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DA PATHOGENIA DA KERATITE

No documento Da Pathogenia da Keratite (páginas 31-55)

Entre os trabalhos que teem apparecido so- bre a inflammaçào da cornea, é sem duvida o de His um dos mais importantes.

His toma para base do seu trabalho a patho- logia cellular de Virchow.

Na cornea, como em todos os tecidos, o ponto de partida dos phenomenos inflammatories con- siste n'um modo de ser particular da vitalidade da cellula.

«E evidente, diz His, que as ideas theoricas geralmente aceites sobre as moléstias da cornea devem ser inteiramente reformadas. Devem-se de deduzir, se assim posso dizel-o, as leis a que está sujeita a inflammaçào da cornea, das que re- gem a cellula. Dando esta idéa por base a es- tudos assíduos, chegar-se-ha, assim o espero, a ponto de um observador poder deduzir de um

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exame directo as alterações microscópicas, e ad- quirir conhecimentos muito mais profundos d'es- tas alterações ». *

His fez um grande numero de expe .encias, nas quaes pôde seguir passo a passo as mudan- ças que experimentam as cellulas da cornea, quando irritadas.

Eis as mudanças por elle observadas: l.a Augmento de volume das cellulas.

2.a Alteração do seu núcleo.

3.a Desaggregação da parede da cellula do

seu contheudo que se divide.

4.a Transformação d'estas parcellas do con-

theudo da cellula em cellulas endógenas. 5.a Desenvolvimento ulterior de novas cel-

lulas.

6.* Degenerescência gordurosa de grupos d'estas cellulas, incapazes de se desenvolverem.

7.a União do contheudo granuloso á parede

da cellula, com augmento de volume do antigo núcleo e apparição de nucleolos.

8.a Diminuição de volume das cellulas de

nova formação». 2

His ainda concluiu das suas experiências: 1.° Que as modificações cellulares se produ- zem n'uma certa extensão á volta do ponto irri- tado, e que a actividade dos phenomenos de pro- liferação é tanto maior, quanto mais se appro- xima do ponto irritado.

2.° Que a irritação st propaga muito mais

1 His Beitrage znr normalen uni) palholo; ~'i histologie des corneas (trad.

de Necker).

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rapidamente á superficie do tecido da cornea do que na espessura do mesmo tecido.

3.° Que as cellulas soffrem um augmente notável de volume na visinhança dos vasos; o que parece depender da chegada dos materiaes de nutrição vindos dos vasos.

D'aqui se vê que His admitte plenamente as idéas de Virchow; ideas que, digamol­o desde já, no estado actual da sciencia nos parecem as mais admissíveis.

Mas vejamos as différentes opiniões dos his­ tologistas que se teem occupado do estudo da inflammação da cornea.

Miraul d'Angers sustentou em uma these que a cornea era susceptível de inflammar­se, opinião antes d'elle emittida por Vetch e War­ drop.

Miraul por varias vezes tinha observado ver­ dadeiras inflammações da cornea; mas a cornea

é uma membrana desprovida de vasos, e ninguém

n'esse tempo pensava que se poderia dar uma inflammação independentemente da presença de vasos. Tentando resolver esta difficuldade, Mi­ raul suppõe que a inflammação começa pela scle­ rotica ou pela conjunctiva e que d'ahi se pro­ paga á cornea.

Esta explicação não agradava aos partidá­ rios da theoria de Robin e Broca escreveu uma memoria na qual rejeita absolutamente a idéa da inflammação da cornea.

Depois de justificar as suas idéas Broca da­ nos as seguintes conclusões:

l.a Começando sempre a inflammação pelos

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vasos capillares, os tecidos desprovidos de va- sos, taes como o corpo vitreo, o crystalline e a cornea, não podem ser mais susceptíveis de in- flammação, do que os pellos, as cartilagens, os dentes e as unhas.

2.a A cornea, no estado normal, não encerra

vestígios de vasos, os pretendidos vasos serosos não existem.

3.a A vasciúarisacão accidental da cornea

não ê devida, nem á dilatação dos vasos antigos até então invisiveis nem á formação de vasos no- vos ; é devida simplesmente á extensão dos va- sos que existem á volta d'ella.

