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Da Legitimidade e do Respeito à Legalidade pelo Judiciário na Concessão de

DA LEGITIMIDADE E DO RESPEITO À LEGALIDADE NA

CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS SOCIAIS

Nas situações exemplificadas no Capítulo anterior (possibilidade de filha maior receber a pensão do pai, servidor falecido, após a Constituição Federal de 1988; pensão por morte para mulher divorciada que renunciou a pensão alimentícia quando da separação; interpretação dos requisitos da Aposentadoria por Idade em descompasso com a lei, e definição como caráter alimentar, de valores recebidos de um benefício indevido) e em muitas outras, o Judiciário não criou um benefício social.

Na verdade, sobre os benefícios já existentes, com requisitos previstos nas leis respectivas, as decisões judiciais concluíram que alguns não deveriam ser exigidos para a fruição daqueles direitos. O ponto nevrálgico da questão acaba sendo esta desconsideração casuística de requisitos previstos em lei, facilitando na maioria das situações, o acesso aos benefícios previdenciários ou assistenciais que as partes não teriam direito.

É esta adaptação dos requisitos, por meio da interpretação judicial, que precisa de reflexão e de alguns parâmetros mínimos, sob pena de decisões judiciais protetivas, virem a gerar insegurança jurídica.

Quando um benefício social é criado por meio da Constituição Federal ou da lei, e devidamente regulamentado, sempre traz a exigência do preenchimento de

requisitos para sua fruição. Se na Aposentadoria por Tempo de Contribuição são exigidos 35 (trinta e cinco) anos de trabalho para os homens, e 30 (trinta) anos para as mulheres; na Aposentadoria por Idade são exigidos 15 (quinze) anos de contribuição para ambos os sexos, sendo que os homens só podem requerê-la aos 65 (sessenta e cinco) anos e as mulheres aos 60 (sessenta), e assim por diante, tendo cada benefício seus requisitos que o justificam, e uma relação com o risco social (incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente) que pretende proteger (BRASIL, 1991).

2.1 Legitimidade e Legalidade

Neste ponto, é necessária a menção que para a definição do Estado Democrático de Direito (Artigo 1º da CF 88), precisamos de duas ordens de referência ética: a política e a jurídica. A primeira representada pela Legitimidade e a segunda pela Legalidade.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2001) em seu Legitimidade e

Discricionariedade, trata do tema, fazendo uma distinção decisiva entre a ética

jurídica e a ética política.

À Política cabe a arte de interpretar os interesses da sociedade, e de chegar às decisões capazes de satisfazê-los; ao Direito, a não menos difícil arte de cristalizar em normas de observância geral e obrigatória as vivências sociais. (...) A captação política dos interesses da sociedade é imediata e define a legitimidade, enquanto que a cristalização jurídica desses interesses é mediata e define a legalidade (NETO, 2001, p. 13).

Dessa forma, quando estamos diante de um benefício social, deve ser presumido que havia um consenso na sociedade de que o mesmo teria de ser criado para proteger determinadas situações de desamparo, pela impossibilidade da pessoa de prover o próprio sustento e da sua família, seja por invalidez, velhice ou situações como desemprego, maternidade e reclusão.

Assim, havia o interesse de que aqueles segurados da Previdência Social ou mesmo da Assistência Social (só nos casos de invalidez e velhice) não passassem por determinados eventos sem a devida proteção estatal. Neste momento, estamos diante da Legitimidade.

As leis e os decretos regulamentadores fizeram a “cristalização jurídica” dos anseios da sociedade e criaram as normas referentes aos mais diversos benefícios sociais. Neste momento, estamos diante da Legalidade.

O filósofo alemão Jurgen Habermas (1983, p. 223-224), ao tratar do tema defende que:

Por legitimidade, entendo a capacidade de um ordenamento político de ser reconhecido. A exigência ou pretensão de legitimidade liga-se a conservação no sentido da integração social, da identidade normativamente estabelecida de uma sociedade.

