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Da educação emancipatória da humanidade à formação de competências

CAPÍTULO 3 – EDUCAÇÃO PÓS-MODERNA: NOVA EMANCIPAÇÃO

3.3 Da educação emancipatória da humanidade à formação de competências

A educação na reflexão de Kant expressa os pontos nodais das metanarrativas desacreditadas pelo pensamento pós-moderno. Quais sejam, um propósito apriorístico da natureza, norteando uma teleologia da história, com o objetivo de conduzir a razão a patamares superiores, tendo em vista a efetivação da liberdade humana. Nessa empreitada, é fundamental a transmissão do conhecimento entre as gerações para a formação humana contínua, a progressiva iluminação do Aufklärung que levaria o homem a maioridade. Essa ação educativa é que civiliza a insociável sociabilidade, para alicerçar a existência humana com o cultivo da moralidade, possibilitando a convivência coletiva e realizando o ‘telus’ natural da história por meio da política.

Compreendemos, como já foi expresso em outras passagens deste trabalho, que essa teoria da educação kantiana seja pertinente ao momento histórico de ascendência do capital. Era a expressão legítima da burguesia em ascensão e processo de efetivação hegemônica. Época em que o capital ainda podia se estender territorialmente pelo planeta, exportando suas contradições e obstáculos que porventura viessem interceptar seu processo de ampliação e acumulação.

Diversamente, a reflexão encetada por Lyotard sobre a educação superior, já expressa o momento de crise estrutural do capital contemporâneo. A universidade contemporânea se contrapõe a universidade moderna humboldtiana que buscava o conhecimento para a formação (Bildung) de um sujeito moral e político. Contudo, a deslegitimação das ‘metanarrativas’ correspondeu também à deslegitimação da universidade que era o locus natural da realização do saber dos grandes relatos modernos e seus ideais.

Na sociedade pós-moderna, a deslegitimação das metanarrativas filia o saber ao poder. O objetivo do saber universitário não é mais a Bildung, formação do espírito, mas a lógica do desempenho em vista da maximização do lucro. A universidade pós-moderna é regida pelo critério do desempenho e não mais pela verdade do espírito. E no âmbito dessa universidade, ensino e pesquisa seguem conjuntamente aquele critério de desempenho e formação de competências necessárias ao sistema produtivo do capital contemporâneo e sua produção flexibilizada, mundializada e diretamente determinada pelo avanço tecnológico da ciência da computação. Trata-se agora de formação de competências para o atendimento do

mercado e não mais de ideais, não mais importa a emancipação da humanidade, mas as aprendizagens funcionais e pragmáticas. A própria universidade traz a tendência a se transformar em Institutos técnicos e profissionalizantes, como visto em Lyotard.

Podemos observar que devido à extrema agilização do processo produtivo em decorrência da produção destrutiva do capital contemporâneo, se faz necessário também nessa universidade pós-moderna a grande rotatividade de formação de mão de obra que acompanhe a necessária inovação tecnológica do setor produtivo e do fortalecimento do setor de serviços. Constata-se aí, também, a obsolescência dos conteúdos transmitidos, haja vista a efemeridade dos ensinamentos que rapidamente ficam ultrapassados em virtude do desenvolvimento exponencial dos conhecimentos que acompanham as técnicas, que por sua vez obedecem ao movimento da produção. Essa efemeridade de conhecimento se apresenta de forma emblemática nas ciências computacionais e em todas as áreas de conhecimento relacionadas a ela.

A própria intensificação da extração da mais-valia relativa, mediada pela tecnologia nesse período da crise contemporânea do capital, leva a educação a dedicar-se de forma expressiva à formação de profissionais dessa área. Haja vista que o capital não pode mais exportar suas contradições e por isso é levado a imprimir esforços em um tipo de produção destrutiva de supérfluos e produtos efêmeros que depende largamente do conhecimento técnico – cientifico.

Em concordância com a produção destrutiva do capital, a produção do conhecimento científico-tecnológico da universidade pós-moderna não tem nenhum compromisso com o potencial emancipatório da humanidade presente no conhecimento científico. A tecnologia científica gestada na universidade contemporânea visa unicamente à reprodução do capital, juntamente com a formação específica de competências necessárias. É importante frisar também que muitas pesquisas demonstram o enorme aporte de verbas para as pesquisas universitárias no âmbito bélico, que representa um expoente expressivo da produção destrutiva do capital contemporâneo.

Dessa forma, podemos constatar que a educação universitária pós-moderna, como todas as necessidades humanas, subordina-se ao capital e à reprodução de valor de troca, com a finalidade última de conhecimentos que viabilizem a multiplicação de riqueza reificada. A produção de conhecimentos dessa universidade está relacionada à tecnologias que viabilizem

a produção de objetos descartáveis e garantam a eficácia decrescente de utilização da mercadoria, de objetos que tenham cada vez mais o consumo rápido e destrutivo.