4.a Nas moléstias da cornea, a vascularisa-

ção nunca é senão um phenomeno de importân- cia secundaria; ê a consequência e não a causa de um estado mórbido, que jamais pôde ser to- mado por inflammação e tratado como tal.

5.a A maior parte das moléstias da cornea,

mesmo d'aquellas que se designam pelo nome inexacto de kératite, percorrem todos os seus períodos, sem que a cornea se torne vascular, e sem que por conseguinte possamos ligal-as a um estado inflammatorio.

6.a E duvidoso que as collecções designadas

com o nome de abcessos da cornea contenham verdadeiro pus ; em todo o caso não podem ser tomadas como consequência da inflammação. No mesmo caso estão as manchas e as ulceras da cornea.

7.a A cicatrisação das feridas da cornea effei-

tua-se sem a intervenção directa dos vasos; estes quando apparecem, o que é excepcional, é só

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n'uma epoclia em que já existe a adhesão entre os lábios da ferida.

8.a A palavra kératite deve ser riscada da

sciencia.

Desde Boerhaave que as perturbações vas- culares eram consideradas como phenomeno in- dispensável ao processo inflammatorio. Este mo- do de ver, em perfeito accordo com a evolução dos phenomenos inflammatories observados a olho nu em a maioria dos casos, permittia a ex- plicação dos principaes phenomenos inflamma- tories.

Como conceber pois uma inflammaçâo em um tecido desprovido de vasos? Broca, cohé- rente com as suas idéas, rejeita in limine a pos- sibilidade da inflammaçâo da cornea; e do alto da sua cadeira de professor condemna a kératite á morte.

Nem todos os partidários da theoria fran- ceza foram tão intransigentes.

Aquelles que não poderam recusar a certas moléstias da cornea o caracter inflammatorio por „causa da similhança dos seus phenomenos locaes com os que se passam em todos os teci- dos inflammados trataram de explicar o caso a seu modo.

«O obscurecimento da cornea, diz Miraul, não é mais do que o produeto do engorgitamento dos seus vasos serosos. Esses vasos dilatam-se e enchem-se de fluidos brancos: o sangue ainda alli não penetrou, ou pelo menos nada revela a sua presença ; por isso a irritação diminue, e bem depressa recupera a sua diaphaneidade.

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Mas, se a ophtalmia se torna mais intensa, os vasos da cornea e da conjunctiva parecem ce- der â impulsão sanguinea, dilatam-se e enchem- se de um fluido que até então alli não tinha pe- netrado.

A cornea torna-se então a sede de uma in- jecção sanguinea mais ou menos apparente. »

Miraul resolve, como se vê, as diíficuldades admittindo na cornea vasos serosos, explicação a que muitos se abraçaram. Mas os vasos sero- sos são mais que duvidosos.

«Ha casos raros, diz Schiff, em que uma ir- ritação do centro não vascular da cornea não reage sobre os vasos marginaes, mas produz uma alteração inteiramente local no ponto irritado; n'estes casos a cornea perde a sua transparên- cia, turva-se, e ao microscópio as laminas inter- sticiaes existentes entre as suas fibras parecem maiores, as cellulas encontram-se alli em maior numero e em estado de divisão; tornam-se mo- veis e caminham nos instersticios do tecido da cornea; segundo Recldingausen também se tor- nam contracteis». *

É uma outra explicação. Schiff é partidário de Cohnheim.

Desmarres e o próprio Robin também não são tão intransigentes como Broca. Aceitam, é verdade, as idéas d'esté auctor e concordam com ellas, fazendo-lhes porém algumas modificações. Confessam que nos abcessos da cornea encon- tram verdadeiros leucocytos perfeitamente si-

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milhantes aos do pus phlegmonoso, o que é posto em duvida por Broca na sua sexta proposição. Kobin e Desmarres reconhecem que, em conse- quência do seu modo de nutrição os meios não vasculares do olho podem soffrer muitas altera- ções particulares, mas como consequência da propagação de uma moléstia dos tecidos visi-

nhos.

«Estas lesões, dizem elles, devem ser descri- ptas e classificadas pelo que o exame anatómico tiver feito conhecer a respeito da sua natureza intima, mas jamais devem ser consideradas como

phlegmasias ».

