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DA PREFEITA CORONEL AOS VÁRIOS SIMBOLISMOS DE PREFEITA

CAPÍTULO III – AS PERCEPÇÕES DAS PREFEITAS SOBRE A VIDA PÚBLICA – PARTIDÁRIA

3.1 DA PREFEITA CORONEL AOS VÁRIOS SIMBOLISMOS DE PREFEITA

No ano de 1963 a Paraíba elegeu a primeira mulher ao cargo de prefeita, sendo a terceira do Brasil, Maria Dulce Barbosa, eleita prefeita da cidade de Queimadas. Participou de movimentos sociais entre 1930 e 1950 e foi vereadora por três mandatos consecutivos. Maria Dulce teve uma vida longa, chegando a falecer aos 96 anos de idade em 2013.

Ao contrário da história dos movimentos feministas no Brasil no qual muitas mulheres lutaram por direitos civis e políticos, como é o caso da paraibana Maria Dulce Barbosa, a participação das mulheres na política no Estado da Paraíba embora tenha crescido não advêm, em grande parte, de movimentos sociais, mas de estratégias políticas marcadas por círculos viciosos de parentesco na política local. Assunto visto páginas atrás.

Para Eva Blay (1978, p. 15): “a prefeitura representa, no atual sistema político brasileiro, a instituição capaz de expressar o poder local. Uma retrospectiva do processo político posterior à instalação da República indica que o poder local passou de uma posição hegemônica à dominada”.

A autora relata o processo político brasileiro das prefeituras, mencionando que a partir das bases locais dos grandes proprietários de terra foi possível dominar e “conquistar” a maior quantidade de eleitores. Havia, nesse sentido, a dominação do trabalhador e da produção, cujos proprietários dominavam a direção do poder local.

Contudo no próprio âmago deste processo se geram processos econômicos e políticos divergentes que finalizam por romper com a hegemonia agrária. O fortalecimento dos grupos hegemônicos baseados no trabalho urbano e industrial acaba por substituir parcialmente a oligarquia agrária – exportadora na área do poder. Este processo complexo (...) deve ser visto em suas variações conforme a região a ser considerada, pois não se deu uniformemente pelo país todo. E não deve também ser pensado como um processo concluído e que radicalmente instala o poder urbano e industrial (BLAY, 1978, p. 16).

Eva Blay (1978) questiona o “por quê” da região nordeste ser considerada uma das regiões do Brasil que mais cultiva o papel social das mulheres como donas de casa e elege o maior número de prefeitas desde 1958. Dados revelam que desde os anos de 1970, a região nordestina apresenta números crescentes de prefeitas: ainda segundo a autora, foi eleita na Paraíba, por exemplo, em 1972 uma prefeita dentre 47 candidatas, já em 1976 foram eleitas seis mulheres ao mesmo cargo dentre 52 candidatas. Outra característica que chama atenção é que o maior número de mulheres eleitas prefeitas se concentra nas cidades do interior.

(...) São as regiões de menor desenvolvimento econômico, menos urbanizadas e menos industrializadas, as que mais elevam a mulher à chefia do poder local. O confronto destes dados com a suposição de que são as grandes cidades, as zonas de maior desenvolvimento econômico, as áreas de economia industrial, aquelas que libertam a mulher de uma restrita atividade doméstica, demonstram que essas mecânicas relações causais não podem ser aceitas tão genericamente (BLAY, 1978, p. 19).

Observa-se que no Estado da Paraíba as mulheres que se elegem prefeitas estão concentradas nos menores municípios cujo poder aquisitivo da população é mínimo, e a localidade é distante dos principais centros e grandes cidades. Muitas dessas regiões onde as prefeitas governam são de difícil acesso e com uma renda municipal mínima ou quase inexistente, dependendo muitas vezes das verbas oriundas de assistência social do governo federal, como dito anteriormente.

