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DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EQUIPARAÇÃO DE ALÍQUOTAS DE IPTU NO DISTRITO FEDERAL

No documento TRIBUTAÇÃO, JUSTIÇA E PROCESSO (páginas 27-36)

4 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

5 DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EQUIPARAÇÃO DE ALÍQUOTAS DE IPTU NO DISTRITO FEDERAL

As alíquotas de IPTU variam em cada município, ficando a cargo deste instituir e regulamentar a lei própria. No Distrito Federal, a norma que define as alíquotas do imposto é o Decreto-Lei nº 82 de 26 de dezembro de 1966.

O Título II dessa lei é reservado aos impostos, sendo o IPTU consagrado pelo Capítulo I. A Seção V, deste mesmo capítulo, traz a estruturação das alíquotas e do cálculo do imposto. O artigo 19 prevê:

Art. 19. O imposto incidirá sobre o valor venal do imóvel, resultante de arbitramento pela autoridade administrativa, com base nos elementos do Cadastro Imobiliário Fiscal, à razão das alíquotas seguintes:

I - 3% (três por cento) sobre o valor venal do terreno urbano não edificado;

II - 1% (um por cento) sobre o valor venal do imóvel, quanto aos terrenos edificados;

III - 3% (três por cento) quanto aos terrenos com edificações em construção, em demolição, condenados ou em ruínas, quando nesses se constatem dependências suscetíveis de utilização ou locação, calculado sobre valor venal do imóvel, computado apenas o valor dessas dependências e do terreno;

IV - 0,25% quanto aos prédios exclusivamente residenciais ocupados, pelo proprietário, promitente comprador, cessionário da promessa ou por quem tenha sôbre o imóvel direito real do usufruto, uso ou habitação.

IV - 0,30% (trinta centésimos por cento) quanto aos imóveis exclusivamente residenciais edificados, com Carta de ‘Habite-se’. (Redação dada pela Lei nº 7.641, de 1987)

Compreendido esse artigo, pode-se notar que o legislador de fato emprega a função da extrafiscalidade, diferenciando as alíquotas de acordo com a utilização da propriedade. Aos que edificaram cumprindo a função social da propriedade, a lei beneficiará, adotando a alíquota de 1% (um por cento) ou 0,30% (trinta centésimos por cento) caso o proprietário destine o imóvel para moradia e possua o “habite-se”.

Aos que não cumprem a função social da propriedade, ou seja, deixam de edificar e usam o bem para, por exemplo, especulação, a lei pune o proprietário aplicando uma alíquota mais alta que as demais, ou seja, de 3,0%. Vale ressaltar que as demais leis citadas neste trabalho ainda possibilitam que, neste caso, se aumente a alíquota no tempo se esta situação permanecer, sendo possível chegar até 15,0%. Após cinco anos decorridos de alíquota máxima, fica executável a desapropriação do bem.

Entretanto, o inciso III do artigo 19, supracitado, equipara os terrenos com edificações em construção a terrenos abandonados, condenados, não utilizáveis e estipula a alíquota idêntica a de terrenos urbanos não edificados.

Em outras palavras, a lei elege a mesma punição tanto para quem permite que seus bens se deteriorem ao ponto de ficarem inutilizáveis, ou que simplesmente não cumpriram a lei e o preceito constitucional da função social da propriedade, quanto para quem desempenha sua obrigação e passa a construir e dar o fim social da propriedade. Diante esta injustiça, resta demonstrar o porquê dessa regra, além de reprovável, é inconstitucional.

Em primeiro lugar, utilizar-se dessa alíquota mais alta desincentiva a edificação, tanto no sentido social quanto no sentido econômico. Alguém que tenha um lote que não cumpra a função social da propriedade, sem que seja estimulado a agir diferente dificilmente o fará. E o cenário se agrava ao considerar as despesas, geralmente elevadas, que afetam diretamente o proprietário, que além de tudo, durante todo o tempo da construção, ainda deverá contribuir com uma alíquota alta que poderá ser crescida no tempo.

Cabe destacar que devido as construções e demais cuidados com o terreno, este

passará a ter valor mais alto, o que implica na base de cálculo do próprio imposto, logo, também, subindo o seu valor.

