• Nenhum resultado encontrado

1 O DIREITO À PRIVACIDADE E SUAS MUTAÇÕES DIANTE DO

1.4 DA PRIVACIDADE À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

Com base no exposto, aufere-se que o direito à privacidade é um direito em um constante processo de construção. Nota-se que o conteúdo desse direito é amplamente influenciado pelos avanços tecnológicos e pelas implicações desses na esfera privada do indivíduo, de modo a readequá-lo ao contexto socioeconômico em que se insere.

A dimensão negativa desse direito, consubstanciada especialmente no right to

be let alone, ainda que de grande pertinência para a defesa do indivíduo, é

insuficiente para dar respostas aos novos meios de tratamento de informações pessoais. O direito à privacidade, ao se deparar com novas tecnologias, tem que dar respostas a problemas mais complexos na sociedade. As ingerências físicas não são mais as maiores ameaças à esfera privada. Hoje, é o corpo informacional do indivíduo que fica mais exposto a violações através da coleta sistemática de dados.

Mecanismos de Big Data, em especial aqueles capazes de depurar uma grande quantidade de informações, a fim de identificar aquelas potencialmente interessantes (por exemplo, data mining)146, somam-se a um cenário em que o armazenamento de informações é cada vez mais facilitado. Migrou-se do disquete para o CD, pendrive até o armazenamento na nuvem (cloud computing), com

144 Tal constatação é identificada até no âmbito literário com o Grande Irmão da obra de Orwell 1984.

O mesmo é possível, também, a partir de uma breve análise dos regimes Nazifascistas e Comunista. ORWELL, George. 1984. Tradução Alexandre Hubner, Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

145 Título em alusão à obra de Danilo Doneda de mesma denominação: Da Privacidade à Proteção de

Dados Pessoais.

146

O Data Mining consiste em uma técnica de identificação de informações de “potencial interesse” a partir de uma busca, em grandes volumes de informação, de “correlações, recorrências, formas, tendências e padrões significativos” sempre com base em instrumentos estatísticos e algoritmos matemáticos. BRASIL. Escola Nacional de Defesa do Consumidor. A proteção de dados pessoais nas relações de consumo: para além da informação creditícia. Elaboração Danilo

Doneda. Brasília: SDE/DPDC, 2010. Disponível em:

<http://www.vidaedinheiro.gov.br/docs/Caderno_ProtecaoDadosPessoais.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2017. p. 34.

capacidades de armazenamento cada vez maiores, por preços cada vez menores147. Assim, informações que antes provavelmente estariam fadadas ao esquecimento, hoje são armazenadas trazendo a mudança do paradigma do esquecimento ao paradigma da memória148, no qual tudo é lembrado e tomado em consideração nos mais diversos aspectos da vida da pessoa.

Um exemplo emblemático do estigma que o passado do indivíduo pode causar é o caso conhecido como Google Spain, em que um cidadão espanhol ingressou com uma reclamação junto à AEPD (Agência Espanhola de Proteção de Dados) contra o Google, para que esse retirasse de seus mecanismos de busca informações referentes a uma penhora de um imóvel de propriedade desse cidadão, motivada por dívidas que o mesmo possuía junto à seguridade social espanhola. Tal reclamação foi objeto de apreciação judicial (Processo C-131/12) e é considerado um caso paradigmático na temática do direito ao esquecimento ou do direito à desindexação149.

É diante de tais situações que a mutação do direito à privacidade se mostra tão importante. O reconhecimento da doutrina dessa nova problemática foi fundamental para o delineamento de um direito à privacidade que tutela o indivíduo não só contra ingerências físicas externas, mas no que toca ao controle de suas próprias informações pessoais150. Nesse sentido, identifica-se no desenvolvimento do direito à privacidade as raízes da formulação de um novo direito: o direito à proteção de dados pessoais.

A partir deste, busca-se dar resposta aos problemas relacionados à coleta e ao tratamento de dados pessoais, em especial aqueles realizados por meios informatizados. Aqui, não só a exposição indesejada da pessoa está em roga, mas a própria proteção contra a discriminação e a manutenção da autonomia do indivíduo.

147

Ibid.

148 MAYER-SCHÖNBERGER, Viktor. Delete. The Virtue of Forgetting in the Digital Age. Pinceton:

Princeton University Press, 2009, apud BRASIL, op. cit.

149

Nesse sentido, ver: RUARO, Regina Linden; MACHADO, Fernando Inglez de Souza. Ensaio a propósito do direito ao esquecimento: limites, origem e pertinência no ordenamento jurídico brasileiro. Revista do Direito Público, Londrina, v. 12, n. 1, p.204-233, abr. 2017.

150 “[...] o direito à privacidade traduz-se na faculdade que tem cada pessoa de obstar a intromissão

de estranhos na sua intimidade e vida privada, assim como na prerrogativa de controlar as suas informações pessoais, evitando acesso e divulgação não autorizados.” [Grifo no original]. VIEIRA, Tatiana Malta. O direito à privacidade na sociedade da informação: efetividade desse direito fundamental diante dos avanços da tecnologia da informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007. p. 30.

O debate em torno do direito à proteção de dados pessoais foge da dicotomia do público ou privado, buscando dar respostas a problemas distintos daqueles enfrentados pelo direito à privacidade. Dados pessoais considerados “públicos” ou de acesso público podem ser utilizados de forma lesiva, ainda que não impliquem nenhuma violação da esfera privada do indivíduo. A elaboração de perfis de consumo ou de comportamento também não afeta, a priori, a privacidade do titular dos dados, mas certamente tem implicações significativas na sua vida. É a questões dessa natureza que a tutela do direito à privacidade se mostra insuficiente, sendo a proteção de dados pessoais a alternativa mais apta a dar respostas satisfatórias a esses novos desafios de um mundo informatizado, consoante se verá a seguir.

2 O DIREITO À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS: UMA ANÁLISE DOS