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5. DA IMPOSSIBILIDADE DE EXONERAÇÃO MEDIANTE A

5.2. DA IMPOSSIBILIDADE DO AFASTAMENTO DA PRESTAÇÃO DE

A obrigação de prestar alimentos, decorre do reconhecimento do vínculo paterno e busca preservar e manter a qualidade de vida da criança e do adolescente, fundamentais para o seu desenvolvimento, como já dissertado. Em resumo, este é um meio de cumprir com os deveres familiares estabelecidos pelo art. 227 da Carta Magna.

A paternidade socioafetiva, como desenvolvido no presente texto, é a edificação dos laços de parentesco sob a prerrogativa do afeto, como leciona Lôbo, é pai “quem assume os deveres de paternidade correspondentes aos direitos mencionados no art. 227”. É relação construída no tempo, com a presença, carinho, cuidado e tantos outros sentimentos acolhedores que aproximam indivíduos sem vínculos biológicos.95

Para a criança e o adolescente que assumem solidária e reciprocamente esta relação de parentesco e esta presença da figura paterna em suas vidas, principalmente nos casos em que nunca tiveram qualquer contato com essa relação, o laço afetivo passa a atuar como verdadeiro apoio e garantia da sua dignidade, além do conforto e a segurança que passam a sentir em decorrência deste.

Contudo, não é incomum que relacionamentos não deêm certo e que em alguns casos seja melhor o desfazimento da unidade familiar e, infelizmente em inúmeros casos, é a partir deste momento em que figura paterna que antes buscava atender a todas as necessidades do menor e, em muitas das vezes, ocupar um espaço que antes estava vazio em sua vida, agora busca incessantemente desfazer pura e simplesmente laços que demoraram um longo tempo para serem estabelecidos.

Vale neste sentido trazer a lição de Maria Berenice Dias, em seu texto intitulado Alimentos, sexo e afeto:

95 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Paternidade Socioafetiva e a Verdade Real. p. 16 III Encontro de Direito de Família do IBDFAM/DF – Revista CEJ, Brasília, n. 34, p. 15-21, jul./set. 2006. p. 16

Quem é amado tem direitos. Como o afeto gera ônus e bônus, aí se situa a natureza da obrigação alimentar. Por isso se trata de obrigação recíproca. Pois quem tem direitos também tem encargos. Somente a exigibilidade da obrigação alimentar está condicionada à presença da necessidade. [...] Às vezes, a necessidade é presumida, como ocorre com os sujeitos ao poder familiar. Fora dessa hipótese, basta alguém comprovar a ausência de possibilidade para prover o próprio sustento para ter o direito de exigir alimentos de quem o amou. [...] Não basta procurar a lei que preveja a obrigação alimentar e nem condicionar a imposição do encargo à presença de uma situação que retrate paradigmas pré-estabelecidos. Ao magistrado cabe identificar a presença de um vínculo de afetividade. Dispensável, a certidão de casamento ou o registro de nascimento. A formalização dos vínculos afetivos, e, via de consequência, para o reconhecimento de direitos e imposições de obrigações recíprocas.96

Com efeito, cabe elucidar ainda o disposto no art. 1.632 do Código Civil Brasileiro o qual dispõe que a “separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.

Lamentavelmente, são poucos os casos em que não se alteram as relações entre pais e filhos, em particular nas socioafetivas, nestas resta ainda evidente que a manutenção da qualidade de vida que a criança e o adolescente possuíam anteriormente ultrapassa a responsabilidade financeira.

Entretanto, como bem pontua Isabela Farah Valadares, “não há como obrigar alguém a ser pai. O máximo que o direito alcança é garantir ao sujeito que não tem um pai presente, uma retribuição monetária, seja através de pagamento de pensão alimentícia, seja através da reparação civil por abandono”.97

Dessa maneira, a fixação dos alimentos, além de instrumento para o cumprimentos dos direitos familiares do art. 227, é uma tentativa mínima de preservar o padrão de vida que possuía o infante anterior à separação, especialmente nos laços afetivos, onde notoriamente há um afastamento natural do pai, em considerável número de casos, os alimentos buscam ser uma extensão, infelizmente mais fria e distante, da presença paterna, conferindo ao menos a mínima dignidade para um crescimento saudável.