Eva Blay (1978) em seus estudos aponta categorias relacionadas às prefeitas no Brasil, a autora traz uma especificidade de participação da mulher na política local. A partir de uma investigação que realizou com 13 prefeitas no interior do Nordeste, definiu três situações em que tais mulheres se encontravam. Neste estudo, a autora levou em consideração as perspectivas de personalidade, situação social e estrutural do ponto de vista econômico.

Diante de uma sociedade tradicional e arraigada pelo patriarcalismo, o “chefe político local procurava criar, no interior de sua família nuclear ou extensa, uma predisposição para o desenvolvimento de carreiras políticas (...) e nem sempre os filhos destinados à política demonstram interesse ou aptidão para tais carreiras” (BLAY, 1978, p. 40). Neste caso, quando o homem não pode assumir o cargo de chefia por algum

motivo assume a esposa ou a filha a liderança da cidade, e de forma muito bem recebida. Esta mulher que assume desta forma o comando do município é intitulada pela autora de prefeita coronel.

Ora, na Paraíba casos como estes não são diferentes, uma das prefeitas entrevistadas cita que “entrou” na política porque seu pai não poderia mais se candidatar, e de certa maneira foi muito aceita pela população do município chegando à reeleição “facilmente”.

É importante notar que a reeleição é uma prática comum na Paraíba, é uma forma de controlar o poder nos municípios. O que faz revezar o lugar da chefia na prefeitura onde as mulheres estão também participando do jogo do poder através da continuação política do nome de família. Poucas são as mulheres que iniciaram a vida política formal através de movimentos sociais, como dito páginas atrás, muitas começaram a vida pública através do pai, do irmão ou do marido, que enquanto políticos do Município ou do Estado as impulsionaram a “entrar” na política formal, começando como primeira-dama ou apoiando nas campanhas eleitorais dos parentes. Caso como este é o da prefeita Euda Fabiana que acompanhando seu pai na política, na época da adolescência, diz o seguinte sobre sua escolha:

Os motivos de engajar-se na política são vários: a vontade, o querer, o

pai. O fato de ter casado com um político. E gostei né! Descobri que

eu podia fazer algo pelas pessoas. As pessoas começavam a lhe procurar e você se sentindo útil. (Entrevista realizada com Euda Fabiana em 01/10/15, grifo nosso).

Ao dizer que estava “se sentindo útil” a prefeita tenta desvincular a relação tão somente de ligação com o pai, que a impulsionou para a política, e tenta compensar a prática de ser útil mesmo estando na política formal graças também ao pai, ou seja, de estar na política formal por causa de um parente.

Eva Blay (1978, p. 41) também relata casos de mulheres que assumiram cargos políticos contra a vontade própria somente para satisfazer o esposo, que por algum motivo não podia mais se candidatar. Este “tipo” de prefeita a autora denominou de prefeita esposa, aquela que “cumpre uma determinação, não discute; acata, embora se sentindo sacrificada”.

A prefeita “esposa” não decide por si mesmo seu futuro político. Mesmo que tenha vindo de uma família que sempre participara da política, acaba se decidindo por disputar a Prefeitura, dizendo que “a escolha foi dele”, isto é do marido. No futuro, não quer nenhum cargo político mesmo que este lhe seja dado por nomeação. Prefere livrar-se do fardo incômodo (BLAY, 1978, p. 41).

A exemplo desta afirmação é a narrativa de Ednacé Henrique quando diz que o esposo já não poderia mais se candidatar e cogitou o nome dela para assumir a vaga. O resultado é que a candidata, na época, foi muito bem aceita, vencendo também uma reeleição consecutiva como Prefeita. Apesar de resistir a ideia de candidatura por algum tempo acabou aceitando por influência do marido. Vejamos o que afirma a Prefeita:

Foi um projeto do meu marido eu estar aqui. Primeiro Deus,

segundo o dele, por que ele tem um olhar direcionado para isso. (Entrevista realizada com Ednacé Henrique em 16/11/15, grifo nosso)

Ao lembrar que o marido tem um olhar direcionado para a política, a prefeita deixa explícito que ele tem uma experiência na política formal que ela não tem. E por isso aprenderia muito com o esposo sobre “como fazer política”. Afirma que foi uma vontade divina, mas o esposo teve total influência na decisão dela em se candidatar.