Assim, os requisitos de cada um destes têm de ser considerados como partes integrantes dos mesmos, pois, como protegem situações da vida distintas, precisam atentar para as devidas particularidades. Deve ser presumido que o anseio da sociedade de proteger não era indistintamente para todos aqueles naquela situação de desamparo, mas apenas aqueles que cumpriram requisitos mínimos (como ser segurado da Previdência Social, cumprir prazos de carência, estar em situação de união estável ou casamento, velhice ou invalidez).

Quando o Judiciário desconsidera um requisito previsto em lei para determinado benefício social, facilitando seu acesso, está privilegiando aquela situação concreta de necessidade que foi apresentada em específico processo judicial. Ocorre que, a própria Constituição Federal em seu já citado Artigo 3º, prevê como objetivo da República, uma sociedade solidária.

Ora, esta solidariedade, também princípio de Direito Previdenciário, sugere que todos participem da sociedade de acordo com as suas possibilidades, e em se tratando de Seguridade Social, toda a sociedade tem a obrigação de custeá-la, seja diretamente por meio do recolhimento de contribuições previdenciárias, ou mesmo de forma indireta, na aquisição de produtos e serviços que geram o pagamento de

contribuições sociais por parte das empresas, tais como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

Sobre a legitimidade dos benefícios sociais, especialmente dos previdenciários, é crucial definir em respeito à solidariedade preconizada em nossa Constituição Federal, que aquelas pessoas que mais contribuíram para a Previdência Social devem receber benefícios em valores maiores que os demais. A excessiva preocupação com a Justiça Social acaba deixando em segundo plano esta verdade simples. Se a sociedade precisa que todos participem, é legítimo esperar que aqueles que mais pagaram sejam melhor recompensados, numa situação de risco social.

Alterar esta premissa básica de uma sociedade solidária é incentivar a informalidade, fazendo com que aqueles que já tenham requisitos mínimos para a fruição de benefícios previdenciários deixem de contribuir, afinal nada receberão além do que já conquistaram. Apenas a título ilustrativo, é fácil imaginar que num futuro próximo (curto prazo), só se aposentarão por tempo de contribuição no Brasil - 35 (trinta e cinco) anos para homens e 30 (trinta) anos para mulheres - os empregados (indústria e comércio) e os servidores públicos, enquanto os contribuintes individuais (empresários, profissionais liberais) preferirão a Aposentadoria por Idade, que só exige 15 (quinze) anos de contribuição.

Logo, a normatização dos benefícios sociais com requisitos distintos para cada risco social protegido deve ser considerada como o equilíbrio entre a necessidade de proteção e o objetivo de uma sociedade solidária. Um exemplo bem simples é o desejo de toda a sociedade de que a mulher que acabou de ter um filho tenha os três primeiros meses de vida da criança junto a ela, tendo sido para este anseio criado legitimamente o Salário-Maternidade, que garante a mesma remuneração como se estivesse trabalhando naquele período. Todavia, se uma mulher que nunca contribuiu passa a fazê-lo no sexto ou sétimo mês de gravidez, o benefício lhe é negado, já que não cumpriu a carência necessária.

Dessa forma, os requisitos dos benefícios não podem ser tratados como elementos exteriores, sendo parte integrante dos mesmos, no sentido de proteger aqueles que dele necessitam, e considerando a solidariedade necessária por toda a sociedade.

Na questão dos benefícios sociais, é simples identificar a importância da definição do que seria o interesse público. Uma vez mais mencionamos Neto, que define:

Desde logo, o interesse público não deve ser entendido como um somatório de interesses individuais dos membros de uma sociedade. Os interesses individuais e dos grupos que devem ser satisfeitos, respectivamente, pelos indivíduos e pelos próprios grupos; transferi-los ao estado se tem revelado, sempre e quando ocorreu, um erro histórico; criando, de um lado, uma entidade paternalista e demasiado poderosa e, de outro, uma sociedade dependente, desestimulada, acomodada e debilitada,sintomas de totalitarismo. (NETO, 2001, p. 12).

Retornando ao que foi abordado, este equilíbrio entre a proteção do risco social e a solidariedade da sociedade identifica o interesse público de cada benefício social criado. Em resumo, a sociedade entende que tem de proteger, mas não a todos, só àqueles que cumpriram exigências mínimas, com o fito de incentivar que todos participem da sociedade, inclusive das despesas.