« Os principios que a cornea tira aos capil- lares da coreideia, da conjunctiva e da sclero- tica inílammadas, não são os mesmos que no es- tado normal lhe são fornecidos; e por isso os elementos anatómicos que nascem na cornea tam- bém não podem ser os mesmos que normalmente alli se produzem ou se nutrem. Ha uma gera- ção accidental de leucocytos absolutamente si- milhantes aos dos tecidos vasculares». l

Cohnheim, tendo irritado com um craião de nitrato de prata o centro da cornea, diz que ao terceiro dia, viu apparecer n'uni ponto distante do irritado, e junto do limbo da cornea, uma mancha acinzentada, de forma triangular, cuja base correspondia á circumferencia d'aquella membrana. Examinando esta mancha ao micros- cópio, verificou a existência alli de leucocytos cujo numero era muito maior na base. Depois

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a cornea foi adquirindo a sua transparência na porção marginal, e a opacidade foi-se concen-

trando para o ponto primitivamente irritado, e por fim desappareceu.

Cohnheim notou que,os corpúsculos estrel- lados da cornea apresentam sempre, no estado pathologico, a mesma disposição que teem no estado normal, embora esta membrana conte- nha no seu interior uma grande quantidade de leucocytes. Caqui concluiu que estes glóbulos se não formam no tecido da cornea mas vem do exterior.

D'onde provêem estes glóbulos? Cohnheim entende que os leucocytos que se encontram na cornea inflammada não são senão glóbulos bran- cos do sangue que atravessam as paredes dos lymphaticos e chegam assim á parte que é a sede da inflammação. A confirmação d'esta idéa ob- teve-a Cohnheim cia seguinte experiência: Inje- ctou na torrente circulatória de uma rã o azul de anilina, e observou que os glóbulos brancos do sangue continham no seu interior glóbulos de anilina: depois observou que os leucocytos que se encontravam na cornea inflammada d'esta rã continham os mesmos glóbulos de anilina.

Para Cohnheim, como se deprehende do que deixamos exposto, a cornea seria um órgão qne desempenharia um papel inteiramente passivo nos phenomenos mórbidos que n'ella se passam. O craião de nitrato de prata, tocando a superfi- cie da cornea, irritaria os nervos d'esté órgão; esta irritação seria por elles transmittida á con- junctiva onde se desenvolveria a inflammação,

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e os leucocytos, d'alii provenientes, infiltrando- se na cornea, produziriam alii a opacidade que é o primeiro phenomeno que apparece nas in- flammações d'esta membrana.

O apparecimento do anil nos glóbulos do sangue e nos leucocytos do pus, seria â primei- ra vista um argumento poderoso a favor da theo- ria de Cohnheim quando esta observação fosse confirmada por outros histologistas; mas ainda assim não tinha o valor que Cohnheim queria dar-lhe; pois que, podendo os glóbulos de ani- lina sahir dos vasos por serem mais peque- nos do que os leucocytos do sangue, nada mais fácil do que achar-se o anil nos leucocytos do pus. Mas observadores que se teem dado a repetir as experiências de Cohnheim não teem obtido os mesmos resultados.

Iwanoff concluiu dos seus minuciosos tra- balhos que a base anatomo-pathologica do pa-

nus consistia em uma proliferação muito abun-

dante de cellulas de nova formação ao nivel do limbo conjunctival da cornea, provenientes do tecido cellular subepithelial, operando-se então uma espécie de infiltração da cornea por estas cellulas que emigram em massa por entre o epi- thelio e a membrana de Bowmann.

As experiências de Duval, porém, e princi- palmente as de Feltz feriram de morte a theoria de Cohnheim.

Com o fim de apurar o que havia de ver- dadeiro n'esta theoria, Duval procedeu a um grande numero de experiências.