97VALADARES, Isabela Farah. Desconstituição da paternidade pela ausência de socioafetividade. 2015.Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 66, pp. 355 - 374, jan./jun. 2015. p. 369.

Sendo assim, não há conclusão a qual seja razoável o afastamento da paternidade socioafetiva com o objetivo de afastar-lhe a obrigação alimentar. Sob esta acepção, corrobora a Ministra Nancy Andrighi ,

Permitir a desconstituição de reconhecimento de paternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares.98

Ressalta-se, neste sentido ainda o Enunciado 339 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, o qual disserta que “a paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho”.

Por fim, mas não menos importante, há de se trazer a lição dada por Azevedo : Mesmo comprovada a não paternidade biológica, isto por si só não seria o suficiente para afastar o seu dever com o menor. Permitir que o pai, a qualquer tempo, pudesse desfazer o reconhecimento da paternidade de um filho seria abrigar um gesto “reprovável, imoral, sobretudo se o objetivo é fugir do dever de alimentos [...]99

5.2.1. Da Impossibilidade De Exoneração Mediante A Configuração Da Paternidade Socioafetiva - Entendimento Dos Tribunais

Diante de todo o exposto é interessante trazer neste ponto a consolidação que está sendo realizada a nível jurisprudencial em consonância com a proteção da entidade familiar socioafetiva.

No que interessa principalmente os casos de tentativa de exoneração da obrigação familiar, não são poucos os casos que seguem a prerrogativa abaixo:

99AZEVEDO, Andréa Salgado. A paternidade sócio-afetiva e a obrigação alimentar. 2007. p. 51. 98BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1383408/RS, 3.ª T., j. 15.05.2014, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 30.05.2014

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. AUSÊNCIA. Enquanto pendente de julgamento a ação negatória de paternidade, ainda que exista exame de DNA afastando a paternidade biológica, persiste o dever do alimentante de prestar os alimentos. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. (TJ-MG 100240953836750011 MG 1.0024.09.538367-5/001(1), Relator: ANTÔNIO SÉRVULO, Data de Julgamento: 20/10/2009, Data de Publicação: 11/12/2009) (grifos nossos)

Neste caso, observamos o reconhecimento de fato da paternidade como um instituto fundado muito além do liame biológico, como uma verdade inafastável, sendo necessária apenas a constatação realizada da existência da relação socioafetiva para demonstrar a necessidade de prestação dos alimentos.

Este, felizmente, têm sido o entendimento da maioria dos Tribunais de Justiça, no sentido de prezar pelo melhor interesse da criança e pela preservação da sua dignidade, protegendo seu desenvolvimento para que ocorra de maneira sadia independentemente da não existência da compatibilidade biológica, em exemplo:

APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL C/C EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. DNA. AUSÊNCIA DE PATERNIDADE BIOLÓGICA. ESTUDO PSICOSSOCIAL. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não é razoável excluir a paternidade de menor em razão de exame de DNA que afastou a paternidade biológica, negando-lhe a condição de filho de que sempre desfrutou desde o seu nascimento, visto que o menor tem o autor como pai e seu grupo familiar como referência de família, caracterizando-se, no presente caso, a paternidade socioafetiva. 2. Negou-se provimento ao apelo do autor. (TJ-DF - APC: 20130510119407, Relator: SÉRGIO ROCHA, Data de Julgamento: 24/02/2016, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 30/03/2016 . Pág.: 265) (grifos nossos)

