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Diagrama 4 Justiça espacial: Trajetórias conceituais e práticas

3 CONTINUO URBANO TRANSFRONTEIRIÇO: INSERÇÃO DE PROGRAMAS

3.1 DA NOÇÃO DE CONTÍNUO URBANO TRANSFRONTEIRIÇO À DEFINIÇÃO

A palavra fronteira não é neutra, segundo Bento (2012) esta palavra suscita sentimentos e valores diferentes que descrevem ou designam o lugar do início ou do fim: início de um Estado e o fim de outro, numa linha visível ou imaginaria de fronteira, um Estado termina e outro começa. Esta palavra representa, o que está na frente, mas também de acordo com Moreira e Benetti (2012) o termo de fronteira decorre de um fenômeno da vida social, indicando “espaços de comunicação e construção”.

Como parte da reflexão é importante destacar a diferença entre o conceito de fronteira e limite. Como expõem Moreira e Benetti (2012), a fronteira expressa a capacidade de integração: uma zona de interpenetração mútua e de constante transformação de estruturas sociais, políticas e culturais distintas. O limite, por outro lado, expressa a capacidade de separar unidades politicas soberanas ou autônomas, não importando a presença de certos fatores comuns, físico-geográficos ou culturais.

Na literatura sobre fronteiras políticas internacionais, tanto aquela produzida pela Geografia Política e áreas afins, é possível encontrar inúmeras classificações para diferenciar os tipos de fronteiras e suas peculiaridades (STEIMAN, 2002). Em termos gerais, de acordo com Aponte (2017) existem duas tendências principais nos estudos de fronteira: a primeira, dedicada a analisar processos delimitados por unidades administrativas, políticas e legais que geram expressões espaciais, sociais, econômicas

e culturais diferenciadas; a segunda, refere-se às frentes de expansão e o ocupação territorial.

O papel da fronteira internacional com relação as dinâmicas e as configurações urbanas na Amazônia são foco de estudo para muitos pesquisadores. O crescimento da urbanização nas fronteiras esteve diretamente relacionado com as tendências econômicas da segunda metade do século XX, fenômeno identificado na Amazônia, conforme evidenciou Becker (1985).

Estes fenômenos de urbanização na fronteira também foram investigados por Machado (2000, 1996) que relacionou os processos de urbanização na Amazônia com a expansão de redes de mercados globais, também ligadas a atividades ilícitas; o conceito de fronteira é abordado a partir da funcionalidade das fronteiras políticas e de controle. Dentro da academia brasileira também existe uma vasta discussão sobre as dinâmicas urbanas na Amazônia, explicitando as particularidades da configuração e expansão de suas redes urbanas. Autores como Corrêa (1991,1987) e Machado (1999) analisam a temática a partir de diferentes pontos de vista, Corrêa (1991,1987) destaca as incursões coloniais como transformadores enquanto processo e forma e Machado (1999) enfatiza o ciclo econômico da borracha como criador de uma rede urbana pouco consolidada e articulada às redes que rompem as estruturas hierárquicas tradicionais.

Para a década de 2000, o interesse pelas fronteiras na Amazônia começa a se expressar como meio de comunicação e ligação de redes de comércio e de intercâmbio cultural (STEIMAN, 2002). As fronteiras entre países como Brasil, Peru e Colômbia na Amazônia além de responder a estas redes da economia, também têm sido consideradas por um longo período de tempo como áreas marginais e distantes dos centros de poder dos respectivos governos centrais, experimentando um processo no qual a fronteira deixa de ser entendida como um limite e passa a ser um espaço socialmente construído pelos habitantes.

Pesquisas como as de Vergel (2008) dão evidencia desta dinâmica, pois denota como as cidades de Leticia na Colômbia e Tabatinga no Brasil desempenham um papel importante ao serem espaços onde as trocas e os fluxos entre os Estados-nação se materializam e a fronteira deixa de ser um limite.

Desde uma perspectiva mais recente e sob um novo olhar gerado a partir de uma abordagem local, uma dimensão de fronteira é introduzida nas temáticas urbanas além das fronteiras entre Estado-nação. Sob esta linha, autores como Zárate, Aponte e Victorino (2017) dão maior importância às estruturas culturais e políticas que articulam o sistema urbano como uma ferramenta local legítima de governo.

Sob essas abordagens, muda a análise dos fenômenos urbanos nas fronteiras da Amazônia, baseados agora em tentar compreender as dinâmicas urbanas a partir da construção social. Focados nesta nova abordagem foi considerado para este trabalho o conceito de fronteira nas cidades de Leticia e Tabatinga como um contínuo urbano transfronteiriço que significa:

uma expressão espacial uniforme causada por processos socioespaciais e históricos, configurado por espaços construídos e produzidos, importantes tanto nas intervenções dos Estados nas suas ações de ordem e divisão, como com os habitantes com suas práticas cotidianas e suas formas de habitar (APONTE, 2017, p. 233)

Um tipo de articulação que acontece em algumas cidades de fronteira com respeito aos processos que ocorrem entre as populações em termos de seu crescimento urbano. No caso das cidades de Leticia e Tabatinga são duas cidades com uma configuração morfológica dinâmica (ao princípio apresentando dois núcleos separados, e depois um continuo urbano como consequência do crescimento acelerado em direção ao limite) que dá evidencia de um processo de articulação entre cidades. Em termos da morfologia urbana foram os processos socioespaciais e históricos que geraram este contínuo urbano como uma expressão espacial uniforme nas duas cidades (APONTE, 2017).

Em síntese os processos urbanos na Amazônia foram abordados por diversos autores, focando seu estudo em questões como: o crescimento das cidades e as redes de povoamento, a análise de frentes de expansão, assentamentos periféricos, entre outros. Por outro lado, observa-se que estudos urbanos que relacionem justiça espacial com as dinâmicas de fronteira não têm sido recorrentes nos estudos sobre a Amazônia.