É importante frisar que o Judiciário pode e deve afastar requisitos que entenda inconstitucionais, ilegais ou abusivos. Esta postura envolvendo benefícios sociais é mais do que primordial pela natureza alimentar destes, e por envolverem momentos em que as pessoas não podem trabalhar para prover o próprio sustento.

A crítica até aqui exposta é quando o Judiciário ao invés de concluir que aquele requisito é inválido, apenas resolve o caso concreto, sem declarar ilegal ou inconstitucional aquela exigência que impede a fruição do direito. Por isso, fizemos a distinção entre desconsideração do requisito e afastamento do mesmo, acreditando que o segundo envolva uma decisão genérica, normalmente por meio da declaração de inconstitucionalidade do artigo de lei que o previu.

A inconstitucionalidade no caso pode ser por ação, um requisito que impede o acesso ao benefício a quem deveria fazer jus, ou por omissão, quando um direito

garantido a outros benefícios previdenciários é indevidamente negado a todos na mesma situação.

Uma decisão judicial que soluciona o interesse individual de um benefício social que foi negado com base nas regras da lei que o estabeleceu, mas mesmo assim, não declara este impeditivo inconstitucional ou mesmo ilegal, no caso dos Regulamentos, acaba sendo ilegítima, pois não cabe ao juiz, em nenhuma instância, só aplicar a norma quando lhe aprouver.

Ora, é certo que num processo judicial em que exista apenas um Autor requerendo um benefício, aquele está demonstrando o seu interesse individual. Todavia, o juiz não pode se despir do interesse público presente nas normas referentes à matéria. Em suma, se entender que o requisito não atendido pelo jurisdicionado é válido, o pedido deve ser julgado improcedente, mas se entender que é abusivo ou ilegal (incluída aí a inconstitucionalidade por ação ou omissão) tem de decidir aquele caso concreto, porém afastando o que entender inválido e buscando que sua decisão tenha efeito erga omnes.

Um juiz quando considera uma norma inconstitucional ou ilegal tem de expor claramente sua decisão, de forma que os Tribunais Superiores logo a apreciem, com o intuito de trazer estabilidade para as relações, ou seja, segurança jurídica. Não basta resolver o caso concreto com solução casuística.

Infelizmente, em vários momentos, e aqueles quatro exemplos citados no início da dissertação indicam isso, os juízes têm atentado apenas para a necessidade dos requerentes, protegendo situações de evidente desamparo, mas desconsiderando requisitos intrínsecos dos benefícios que estão sendo deferidos. A ideia de fazer Justiça Social acaba prevalecendo em relação a outros cuidados importantes, tais como, a repercussão na sociedade daquela inovação.

Habermas (1983, p. 223-224) discorre sobre a expectativa da sociedade no trabalho dos juízes e como isso influi na legitimidade:

Somente com os ordenamentos políticos é que começamos a falar de legitimidade. O Poder Político cristalizou-se historicamente em torno da função de uma magistratura régia, do núcleo de uma regulamentação de conflitos sobre a base de normas jurídicas reconhecidas (e não mais apenas do poder de arbitragem). A esse nível, a jurisprudência se baseia numa posição que deve sua autoridade à capacidade de dispor do poder de sanção que é próprio de um sistema jurídico, e não mais apenas a um status parental (e ao papel de mediação de um juiz árbitro). O poder legítimo de um juiz pode ser tornar o núcleo de um sistema de poder ao qual a sociedade delega a função de intervir quando a sua própria integridade é posta em perigo. É verdade que o Estado, por si só, não produz a identidade coletiva da sociedade, nem opera a integração social através de normas e valores, que não caem sob seu poder de disposição. Mas, dado que o Estado toma a si a tarefa de impedir a desintegração social por meio de decisões obrigatórias, liga-se ao exercício do poder estatal a intenção de conservar a sociedade em sua identidade normativamente determinada em cada oportunidade concreta.

Conforme foi abordado no início deste Capítulo, em primeiro lugar surge a Legitimidade, que depois de identificada é positivada por meio da Legalidade. É assim que se entende e se explica o Estado Democrático de Direito. Por meio da vontade democrática da maioria, seus representantes identificam os anseios da sociedade e os normatizam, tornando-os direitos.

