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5. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADMINISTRADORES

6.2. Análise Circunstanciada da Aplicabilidade do Seguro

6.2.2. Algumas Restrições e Limites à Aplicabilidade do Seguro

6.2.2.3. Solidariedade

Segundo a regra geral prevista na LSA187, os administradores responderão solidariamente por prejuízos decorrentes da não observância dos deveres legais que têm por objeto garantir o funcionamento regular da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não incumbam a todos eles.

Esta regra não se aplica, no entanto, às companhias abertas em que, salvo algumas exceções, os administradores respondem somente pelo cumprimento dos deveres que lhes foram atribuídos pelo estatuto social188.

O cumprimento dos deveres objetivos dispostos no estatuto é de fácil aferição, diferentemente dos deveres amplos e gerais, que recebem tratamento especial distinto do princípio da incomunicabilidade da culpa consagrado na ordem jurídica. Neste diapasão, referido princípio vigora apenas no que tange às decisões de órgãos não-colegiados, sendo a responsabilidade solidária de membros de órgãos colegiados presumida. Sobre este tema, José Alexandre Tavares Guerreiro esclarece que:

187Art. 158, parágrafo 2º - Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em

virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

188Art. 158, parágrafo 3º - Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o §2º ficará restrita,

ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.

Segundo este postulado fundamental [incomunicabilidade da culpa], cada administrador somente responderia por prejuízos decorrentes da sua própria culpa, não se lhe estendendo a imputabilidade pelos atos ilícitos praticados por outros administradores. [...] Considerando a estrutura administrativa da sociedade anônima, que toma como parâmetro básico a lei, mas se explicita concretamente no estatuto, pode-se afirmar que, nas deliberações ou decisões colegiais, existe, da parte de cada administrador, responsabilidade solidária presumida, que tanto deriva do dolo, quanto da culpa stricto sensu. [...] Na circunstância, porém, de o ato ilícito de outros administradores resultar ou for inerente a uma estrutura de gestão não- colegiada, como ocorre na generalidade dos casos dos atos (ou omissões), inexiste a presumida culpa do administrador que não praticou diretamente o ato ou não se omitiu em matéria alheia às suas específicas atribuições funcionais189.

Cabe salientar, contudo, que o fato de responsabilização dos administradores operar da forma aludida acima não significa que o sistema não comporte variações, conforme ensina Paulo F. C. Salles de Toledo:

Isto não impede, no entanto, que, incumbindo o dever descumprido a todos os diretores indistintamente, sejam todos eles responsabilizados. Nem obsta a que os conselheiros, manifestando validamente sua discordância, sejam pessoalmente eximidos da responsabilidade, que, de outro modo, atingiria coletivamente, a todos os componentes do conselho de administração190.

Na esfera securitária, são as partes contratantes que determinam como a solidariedade deve operar. Em regra, diante de uma negativa de cobertura fundada na alegação de declaração incorreta ou informação falsa, por exemplo, a redação da apólice determinará a extensão e a aplicabilidade da negativa aos segurados que eventualmente não participaram da contratação da apólice ou que não tinham conhecimento dos fatos supostamente inverídicos, incorretos ou inexatos que foram informados na contratação, permitindo que a cobertura permaneça em vigor para os “segurados inocentes”.

A fim de evitar a afetação da cobertura dos administradores inocentes, a apólice deve conter dispositivos que tratem da individualização da cobertura e da inaplicabilidade da negativa quando de atos ou fatos que não possam ser atribuídos a estes administradores.

189GUERREIRO, José Alexandre Tavares, Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, ano XX (nova série), nº 42, São Paulo: RT, abril/junho 1981, pp. 85, 86 e 87.

190TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. O Conselho de Administração na Sociedade Anônima. Estrutura, Funções e Poderes, Responsabilidade dos Administradores. São Paulo: Atlas, 1997, pp. 74-75.

