5. O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
5.3 Da Estrutura e Funcionamento
As regras que fazem parte do Estatuto de Roma, para André de
Carvalho Ramos
60, mostram que a comunidade mundial está preocupada com
a impunidade dos agentes responsáveis pelas condutas nele descritas e, que é
preciso evitar que tais impunidades sirvam de estímulo a outras violações.
5.3 Da Estrutura e funcionamento do Tribunal Penal
Internacional.
O Estatuto vigente para a Corte Internacional possui a mesma
estrutura proposta no anteprojeto apresentado em Roma. Tal Estatuto possui
um preâmbulo e cento e vinte e oito artigos divididos em treze partes:
I. Estabelecimento do Tribunal.
II. Competência, admissibilidade e direito aplicável.
60 RAMOS, André de Carvalho. O Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. In:
CHOUKR, Fauzi Hassan e AMBOS, Kai (orgs). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 245-289, 2000. P. 254.
III. Princípios gerais de direito penal.
IV. Composição, administração do Tribunal.
V. Inquérito e ação penal.
VI. Processo.
VII. Penas.
VIII. Recurso e revisão.
IX. Cooperação internacional e auxilio judiciário.
X. Execução da pena.
XI. Assembléia dos Estados-parte.
XII. Financiamento.
XIII. Cláusulas finais.
O Tribunal Penal Internacional, de acordo com o artigo 34 do
Estatuto, é composto pelos seguintes órgãos:
• Presidência (art. 38) – composta por um Juiz Presidente e dois
Vice-Presidentes, eleitos pela maioria absoluta de seus pares. Cuidam da
administração de todos os órgãos, salvo o da acusação e podem ser reeleitos
uma vez;
• Câmaras – divididas em Seção de Recursos, Seção de Primeira
Instância e Seção de Questões Preliminares (art. 39);
•
Promotoria (art. 42);
• Secretaria – será chefiada pelo Secretário, que é o principal
funcionário administrativo do Tribunal (art. 43).
Segundo Sylvia Helena de Figueiredo Steiner
61, o Tribunal Penal
Internacional é formado por 18 (dezoito) magistrados eleitos por países
diferentes, sendo permitido apenas um juiz por país.
Diz ainda que, tal Tribunal é dividido em cinco blocos
representando as regiões do planeta (América Latina e Caribe, Europa, África,
Ásia e Leste Europeu) e que estes 18 (dezoito) magistrados que compõem o
Tribunal Penal Internacional são pertencentes a esses blocos, distribuídos da
seguinte maneira: 3 (três) da América Latina e Caribe; 7 (sete) da Europa, 3
(três) africanos, 3 (três) asiáticos e 3 (três) do leste europeu.
Os juízes são eleitos sob regime de total dedicação aos trabalhos
do Tribunal e devem estar disponíveis para exercer tão logo sejam escolhidos.
Para ser Juiz do Tribunal Penal Internacional, os candidatos
deverão passar pelo crivo da competência em Direito Penal, Processual Penal,
Direito Internacional Humanitário ou de Direitos Humanos e, ter a necessária
experiência em causas penais seja como promotor, juiz advogado ou outra
função similar. Deverão, também, ser fluentes em pelo menos duas línguas
dentre aquelas oficiais do Tribunal.
A escolha dos juízes do Tribunal Internacional deve ser
eqüitativa, ou seja, deve haver representantes das várias regiões e igualdade
61 Sylvia Helena de Figueiredo Steiner em palestra proferida na Escola Paulista da Magistratura – EPM, no
dia 10 de abril de 2006. A Desembargadora Federal Sylvia Helena é Juíza no Tribunal Penal Internacional com sede em Haia.
de gênero (juízes homens e mulheres). São eleitos para mandatos de três, seis
ou nove anos.
Quanto ao Ministério Público, no Tribunal Penal Internacional,
existem pontos não definidos que ensejariam discussões processuais (no
tocante à persecução penal, à dimensão do papel do Ministério Público)
passíveis de serem abordadas com maior profundidade em outro trabalho.
A Promotoria do Tribunal Penal Internacional é órgão
independente das demais instituições e, portanto, considerada forte. É o órgão
responsável pela investigação e pela ação penal. Tem autonomia funcional
garantida não só pela disposição dos órgãos no Tribunal (art. 34), como
também a independência determinada pelo artigo 42 do mesmo Estatuto de
Roma.
O Promotor da Corte Internacional pode instaurar de oficio uma
investigação para verificar se há base suficiente para, então, iniciar uma
investigação propriamente dita. Para isso, deverá solicitar uma autorização
junto à Câmara de Questões Preliminares.
Tal Câmara, após verificar a possibilidade de investigação pelo
Tribunal, autorizará a instauração de inquérito. Caso contrário, o Promotor
poderá, mediante novas provas, solicitar posteriormente nova autorização.
O Ministério Público, pelo Estatuto de Roma, é presidido pelo
Procurador-Geral eleito em votação secreta da maioria absoluta dos membros
da Assembléia Geral dos Estados-partes, juntamente com Promotores
Adjuntos.