Quando um juiz desconsidera um requisito legal apenas para o caso concreto, deixando o benefício social com as mesmas regras para as demais pessoas, está criando um novo benefício para apenas um indivíduo, de forma ilegítima, pois não foi aquela a vontade democrática.

Neste ponto, é muito importante a atenção do juiz que tem atuação na jurisdição administrativa, pois, ao haver discordância em relação a algumas normas legais, não deve apenas desconsiderá-las em casos pontuais, mas, se for afastá-las, deve justificar sua decisão, demonstrando a inconstitucionalidade ou ilegalidade (no caso dos Regulamentos).

Anthony Giddens (1991, p. 78)discorre sobre este compromisso do juiz com a sua atuação, em relação à expectativa da sociedade:

Os compromissos com rosto tendem a ser imensamente dependentes do que pode ser chamado de postura dos representantes ou operadores do sistema. As graves deliberações do juiz, o solene profissionalismo do médico, ou a animação estereotipada da tripulação do avião participam

igualmente desta categoria. É compreendido por todas as partes que é necessária confiança renovada, e esta é de um tipo duplo: na fidedignidade dos indivíduos específicos envolvidos e no (necessariamente misterioso) conhecimento ou habilidades aos quais o indivíduo leigo não tem acesso efetivo. Uma atitude de "aja-como-de-hábito" tende a ser particularmente importante onde os perigos envolvidos são visíveis, ao invés de formarem uma base de riscos puramente contrafatuais. Tomando como exemplo a viagem aérea, o ar casual estudado e a calma animação do pessoal de bordo são provavelmente tão importantes na renovação da confiança dos passageiros quanto qualquer quantidade de anúncios demonstrando estatisticamente o quão segura é a viagem aérea.

2.2 Discricionariedade e Livre Convencimento Fundamentado

Como estamos tratando de benefícios sociais (previdenciários ou assistenciais) e seus requisitos legais, é importante tratar da Discricionariedade fazendo menção inicialmente a definição de José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 47):

Poder Discricionário, portanto, é a prerrogativa concedida aos agentes administrativos de elegerem, entre várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o interesse público.

Num primeiro momento já podemos perceber que a discricionariedade deve ser exercida pelo Administrador nas hipóteses em que a lei permite. Assim, os benefícios sociais deixam pouca ou nenhuma margem para a apreciação dos agentes administrativos. Não existem muitas condutas possíveis.

O direito a um benefício social (previdenciário principalmente) é um direito potestativo. Preenchidos os requisitos e feito o requerimento, tem de ser deferido.

Logo, a concessão de um benefício social é um ato administrativo vinculado, pois não tem o agente concessor o poder de escolher uma dentre as várias condutas possíveis. Como se refere o autor supracitado: “(...) este tipo de atuação

mais se caracteriza como restrição e seu sentido está bem distante do que sinaliza o verdadeiro poder administrativo” (Ibdem, grifo nosso).

Dessa forma, a evolução doutrinária e jurisprudencial acerca do controle judicial da discricionariedade (PRIETO, 1993), no sentido de ser possível aferir quanto à razoabilidade das condutas escolhidas, como também dos aspectos da legalidade, acaba tendo pouca serventia na análise dos atos que concedem benefícios previdenciários ou assistenciais.

Os agentes que apreciam a concessão de tais benefícios até podem, em um momento ou outro, aferir se aquelas provas produzidas pelo requerente atendem aos requisitos legais exigidos. Como o resultado de tal conclusão administrativa pode ser objeto de impugnação judicial, podemos concluir que houve discricionariedade nestas condutas. O juiz apreciará a decisão administrativa quanto à legalidade e razoabilidade, porém, não está sendo objeto de discussão o atendimento dos requisitos a tais benefícios.

Esta é a primeira conclusão necessária: o juiz não tem discricionariedade quanto aos requisitos dos benefícios previdenciários, ainda que sua conclusão tenha sido distinta a do Administrador. Ele pode e deve aferir se aquele requisito foi cumprido ou não pelo interessado com as provas por ele apresentadas, tanto administrativa como judicialmente. Mas desconsiderar alguma das exigências legais é um grave risco que precisa ser evitado.