Além disto, o Poder Público não pode transformar o direito do proprietário em uma obrigação estatal. A constituição Federal, ao garantir o direito de propriedade, tutela um direito dado ao cidadão, não podendo fazer restrições ilimitadas, que acabem por transformar esse direito em uma função.

Por isso, empregar os mesmos efeitos da norma a duas pessoas que estão em situações diferentes, no que tange ao exercício da propriedade com base na sua função social, é uma ação inconsequente que, conforme ocorre no caso exposto, pode resultar no objetivo contrário ao que se pretende alcançar.

Sendo assim, a própria norma acaba promovendo o resultado oposto ao desejado. Fixar a alíquota inicial do IPTU em 3% vai de encontro ao interesse público e à função social da propriedade, salvaguardada no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal. É vedada a qualquer norma infraconstitucional não seguir o disposto na CF/88, e esta equiparação colide com o tutelado pela Carta Magna, logo não representando uma norma constitucional.

Ademais, pode-se questionar essa equiparação a luz do princípio da isonomia. Este prevê a igualdade entre iguais, possibilitando uma sociedade justa. Na Constituição Federal, está expressa no caput do artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”. No artigo 150, caput e inciso II, tem-se o seguinte:

Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

II - Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Segundo Regina Helena Costa “o princípio da igualdade autoriza o estabelecimento de discriminações, por meio das quais se viabiliza seu

atendimento, em busca da realização de justiça”.29 Ainda segundo a Autora, é este princípio que fundamenta outros, como a capacidade contributiva, seletividade, uniformidade geográfica, vedação ao efeito do confisco, vedação à isenção heterônoma, entre outras.30

Desta forma, a isonomia preza pela equiparação de situações iguais, e diferenciação de situações diferentes, circunstância que não é verificada na lei distrital que, como já citado, assimila dois fatos opostos dando a estes a mesma regra. Além disto, este contexto também se subordina ao sobreprincípio fundamental da justiça, que privilegia o uso e emprego dos demais princípios de forma justa, com intuito de que se observe as condutas a serem disciplinadas, e as faça de modo a acarretar relações justas.31

A alíquota dada a terrenos em construção regular deve ser equiparada a cenários de mesmas condições, ou seja, a terrenos edificados que já cumpriram a função social da propriedade, ou, então, ter uma alíquota intermediária, própria para esse caso. Fato é que as condições de quem está em processo de construção ou edificação de seu imóvel jamais poderá ser igualada a de quem não cumpre a lei e de fato impede o desempenho da função social da propriedade. Todo terreno hoje edificado, necessariamente, passou pelo processo de obra, sendo essa uma fase primordial e inafastável.

Por estas razões, também fica evidente a inconstitucionalidade da norma, uma vez que vai de encontro aos princípios constitucionais da isonomia tributária, justiça, capacidade contributiva e, principalmente, o do atendimento à função social da propriedade.

29 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Nacional. São Paulo:

Editora Saraiva, 9ª edição, 2018, p. 87.

30Idem, p. 88 e 89.

31 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 23ª edição, 2011, p. 198.

Outrossim, para Gilmar Mendes “o poder de legislar contempla, igualmente, o dever de legislar, no sentido de assegurar uma proteção suficiente dos direitos fundamentais”.32

Para mais, como já explicado anteriormente, toda norma restritiva deve seguir os princípios da razoabilidade ou proporcionalidade. Esta equiparação em questão não se conforma com o pressuposto da adequação, pois não corrobora para o cumprimento da finalidade desejada, ampara, de fato, o oposto. Também não se adequa ao pressuposto de necessidade, já que a aplicação não é a menos danosa, uma vez que poderia ser aplicada uma alíquota intermediária, ou ser equiparada a alíquota dada a quem finalizou o processo de edificação. Devido a isto, essa equiparação de valores não é uma conduta proporcional ou razoável por parte do legislador.

Destaca-se, ainda, que o legislador, para averiguar o cumprimento da função social da propriedade não aprecia se de fato o proprietário está utilizando o bem para a finalidade, mas apenas observa se o bem poderá ser utilizado desta forma. Em outras palavras, um imóvel designado a moradia, em regra, poderá estar desocupado sem que isso implique no cumprimento da sua função. Sendo assim, um imóvel em construção regular também deveria ser compreendido como dentro do rol de propriedades que cumpram a sua função social, uma vez que o observado não é a efetivação prática da finalidade, mas apenas a sua possibilidade.