Para Fauzi Hassan Choukr
62, a instituição do Ministério Público
no Tribunal Internacional foi moldada de acordo com o sistema acusatório
onde há uma visível separação de papéis (acusador, julgador e defensor), além
de conferir ao acusado o papel de titular de direitos e não de objeto da
persecução.
No Tribunal Penal Internacional, o Promotor pode dispor da ação
penal quando determinar que, não há base razoável para proceder à
investigação ou chegar a essa conclusão durante as investigações
(discricionariedade). Neste caso é necessário que ele comunique ou notifique
a Câmara de Questões Preliminares. O art. 54 do Estatuto de Roma elenca as
diversas funções e atribuições do Promotor.
Pelo Estatuto de Roma, cabe ao Promotor do Tribunal o
recebimento da notícia do crime e a determinação de investigar se as
acusações são de crimes sob jurisdição do Tribunal Internacional, se existe
base razoável para investigar, com elementos fortes de que um dos crimes
está acontecendo no Estado-parte.
62 CHOUKR, Fauzi Hassan. O Ministério Público e o Tribunal Penal Internacional: análise do Tratado de
Roma. In: CHOUKR, Fauzi Hassan e AMBOS, Kai (orgs). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 305-321, 2000, p. 306.
Com isso, o Tribunal Penal Internacional rompe com o poder
político e diplomático exercido pela Organização das Nações Unidas por meio
de seu Conselho de Segurança.
O poder que era exercido pelo Conselho de Segurança gerava
desconforto entre os países na tomada de iniciativa em uma ação penal,
mesmo sem poder fazer nada contra o indivíduo, já que a Organização das
Nações Unidas não tem poder de julgamento de pessoas.
A possibilidade de responsabilizar pessoalmente um indivíduo
por crime contra a humanidade é um dos grandes avanços da Justiça
Internacional.
O Tribunal Penal Internacional preenche uma lacuna na Justiça
Internacional que há muito tempo se fazia necessária.
De qualquer forma, o Estatuto de Roma não pode ser visto como
um conjunto de regras que simplesmente instituiu um Tribunal Penal
Internacional. O Estatuto vai além e, segundo André de Carvalho Ramos
63:
“Desde o seu preâmbulo, o Estatuto faz menção a uma missão
de proteção às vítimas de graves atrocidades, que têm o
direito de exigir justiça. Como estabelece o preâmbulo, os
Estados reconhecem que, neste século, milhões de crianças,
mulheres e homens têm sido vítimas de atrocidades
inimagináveis que chocam profundamente a consciência da
humanidade”.
63 RAMOS, André de Carvalho. O Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. In:
CHOUKR, Fauzi Hassan e AMBOS, Kai (orgs). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 255.
O Estatuto de Roma é um documento internacional da maior
importância para a comunidade mundial. Foi escrito, debatido e votado por
diversos países das diversas partes do mundo.
A estrutura de Tribunal Internacional que lhe é própria permite
investigações, julgamentos, acusação e defesa daqueles que estiverem sob sua
jurisdição.
Tal Estatuto prevê o dever de observação e respeito aos
princípios mais importantes do Direito Penal e Processual Penal, como a
dignidade humana, a presunção de inocência e a legalidade, previstos também
na maior parte das Constituições dos Estados Democráticos de Direito.
Sobre as investigações realizadas pelo Tribunal Internacional até
2006, Flávia Piovesan
64comenta que:
“Até fevereiro de 2006, mais de mil e setecentas denúncias de
indivíduos e organizações não governamentais de direitos
humanos, provenientes de mais de cem países, haviam sido
recebidas pela Promotoria do Tribunal Penal Internacional.
(...) Contudo, após uma análise inicial, 80% das denúncias
foram consideradas fora da jurisdição do Tribunal Penal
Internacional, enquanto as demais foram submetidas a uma
análise mais aprofundada, compreendendo, por vezes,
investigação”.
64 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. ampl. atual.
Espera-se que os criminosos, sob jurisdição da Corte
Internacional, sejam investigados e julgados afim de que se estabeleça uma
justiça internacional.
As questões político-econômicas muitas vezes dificultam o
andamento destas investigações tornando-as mais lentas. Não podemos deixar
de comentar que, antes de 1998, a comunidade mundial não tinha um
Organismo Internacional direcionado para a solução destas questões. O
Tribunal Internacional representa um grande avanço para a humanidade.
Em 2004, a Promotoria do Tribunal, instaurou investigações na
África (Uganda e Congo) após receber denúncias oferecidas pelos próprios
Estados.
Neste momento, a República Democrática do Congo está sendo
investigada pela denúncia de, aproximadamente, oito mil assassinatos
ocorridos desde 2002. Enquanto isso, a República de Uganda está sendo
investigada desde 2004, por denúncias de seqüestros e ataques sistemáticos e
generalizados à população civil
65.
65 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8ª ed. rev. ampl. atual.