Todavia, quando um juiz desconsidera um dos requisitos legais, podendo exemplificar com a concessão de uma Aposentadoria por Idade para quem ainda não cumpriu o requisito idade (65 anos para homens e 60 anos para mulheres), resolvendo apenas aquele caso concreto, sem afastar esta idade mínima exigida para outras pessoas na mesma situação, está alterando o benefício previsto em lei.

Nesta situação hipotética2, o juiz não teria substituído a discricionariedade que a lei em determinados momentos passa para o agente administrativo, mas interpretado inclusive a forma como o Legislativo normatizou aquele anseio da

2 A tese foi apresentada e julgada improcedente no Processo nº 0006166-06.2012.4.02.5101, 9º

Juizado Especial Federal, Juiz Federal Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, julgada em 24/08/2012.

sociedade na criação do benefício. Acaba o juiz fazendo uma análise da Legitimidade e criando a própria norma, e pior, de forma casuística.

Decisões neste sentido têm se sucedido com certa frequência, sempre cuidando do aspecto da Justiça Social, dando especial ênfase à necessidade alegada ou comprovada dos requerentes, mas criando uma realidade de instabilidade, que além de alterar a expectativa da sociedade em relação ao Judiciário, também o inviabiliza, Afinal, se não há uma coerência entre o que é decidido administrativamente e o que é recebido na Justiça, os interessados sempre buscarão a decisão que mais lhes favoreça, gerando o excesso de demandas que hoje conhecemos.

Um ponto interessante quando se trata de discricionariedade envolve aquelas situações que o legislador resolveu não proteger. Analisando a questão pelo prisma da legitimidade, pode ser compreendido que nem toda a hipótese de necessidade tenha obrigatoriamente que estar garantida por um benefício. Não há em princípio nenhuma violação quando a lei simplesmente não protege.

Obviamente que o juiz dentro do seu livre convencimento fundamentado pode entender que aquela situação exigia proteção, porém, neste caso, necessita declarar inconstitucional por omissão ou por ação aquela inexistência de norma legal.

Destarte, é importante frisar que o Judiciário pode apreciar a discricionariedade administrativa pelo aspecto da legalidade e da razoabilidade, mas não substituí-la, o que se tratando especificamente de benefícios sociais, acaba gerando a criação de um novo benefício, com base em decisão judicial única. É primordial não confundir a discricionariedade com o princípio do livre convencimento motivado.

Segundo os professores Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2009, p. 73), o princípio do livre convencimento, tratado em sua obra como princípio da persuasão racional: regula a apreciação e avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve

formar livremente sua convicção. Situa-se entre o sistema da prova legal e o julgamento secundumconscientiam.

Em suma, o juiz pode fundamentar sua decisão com base em algumas das provas dos autos, justificando-a, para que as partes e as instâncias superiores possam identificar as que foram consideradas decisivas.

Dispõe o art. 131 do Código de Processo Civil3:

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.

Assim, identificar a necessidade com base na prova dos autos, levando em consideração argumentos como a dignidade da pessoa humana, e a garantia do mínimo existencial pode até ser encarado como exercício do livre convencimento fundamentado ou motivado. Porém, ao “criar” um novo benefício social, desconsiderando isoladamente algum requisito existente, estará o juiz entrando na seara do administrador, exercendo uma discricionariedade que nem a própria lei permitiu para a matéria.

Esta distinção é primordial. Na maioria dos benefícios sociais (previdenciários e assistenciais) a lei trouxe quase nenhuma discricionariedade para o agente administrativo. Logo, o juiz tem de atentar para esta realidade, pois além de agir indevidamente como executor da lei, pode estar agindo como criador de uma nova norma. Por exemplo, uma Aposentadoria por Tempo de Contribuição exige 35 (trinta e cinco) anos de trabalho para um homem.

O Judiciário pode reconhecer um período de trabalho que não foi reconhecido pela Administração (INSS) por falta de recolhimento das contribuições por parte do empregador. Estará aí dentro do livre convencimento fundamentado, analisando a prova, e concluindo que aquele período está provado. Entretanto, não pode aposentar um homem por tempo de contribuição com 30 (trinta) anos de trabalho.

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