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resolvidos a sacrificar todas as nossas convic- ções histológicas sobre a proveniência do pus, ao menos em certos casos especiaes, porque tam- bém se fundam em casos que o mais noviço pôde verificar, e que provam sem replica a importân- cia da proliferação cellular... Se pois esperáva- mos verificar os factos avançados por Cohnheim, era unicamente na esperança de vermos juntar- se mais um elemento á pathogenia da inflamma- ção e á da suppuração em particular». *

Aguçando um craião de nitrato de prata ap- plica-o muito ao de leve, e apenas durante alguns segundos, de maneira a obter uma mancha opa- lina, no centro da cornea; logo em seguida banha o olho com uma solução de chlorureto de sodium para precipitar o resto do nitrato de prata, e d'esta maneira evitar que elle se espalhasse por toda a cornea. No fim de 24 horas a mancha proveniente da cauterisação tinha-se tornado azul e apresentava algumas vezes dous prolon- gamentos de um branco sujo, um superior que chegava até o bordo da cornea alargando-se para a peripheria e diminuindo de côr no mesmo sen- tido, outro inferior que terminava perfeitamente em massa (massue). Passadas 48 horas, a man- cha central tem o mesmo aspecto, mas os pro- longamentos teem desapparecido. Corta então a

cornea, e, ao exame microscópico verifica que ao nivel da mancha o epithelio da cornea se acha impregnado de nitrato de prata, que não tinha sido destruído: a cauterisação, por pouco

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profunda, não tinha interessado o tecido da cor- nea, a qual não apresenta a mais pequena alte- ração.

Recomeça as experiências, applicando a pon- ta aguçada do craião sobre o centro da cornea; mas d'esta vez com certa força, e por mais tem- po do que nas primeiras experiências, e obtém uma cauterisação perfeitamente central, regular

e de 0m,001 a 0m,015 de diâmetro.

No dia seguinte a mancha está mais opaca, mas perfeitamente limitada, sem ter augmen- tado em extensão, e com os seus bordos distin- ctamente limitados, sem haver prolongamentos em direcção alguma.

No segundo dia a mancha conserva-se no mesmo estado e observa-se uma leve perturba- ção geral da cornea. No terceiro dia a man- cha conserva-se ainda limitada por um rebordo distincte; observam-se algumas manchas esbran- quiçadas, disseminadas pela parte superior da superficie da cornea, as quaes não apresentam connexão alguma com a mancha da cauterisa- ção.

No quarto dia ha o mesmo estado da cornea e uma injecção manifesta da membrane clignotante; a lente revela nos limites superior e inferior da cor- nea muitas manchas pequenas e esbranquiçadas. Tira então a cornea e verifica que as cellulas plas- máticas comparadas com as da cornea sã tinham volume dobrado. Ao nivel das pequenas man- chas periféricas observa hypertrophia e hyper- plasia das cellulas plasmáticas sem mais altera- ção alguma. Ao nivel da mancha da cautérisa-

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ção não observa modificação apparente de es- tructura a não ser um deposito da granulações de nitrato de prata.

Da repetição d'estas experiências com resul- tados idênticos tirou as seguintes conclusões:

l.a A inflammação da cornea, como o mos-

trou já o exame microscópico, não marcha da periferia para o centro. Algumas vezes somente, observam-se traços, dos quaes a maior parte não attingem o bordo da cornea. Nem a sua sede nem a sua existência são .pois constantes.

2.a O exame microscópico demonstra que o

trabalho de proliferação começa ao nivel do traix- matismo, e d'alli irradia em todos os sentidos. N'uma palavra, o trabalho phlegmasico é cen- trifuge

3.a Nas partes em via de metamorphose

nunca se vêem no principio glóbulos brancos isolados e livres; provêem sempre de uma pro- liferação cellular.

4.a O ponto de partida das metamorphoses

é a cellula plasmática, que, longe de ficar indif- férente se hypertrophia e dá origem a produ- ctos globulares novos. »

Repetindo depois as suas experiências em animaes de sangue quente, os resultados que d'ellas colheu, confirmaram a verdade das suas conclusões.

Feltz passa no mesmo dia, um fio metallico através da cornea de doze coelhos, e mata cada dia um para lhe examinar a cornea. Este exa- me é feito a olho nu e ao microscópio.