Por fim, como explica Barroso, todas as normas têm o plano de existência, o de validade e o de eficácia. O de existência decorre da simples aprovação da lei. Já o de validade decorre da observância das características formais e materiais às quais ela se subordina. A eficácia é sua capacidade de produzir efeitos na prática. Logo, o vício de inconstitucionalidade está contido no plano de validade. 33

32 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e o controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 4ª edição, 2011, p. 65.

33 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo:

Saraiva, 8ª edição, 2019, p. 35 e 36.

Assim, a equiparação em questão advinda do artigo 19, inciso III, do Decreto-Lei nº 82 de 1966, tem existência e eficácia desde dezembro de 1966, todavia, a validade não permanece, já que regra desse dispositivo vai de encontro à Constituição Federal, sendo, assim, uma norma com inconstitucionalidade material.

Importante ressalvar que a inconstitucionalidade arguida por este trabalho se resolve apenas no sentido material, não havendo qualquer questionamento sobre uma inconstitucionalidade formal. Ademais, a inconstitucionalidade material deve ser questionada por meio de uma ação denominada Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais – ADPF, prevista na Constituição Federal de 1988 e regulada pela a Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999.

Apenas o Supremo Tribunal Federal tem a capacidade para julgar essa ação. No caso em tela, poderia ser oferecida uma ADPF de arguição incidental,34 fundamentada no artigo 1º, inciso I, da Lei 9882.

6 CONCLUSÃO

De acordo com o presente estudo, verifica-se que, como previsto no decreto-lei nº 82, de 1.966, em seu artigo 19, inciso III, há patente violação ao postulado constitucional da função social da propriedade, art. 5, XXIII, bem como aos princípios da isonomia, justiça tributária, razoabilidade e proporcionalidade.

A inconstitucionalidade dessa norma infraconstitucional pode ser entendida por duas concepções. Se por entender que esta norma protege a função social da propriedade, deve ocorrer a ponderação das normas constitucionais, uma vez que há uma colisão inautêntica. Em outras palavras, nesta hipótese, existiria preceitos constitucionais protegendo, neste caso concreto, situações opostas. Assim, deverá ser aplicada a razoabilidade e

34 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo:

Saraiva, 8ª edição, 2019, p. 358.

proporcionalidade a fim de se observar qual ou quais preceitos serão privilegiados. Como já apontado acima, a norma em questão não cumpre com o subprincípio da adequação e da necessidade, não sendo proporcional.

Assim, o emprego dessa norma equiparadora não traz efeitos protegidos pela constituição, de maneira oposta, resulta em efeitos inconstitucionais.

Além disso, observando os conceitos trazidos pela doutrina e lei, pode-se observar que a referida norma infraconstitucional não efetiva seu próprio objetivo, uma vez que desestimula a edificação, afastando do objetivo primordial. Assim, se caracteriza como um artigo de lei hierarquicamente inferior que contraria o tutelado em lei superior.

Neste sentido, a equiparação de propriedades em edificação à lotes abandonados ou não edificados contraria a Constituição, pois não trata partes iguais com igualdade, mas faz o oposto, não protege a propriedade, e não respeita a própria função social da propriedade, pois a restrição nesse sentido a desestimula e não pode ser considerada razoável ou proporcional.

Dito isso, a equiparação trazida pelo inciso em questão, desobedece à própria função social da propriedade, à justiça, à igualdade e ao direito de propriedade e até de liberdade – na medida em que entendemos o Estado atua com restrição excessiva, retirando garantias das pessoas.

Todavia, até o momento, não houve uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ação própria para questionar, perante o STF, a constitucionalidade desta norma neste caso. Porém, o STF não cria a inconstitucionalidade, apenas tem poderes exclusivos de declará-la e impedir que a norma inconstitucional produza efeitos.

Isto é, a validade da norma distrital está comprometida, pois desde já, é inconstitucional, contudo, continuará a produzir efeitos até o reconhecimento dessa inconstitucionalidade por parte do Supremo Tribunal Federal. Assim, a inconstitucionalidade está presente nessa equiparação, como demonstrado neste trabalho, ainda que o Supremo Tribunal Federal não tenha tido a oportunidade de apreciar a questão.

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A CONSTITUIÇÃO DE HOLDING FAMILIAR E

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