Vattimo, ao propor a mudança do ideal epistemológico da educação característico da modernidade para o ideal hermenêutico da educação da pós-modernidade, contribui para a formação dos trabalhadores, necessária à produção específica da crise estrutural do capital. Isso ocorre na medida em que o ideal hermenêutico da educação possibilita uma formação mais flexível, menos especializada e que coincide com as necessidades de mão de obra do capital contemporâneo. Bem como, em virtude do fato do desenraízamento das diferenças está de acordo com a figura necessariamente endeusada do consumidor global.

Essa proximidade do ideal hermenêutico da educação pós-moderna com a atual produção do capital é reconhecida pelo próprio Vattimo, que não deixa de vislumbrar nesse novo ideal educativo um potencial emancipatório, em especial porque possibilita a pluralidade de paradigmas e horizontes culturais diferentes que se contrapõem à uniformidade eurocêntrica do horizonte da modernidade iluminista.

O universo teórico vattimiano contesta a idéia de uma racionalidade central da história posta pelo humanismo emancipatório iluminista, que na verdade, para ele, era eurocêntrico, colonialista e imperialista. A pós-modernidade é resultado do fim da hegemonia dessa idéia, o que abriu espaço para a libertação das diversidades e para a possibilidade de uma nova emancipação, quiçá mais autêntica, segundo Vattimo. Uma educação nessa nova época histórica precisa ser uma nova educação, que deverá seguir, necessariamente, o ideal hermenêutico.

A pergunta que se impõe é: não estaríamos diante de pensamentos que expressam a reprodução da ordem do capital? Por não levarem em consideração, de forma radicalmente crítica, a base produtiva econômica, estes pensadores reproduzem de forma ideológica as próprias necessidades de reprodução do sistema. Lyotard por meio da Educação formal (Universidade), Vattimo pela Educação informal (meios de comunicação de massa e o ideal hermenêutico). A educação, para o pensamento pós-moderno, prioriza a razão discursiva ao recusar a razão científica e tecnológica como elemento emancipatório, o que centraliza a reflexão e a condução educacionais no indivíduo e na afirmação de sua identidade. Desta forma, a conseqüência mais grave advinda daí é a perda da compreensão da realidade social capitalista e de sua determinação sobre os complexos educacionais.

A realidade de classes é um dado irrecusável da realidade social capitalista, pois é esta a base de toda a estrutura produtiva de exploração. O trabalho, como categoria central da vida humana, é determinado pela propriedade privada dos meios de produção que se traduz na existência das classes sociais. Substituir esta realidade ontológica e fundamental do trabalho pela linguagem, derivada e determinada pelas condições sociais, conferindo-lhe uma existência autônoma, é assumir uma postura idealista que não desvela a realidade nos seus nexos causais e perpetua essa sociabilidade baseada na exploração.

Assim, nem a Universidade (LYOTARD), nem a mídia (VATTIMO) podem ser pensadas se não forem contextualizadas na realidade econômica de onde surgiram. É preciso caracterizar o capitalismo tardio nas suas especificidades de acumulação a partir do desenvolvimento da ciência e da tecnologia e explicitar como as modificações tecno- científicas repercutem na composição orgânica do capital contemporâneo e influenciam a Educação a partir dos interesses do processo acumulativo do capital. Pois é inegável que a relação entre o atual nível de acumulação do capital e o fortalecimento do capital financeiro mundializado influencia na constituição de uma Educação tecnicista que potencializa a exploração da mais-valia.

Nesse contexto histórico-político-econômico os objetivos da educação estão se modificando. Nela não se encontra mais presente a tradicional noção emancipatória do sujeito do iluminismo, nem a possibilidade de transformação das condições sociais objetivas. Na medida em que o pensamento pós-moderno prioriza a relação sujeito-sujeito em detrimento da relação sujeito-objeto, o conhecimento racional é substituído pela intuição interpretativa e as classes sociais perdem a centralidade explicativa da realidade.

São nessas questões investigativas e críticas que nos debruçaremos no próximo capítulo, tendo por referencial teórico Mandel e Meszáros. Antes, porém, faremos a exposição das críticas marxistas de Jameson e de Harvey ao pós-modernismo e à categoria da diferença.

CAPÍTULO 4 - PÓS-MODERNIDADE: CRÍTICAS DIALÉTICO-MARXISTAS

O presente capítulo faz a exposição de posições críticas de pensadores marxistas, endereçadas ao pós-modernismo e à educação norteada pelos interesses do capital, na qual podemos situar a educação pós-moderna no que ela tem de conivência com a ordem de produção capitalista. No item ‘Pós-modernidade e capitalismo tardio’, serão expostas as críticas de Jameson e Harvey, acerca da determinação do capitalismo tardio sobre a pós- modernidade. O segundo item, ‘Educação e capitalismo tardio’, é composto pelas críticas de Mandel e Meszáros sobre a educação. O primeiro situa sua reflexão sobre a determinação da terceira revolução tecnológica do capital na universidade e o segundo analisa a apropriação capitalista do ato de educar na crise estrutural do capital contemporâneo.

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