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Da estreita relação entre o conceito schilleriano do belo e o princípio re-

9 CONCLUSÃO MÉTODO, UNIDADE E SÍNTESE

9.2 Da estreita relação entre o conceito schilleriano do belo e o princípio re-

Finalmente, gostaríamos de acrescentar que a análise realizada por este trabalho comprova que as articulações conceituais que permitiram a Schiller converter o belo em princípio-regulador foram inspiradas nas lições kantianas das antinomias. Essa constatação, acreditamos, serve suficientemente como evidência da marcante contribuição da Kritik der reinen Vernunft, mais especificamente da Lógica Transcendental, para as ästhetische Briefen. Essa evidência, por sua vez, nos autoriza a afirmar que as contribuições desse poeta para a filosofia devem sempre ser reconhecida no âmbito do mais autêntico estatuto filosófico que lhe é próprio. É no mínimo ingenuidade intelectual revestir-lhe de uma áurea mística, ou tentar rebaixá- la reconhecendo-lhe apenas um revestimento meramente poético e literário. Os que assim pensam não compreenderam ainda que a estética ilustrada126 percorreu

rigorosamente a trilha que Kant abriu com a sua KrV e, claro, também com as outras duas Críticas.

Foi justamente essa trilha que possibilitou ao Zeitgeist imortalizar-se justamente através das luzes e do brilho do idealismo alemão e de suas vertentes mais prósperas, a saber, as escolas filosófico-estéticas oriundas do Sturm und Drang: o classicismo de Schiller e Goethe e o romantismo dos irmãos Schlegel e Novalis. A estética

126Sobre a origem e o desenvolvimento da estética moderna, bem como a participação de Kant na

mesma, pode-se cf. o interessante artigo de GUYER, Paul. The Origins of Modern

Aesthetics:1711–1735. In: The Blackwell Guide to Aesthetics. Oxford: Blackwell, 2004, pp. 15- 44.

ilustrada, portanto, é o resultado da síntese entre o diálogo estabelecido entre a filosofia e a arte na Alemanha de Schiller e Goethe. E isso somente foi possível como desdobramento do fato de que o idealismo alemão foi o primeiro resultado alcançado pelos que seguiram imediatamente através das trilhas abertas pela KrV do velho Kant. A filosofia de Schiller é, antes de tudo, uma antropologia crítica. Como foi demonstrado, o filósofo demonstrou criticamente, com seu olhar perquiridor, o estado de corrupção, a condição de profunda degradação em que a sociedade moderna se encontrava. E a prova dessa degradação, Schiller a demonstrou em seus vários aspectos, a saber, ético, político, moral, histórico, estético, religioso, filosófico etc. Nem mesmo a sistemática do trabalho industrial, com suas formas desumanas e alienantes, passou despercebida pelo exercício de sua pena. Dessa feita, com sua crítica rigorosa, lúcida e coesa, o filósofo prova a necessidade de se reconduzir a humanidade ao desenvolvimento estético de suas disposições corrompidas com a finalidade de lhe restaurar sua dignidade e sua liberdade. Por isso, se justifica a opinião inicial deste trabalho, a qual consiste na hipótese de que a filosofia desse alemão visa a fundação de uma nova antropologia de cunho estético. Assim, os vários aspectos críticos da filosofia schilleriana listados acima, nos permitem indagar se, tomados em conjunto, seus poucos textos filosóficos não poderiam ser considerados à guisa de um pequeno e despretensioso sistema antropológico filosófico?

Embora os resultados alcançados por Schiller sejam, ao nosso ver, fundamentais para a filosofia como um todo, sua contribuição mais direta se deu mesmo no que diz respeito à Estética moderna. O fato é que Schiller alcançou pouco reconhecimento no campo da filosofia, embora tenha conquistado um certo prestígio, sobretudo, por suas incursões estéticas. Sua teoria do belo, nesse sentido, retomou a discussão da possibilidade de se reconhecer o estatuto de ciência a essa disciplina filosófica. Como foi demonstrado, Baumgarten foi quem primeiro utilizou o termo em voga e, além disso, também foi o primeiro a tentar estabelecer o reconhecimento da estética como ciência da faculdade da sensibilidade, como uma "irmã mais nova da lógica127", ou, na expressão dele, como um análogon da razão. E embora essa

discussão não tenha sido explícita e diretamente tratada por Schiller, vimos que sua intenção em relação à arte não era teórica, na verdade, ultrapassava esta expectativa. A prova disso, vimos, foi que ao remeter o belo à razão prática, a intenção de Schiller

127Cf. Nota 52. Ver também nesse trabalho a Introdução: Do encontro entre deuses e poetas:

era a de superar o intransponível abismo que Kant, e toda a tradição filosófica antes deste, introduziu entre a razão e a sensibilidade. Enfim, o que nossa pesquisa comprovou, foi que ele reintroduziu o princípio da unidade entre razão e sensibilidade, espírito e matéria, forma e conteúdo. Assim, ao estabelecer uma relação de derivação indissociável entre arte e gênio, entre beleza e antropologia, Schiller também possibilitou a retomada da possibilidade de se pensar sobre o estatuto de uma ciência estética, pois sua reflexão antropológica sobre a produção da arte e do belo “havia aberto uma brecha de otimismo no sistema kantiano (...). [E] com o conceito do <<sentimental>> Schiller conseguiu, pela primeira vez, estabelecer uma categoria positiva para a descrição da arte moderna128.

Foi nesse sentido que Bayer (1995, p. 296) percebeu que Schiller não foi um simples discípulo de Kant ao afirmar que ele "acompanha, retoma, comenta Kant, mas introduz-lhe constantemente contra-sentidos".

Superado o abismo kantiano pela síntese do belo schilleriano, as bases fundamentais da estética moderna, enquanto ciência do belo e da arte, foram preparadas. Nesse sentido, os princípios estéticos elaborados por Schiller foram reconhecidos por Hegel ao considerar que em Schiller a arte encontrou seu conceito, pois ao justificar suas considerações em princípios filosóficos (relacionando arte e conteúdo) "chegou a resultados que lhe permitiram ir até o fundo da natureza e do conceito do belo" (Hegel, 1993, p. 41)129. Nesse sentido, podemos fazer as seguintes

pontuações sobre os resultados alcançados pela estética schilleriana: i) a unificação do todo às partes e vice-versa, através do princípio de síntese; ii) unificou o conteúdo à forma e a forma à matéria, iii) e, por fim, libertou o espírito e a sensibilidade de seus limites antitéticos harmonizando-os no conceito de beleza. Dessa forma, Schiller fez com que o belo da natureza e o belo artístico não mais fossem restringidos kantianamente ao ajuizamento de prazer em decorrência de um sentimento meramente intelectual. Ao mesmo tempo, em decorrência de suas qualidades miméticas, a arte e o belo foram libertadas epistemologicamente dos limites que a consideravam como mera cópia de terceira ordem da verdade 130, pois o belo

128Cf. Nota Editorial à trad. Española, Sobre la Gracia y la Dignidad. Sobre Poesia Ingenua y Poesia

Sentimental y una polemica Kant, Schiller, Goethe, Hegel. Op. cit., p. 6.

129Para Hegel "a realidade da Arte é o ideal", afirma Pinharanda Gomes (ibidem, p. xx), nesse

sentido, prossegue ele, a arte para ele é expressão do divino, pois somente o "espirito é verdade", logo, a "Arte, revelando esse espírito, é uma expressão fenomênica da verdade" (idem, ibid.).

schilleriano revelou-se como a síntese conceitual da necessária unidade entre o espírito (razão) e a natureza (sensibilidade).