Novamente aproveitando a experiência norte-americana, no caso Cutter&Buck V. Genesis191, em virtude de um escândalo contábil fez com que a companhia (Cutter&Buck) precisasse retificar as demonstrações financeiras relativas aos quatro exercícios sociais anteriores, desencadeando diversas reclamações.

Na ocasião, a seguradora notificou Cutter&Buck informando a rescisão da apólice por conta de declarações incorretas e informações falsas quando da emissão da apólice, incluindo as demonstrações financeiras ora retificadas. O tribunal considerou que o diretor presidente da Cutter&Buck, signatário da apólice, tinha conhecimento das declarações falsas e permitiu a rescisão da apólice extensível a todos os demais segurados192.

No caso In re HealthSouth Corp.193, o desfecho foi diferente. O foro distrital do Alabama, com base em uma apólice cuja redação era explícita quanto à individualização da cobertura em relação aos segurados, decidiu de maneira diversa. No caso, certos administradores e empregados foram considerados responsáveis por fraudes alegadas pela

Securities Exchange Commision, pois diversos outros processos de fraude contra a companhia e seus administradores também estavam em curso.

A seguradora da HealthSouth propôs uma ação buscando a rescisão das apólices ou, alternativamente, a possibilidade de negar cobertura. Contrariamente ao caso Cutter&Buck, a apólice continha cláusula expressa de incomunicabilidade, dificultando a imputação da fraude (e consequente elisão do dever de indenizar) aos demais administradores beneficiários da apólice. Confira-se:

191Cutter & Buck, Inc. v. Genesis Ins. Co., 306 F. Supp. 2d 988, 997 (W.D. Wash. 2004), aff’d, 144 Fed.

Appx. 600 (9th Cir. 2005).

192Neste caso, a apólice continha os seguintes dizeres: “In the event that the Application, including materials

submitted therewith, contains misrepresentations made with the actual intent to deceive, or contains misrepresentations which materially affect either the acceptance of the risk or the hazard assumed by the Insurer under this Policy, this Policy in its entirety shall be void and of no effect whatsoever; and provided, however, that no knowledge possessed by any director or officer shall be imputed to any other director or officer except for material information known to the person or persons who signed the Application.” A cláusula foi interpretada pelo tribunal como tendo abrangido todos os administradores da companhia. In Cutter & Buck, Inc. v. Genesis Ins. Co., 306 F. Supp. 2d 988, 997 (W.D. Wash. 2004), aff’d, 144 Fed. Appx. 600 (9th Cir. 2005). Baseado em um dispositivo semelhante, um tribunal da Califórnia permitiu a rescisão total de uma apólice de seguro de responsabilidade civil de administradores. In Fed. Ins. Co. v. Homestore, Inc., 144 Fed. Appx. 641, 648 (9th Cir. 2005); TIG Ins. Co. of Mich. v. Homestore, Inc., 40 Cal.Rptr. 3d 528, 533 (Cal. Ct. App. 2006).

Tal(is) proposta(s) escrita(s) deve(m) ser interpretada(s) como uma proposta [de seguro] independente para cada um dos Segurados. No que diz respeito às declarações e afirmações contidas em tal(is) proposta(s) [de seguro], nenhuma das afirmações da proposta ou informação

detida por qualquer Segurado poderá ser imputada a qualquer outro Segurado para fins de determinação do cabimento ou não de cobertura194. (tradução livre)

O foro entendeu que a cláusula acima impedia a rescisão extensiva a todos os segurados, a menos que a seguradora conseguisse obter prova de que cada um dos segurados abrangidos pela apólice tinha conhecimento da declaração falsa contida na proposta.

Estes exemplos ilustram, outrossim, mais uma situação que corriqueiramente afeta a aplicabilidade do seguro de responsabilidade de administradores, pois, dependendo da forma como a apólice é redigida, a aplicabilidade do seguro com relação a um determinado segurado pode afetar a cobertura securitária dos demais segurados.

6.2.2.4. RECLAMAÇÕES ENVOLVENDO DISPUTAS ENTRE SEGURADOS,