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nea começa exactamente ao nivel dos pontos de entrada e sahida do fio, indo-se d'ahi estenden- do successivamente por toda a cornea, que ao oitavo ou nono dia está completamente invadi- da, apresentando por toda uma côr lactescente. Este estado é sempre acompanhado de um au- gmento considerável da espessura da cornea. Algumas vezes, a par com estas lesões, observa uma conjunctivite, bem como, mas muito mais raras vezes, a presença de um circulo excêntri- co, que não está, como pretende Cohnheim, em relação com a opacidade central, e que Feltz at- tribue a uma espécie de dissecação da cornea, proveniente do obstáculo que o fio oppõe ao jogo da pálpebra, pois que quando cortava esta

membrana o circulo apparecia sempre.

Ao microscópio, o primeiro phenomeno que observa, no fim de muito pouco tempo, é a di- latação dos corpúsculos ou lacunas que elle diz existirem na cornea no estado normal; depois os prolongamentos caudaes d'estes corpúsculos participam da dilatação.

No fim de 12 horas vêem-se muito distincta- mente canaes de paredes perfeitamente limita- das reunirem os différentes corpúsculos; a dila- tação vai progredindo, tornando-se mais notável nos corpúsculos e nos canaes intermediários. Feltz diz ter observado também, na cornea, a presença de leucocytos, e é de opinião que na cornea se pode dar a suppuração.

Virchow, no seu tratado de pathologia cel- lular, ao mesmo tempo que dá os resultados dos seus estudos anotomo-pathologicos sobre a ke-

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ratite, expõe a maneira como considera os pro- cessos pathologicos da cornea. Já dissemos re- sumidamente em que consistia a sua theoria. Para elle a caracteristi ca da inflammação não é a hyperemia dos tecidos mas sim a actividade exagerada da cellula, e a kératite representa o typo da inflammação parencliimatosa.

« Se a inflammação estivesse verdadeiramen- te ligada á hyperemia, diz Virchow, seria im- possível admittir a inflammação das partes que não estão em relação com os vasos; não pode- ríamos conceber uma inflammação a certa dis- tancia dos vasos. Seria impossivel fallar de uma inflammação da cornea a não ser do seu bordo, da inflammação de uma cartilagem a não ser da porção contigua ao osso, ou finalmente da in- flammação do interior de um tendão; e todavia essas partes inflammam-se como as outras, e as modificações que produz este estado mórbido não differem essencialmente das observadas nos órgãos vasculares».

Do que deixamos exposto julgamos poder concluir que a cornea é susceptível de se inflam- mar, porque para nós a inflammação não con- siste nas perturbações vasculares.

A cornea é muitas vezes a sede de collecções purulentas, cuja origem em balde nos esforça- mos por encontrar nos órgãos visinhos, que es- tão sãos. Este pus, somos forçados a admittil-o, fórma-se na propria cornea: mas para isso é pre- ciso que alli se dê uma perturbação da nutrição; d'aqui a necessidade de admittirmos a inflamma- ção da cornea.

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Nem deve servir de obstáculo o dizer-se que a cornea é uma espécie de parasita que vive ás custas dos suecos nutritivos que lhe são forneci- dos pelos vasos dos órgãos visinhos, e que por isso as perturbações d'esté órgão estão fatalmente ligadas ás dos órgãos que no estado physiologico lhe fornecem esses elementos; porque n'esse caso não teriamos conjunctivite nem choroidite quê não arrastasse comsigo perturbações da cornea, e os factos estão constantemente a mostrar-nos o contrario.

A cornea, para nós, ê um órgão mais inde- pendente do que querem alguns auetores. Como órgão desprovido de vasos vai tirar aos tecidos visinhos os elementos de que carece para a sua existência; mas esses elementos não são mais do que a materia prima. A cornea tem uma vida propria, uma actividade funecionalindependente. Se esta actividade é menor do que a dos órgãos vasculares, qual é a sociedade em que todos os seus membros são igualmente trabalhadores?

A cornea bebe nos órgãos visinhos os mate- riaes de que carece para alimentar a sua activi- dade nutritiva e funccional propria; e se nós po- demos admittir que a cornea se nutre no estado normal, porque não havemos de admittir que esta propriedade nutritiva é susceptível de perturba- ções? Entendemos, pois, que a palavra kératite, em opposição á opinião de Broca, deve ser con- servada na sciencia.

As observações clinicas de Desmarres, Ga- lezowski, Duplay e outros auetores, e principal-

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