Nesse sentido,

APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. AUSÊNCIA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. CONFIGURADA. ANULAÇÃO DE REGISTRO. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS E DIREITOS SUCESSÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A despeito da comprovação por meio de exame de DNA da inexistência de filiação biológica, tal fato, por si só, não é capaz de romper com a filiação socioafetiva construída por mais de uma década entre pai e filho, uma vez que o êxito da ação negatória de paternidade depende da demonstração, concomitante, de inexistência de vínculo biológico e socioafetivo ou da comprovação de vício de consentimento. 2. Excepcionalmente é permitida a

anulação do registro em caso de comprovação de vício de consentimento, nos termos do art. 1.604, do Código Civil, o que não se observa na espécie. 3. O reconhecimento da paternidade socioafetiva produz todos os efeitos pessoais e patrimoniais que lhes são inerentes, inclusive direitos hereditários e obrigação alimentar, não sendo admitido pela simples vontade da parte que tais efeitos sejam afastados. 4. Apelação conhecida e não provida. (TJ-DF 00158537420148070006 - Segredo de Justiça 0015853-74.2014.8.07.0006, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, Data de Julgamento: 03/10/2018, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no PJe : 17/10/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) (grifos nossos)

No último caso apresentado acima, é possível se verificar que o exercício da paternidade socioafetiva perdurou por mais de uma década, e mesmo após o decorrer de todo esse tempo presente na vida de seu filho como uma figura paterna, o pai buscou o afastamento de suas obrigações.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de maneira assertiva interpôs sua decisão no sentido de corroborar com o entendimento de que “filho não é algo descartável, que se assume quando desejado e se dispensa quando conveniente”, atribuindo a devida responsabilidade do referido pai arcar com todos os efeitos pessoais e patrimoniais inerentes dessa relação.100

Não obstante,

DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOS DE INSTRUMENTO INTERNO. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE

CUMULADA COM EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS.

ALIMENTANTE. GENITOR. FILHOS. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. EXAME DE DNA. COMPROVAÇÃO. REALIDADE REGISTRAL. ELISÃO. VINCULAÇÃO SOCIOAFETIVA. PROVA DE ERRO SUBSTANCIAL. ALFORRIA DO ALIMENTANTE EM CARÁTER ANTECIPATÓRIO. TUTELA DE URGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRESTAÇÃO. MANUTENÇÃO ATÉ RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. AGRAVOS DESPROVIDOS. 1. Conquanto aferida por meios de exame de DNA a inexistência de vínculo biológico entre alimentante e alimentados, havendo subsistido a vinculação afetiva por substancial espaço de tempo, que se iniciara desde o nascimento dos destinatários da prestação, não se afigura viável que, defronte a realidade descortinada, seja desconsiderada a possibilidade da subsistência de vinculação socioafetiva e a ausência de erro inescusável de molde a ser suspensa a prestação alimentar estabelecida em caráter liminar, porquanto a realidade pode se sobrepor à vinculação genética. 2. Sobressaindo manifesto o vínculo afetivo entre alimentante e alimentandos, a elisão da paternidade biológica, por si só, não infirma o vínculo afetivo estabilizado há anos e os efeitos que irradia , notadamente, em razão da prevalência da tutela da personalidade humana, que salvaguarda a 100 AZEVEDO, Andréa Salgado. A paternidade sócio-afetiva e a obrigação alimentar. 2007. p. 52.

filiação e o vínculo socioafetivo dela advindo como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano, e, por conseguinte, remanescendo a ser aferido se há ou não o vínculo socioafetivo a enlaçá-los e as circunstâncias em que houvera o reconhecimento da paternidade, deve ser preservada a obrigação alimentar debitada ao pai registral até o deslinde da controvérsia nos autos da ação em que estabelecida, ante a ausência dos pressupostos necessários à suspensão da prestação em caráter liminar. 3. Agravos de instrumento e interno conhecidos e desprovidos. Maioria. (TJ-DF 07221430920198070000 - Segredo de Justiça 0722143-09.219.8.07.0000, Relator: TEÓFILO CAETANO, Data de Julgamento: 11/03/2020, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 04/05/2020. Pág,: Sem Página Cadastrada) (grifos nossos)

Isto posto, é de grande relevância chamar a atenção para o fato de que as decisões aqui trazidas contemplam todos os elementos aqui apresentados, objetiva ou subjetivamente e, a consolidação de fato da impossibilidade da exoneração de alimentos mediante à configuração da paternidade socioafetiva já é realidade nos tribunais.

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