A pequena burguesia e a prefeita por iniciativa própria vem da família política tradicional. Em outras palavras, as mulheres, que na convivência dos espaços burgueses, ajudaram os esposos ou os parentes em atividades comunitárias, conseguiram se candidatar e foram eleitas. Isto acontece devido à trajetória social já construída por estas mulheres ou em casos em que o marido ou o candidato aliado já não vence as eleições, as esposas se dispõem a disputar a campanha eleitoral tomando iniciativa própria sem influências do marido (BLAY, 1978):

As prefeitas provenientes da pequena burguesia, em geral, demonstram uma acentuada preocupação em atender às necessidades sanitárias, educacionais e de transporte de seus municípios. Estes, com parcos recursos, ficam na dependência de que suas dirigentes tenham prestígio junto ao governador ou que possa pelo menos viajar para a Capital do Estado a fim de conseguir que seu município seja lembrado. Não é difícil de imaginar que aquelas mais ativas ou mais influentes são as mais bem sucedidas (BLAY, 1978, p. 48).

No interior da mata paraibana, a prefeita Rosângela Leite, eleita em 2012, ao afirmar que “a campanha foi bastante acirrada que foi contra o tio que já estava há quase trinta anos no poder”, exemplifica o fato de que a candidata na época, que era filha e parente de político tradicional da região, insatisfeita com os projetos da prefeitura e dos políticos que eram seus próprios tios, enfatizou que lançou candidatura para mudar tal realidade.

As prefeitas da pequena burguesia ou de iniciativa própria tem uma grande preocupação com as condições de estruturas da cidade, o que implica um cuidado maior em instalar, por exemplo, postos de saúde, escolas públicas. Diante da dependência do município para com o Estado e a União, muitas prefeitas procuram soluções rápidas para resolver os problemas do município que governam (BLAY, 1978).

A prefeita Rosângela Leite, por exemplo, assume a “posição política” que tem em virtude da família tradicional que a gerou. Nasceu e cresceu em um reduto de parentes políticos da cidade, revela onde aprendeu o discurso de dizer que “teve a preocupação em melhorar seu município”, e assim como alguns parentes, “desejou governar a cidade onde nasceu a fim de melhorar as condições sociais da população”. Quando na verdade não houve este desejo “nato”, tendo em vista que fazia parte dos interesses de família em se instituir politicamente.

Outra prefeita que pode ser exemplo desta característica é Luzinectt Costa, eleita em 2008 e reeleita em 2012, confessa que idealizou muitos projetos sociais na cidade, especificamente para mulheres ociosas, e que a partir disso consolidou uma imagem de “cuidadora da cidade” porque procurava “soluções para os problemas locais do município”.

Outro exemplo desta imagem da prefeita por iniciativa própria é Pollyanna Yasnaia que apesar de ser eleita por força simbólica da ausência do esposo, que faleceu ainda no mandato, confessa que enfrentou as barreiras do preconceito e com a experiência que adquiriu na militância e na política quando o esposo era prefeito lançou candidatura própria para tentar solucionar problemas de estrutura social na cidade.

Não é nosso intuito estereotipar as prefeitas paraibanas, mas o que nos chama atenção na leitura que fazemos no cotidiano da política e da inserção das mulheres na política local é que algumas práticas atuais permanecem e se enquadram, muitas vezes, nas velhas práticas e categorias mencionadas por Eva Blay. Mesmo que aconteçam em

época e contextos diferentes, as representações destas prefeitas nos levam a tais entendimentos.

3.2 TRAJETÓRIA DAS PREFEITAS NA GESTÃO PÚBLICA: