, nem tampouco determinar sua autoria e a efetiva contribuição do agente para a ocorrência do dano.

Conforme examinar-se-á oportunamente, este conjunto de fatores pode tornar discutível a aplicabilidade do seguro de responsabilidade civil no contexto da administração das companhias, haja vista que o seguro envolve uma série de pressupostos de difícil aferição, tais como comunicação de atos ou fatos capazes de ocasionar o dano (como visto acima, nem sempre é possível precisar o ato causador do dano e seu agente) e inexistência de dolo.

5.

SEGURO

DE

RESPONSABILIDADE

CIVIL

DE