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Da Territorialização das Políticas Públicas às Políticas Territoriais de

CAPÍTULO II POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNANÇA TERRITORIAL

2. Da Territorialização das Políticas Públicas às Políticas Territoriais de

Já em 1995, Barquero dizia que “as diferenças de linhas programáticas das políticas espaciais dos governos centrais e locais e a própria história política desses países são alguns dos fatores que podem explicar a forma como cada país trata as questões da iniciativa local” Barquero (1995:26). De facto, o processo de territorialização das políticas públicas não é uniforme e depende em grande medida do modelo de organização política de estado de cada país, pelo que não é indiferente se se trata de uma organização estatal do tipo federal, regional ou central. Nalguns países como a França, por exemplo, é a administração central, através dos diferentes ministérios, quem incentiva e dirige a política de desenvolvimento local. Já em Espanha essa iniciativa parte dos governos das comunidades autónomas. Na Alemanha, estado federado, são as autoridades dos lands que têm

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competências governativas próprias, enquanto em Portugal, a política regional apresenta uma grande dependência relativamente ao poder central, pese embora o inegável contributo que as autarquias têm dado ao desenvolvimento regional.

No entanto, não há dúvida de que a territorialização das políticas públicas tem vindo a ganhar especial relevância, decorrendo esse processo, essencialmente, do reconhecimento, por um lado, da ineficácia das políticas públicas que não têm em consideração as especificidades territoriais e, por outro lado, da necessidade de se assegurar a mobilização dos atores locais para a definição e implementação dessas políticas. Significa isto que se assume a territorialização das políticas públicas, bem como o envolvimento dos atores locais e regionais, como requisito indispensável ao sucesso das dinâmicas de desenvolvimento territorial. Os processos de desenvolvimento devem assim ser ancorados em políticas públicas territoriais e em políticas públicas territorializadas que adotem como referencial as especificidades e os problemas de cada território em particular.

Por oposição às space-blind policies, políticas isomorfas que adotam formas semelhantes, se não mesmo iguais, em termos da sua formulação e independentemente das especificidades das regiões e dos locais, surgem as place-based policies (OCDE, 2011:34) que são políticas que têmem consideração a dimensão espacial do processo de desenvolvimento. As place-based policies, visando maximizar o desenvolvimento económico, são moldadas pelas necessidades, características e perfis dos territórios e assentam em mecanismos que promovem os valores locais, as ideias inovadoras e estimulam o intercâmbio de conhecimentos num quadro político multissetorial, tendo em conta a diversidade económica, social, política e institucional das regiões. Numa palavra, as políticas de desenvolvimento local deverão privilegiar o apoio às regiões na promoção do seu capital territorial, sendo, por isso, muito mais do que uma simples territorialização das políticas públicas.

As abordagens políticas de base territorial têm, pois, em “consideração a diversidade do conhecimento local, bem como as competências e capacidades institucionais em diferentes localizações geográficas que podem afetar os retornos potenciais das intervenções políticas territoriais” (Fernandez, 2011:173). Deste ponto de vista, as políticas devem ser concebidas a partir de um diagnóstico de necessidades de base local e ser adaptadas a essa realidade. Por essa razão devem ser territorialmente inscritas e definidas não de forma cega, numa lógica descendente, mas pensadas e espacialmente direcionadas numa lógica ascendente. Nesta perspetiva, o desenvolvimento está relacionado com a geografia económica e com o conjunto de aspetos sociais, económicos e institucionais de um dado território que, de forma integrada, configuram a sua marca identitária. Na verdade, são “osaspetos específicos de uma localidade e a sua capacidade para criar e fortalecer a sua vantagem comparativa [que] estão no centro do sucesso do desenvolvimento económico” (Barca et al., 2012:135). Esta é a razão pela qual muitos autores vêm afirmando que o sucesso económico de uma região depende daquela articulação, devendo as políticas ser desenhadas tendo em conta a especificidade e heterogeneidade dos territórios, o que requer uma abordagem diferenciada de base local/regional que integre múltiplos arranjos possíveis de desenvolvimento

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económico, arranjos esses que não têm de ser necessariamente convergentes. Aliás, esse não deve ser o principal objetivo das políticas de desenvolvimento regional:

O ponto de partida das políticas de desenvolvimento de base local assenta na ideia de que a maior parte do conhecimento necessário para explorar o potencial de crescimento de um lugar e de projetar os investimentos à medida das instituições não está prontamente disponível e em poder do estado, das grandes empresas ou dos agentes locais, mas deve ser produzido de novo através de um processo participativo e deliberativo, processo que envolva todos os atores locais e externos (Barca et al., 2012:147).

Trata-se assim de uma nova visão das políticas públicas, que pressupõe que sejam tomadas em consideração as dinâmicas e especificidades dos contextos em que estas se inscrevem, que incorpore os seus valores e reconheça o papel dos atores e de modalidades particulares de cooperação/coordenação, fundadas em mecanismos de negociação e compromisso relativos aos processos de tomada de decisão, e que permita, para além disso, um verdadeiro espaço de participação democrática, isto é, um espaço de diálogo, de abertura à dissidência de opinião e a visões alternativas. Significa isto que, de acordo com Rodrik (2005, citado em Barca et al., 2012:148), o sucesso das políticas baseadas no local exige que os atores locais e regionais sejam estimulados a desempenhar um papel construtivo, de forma a que se promova o potencial associado ao envolvimento positivo desses atores no desenho e implementação das políticas. Este modo de proceder apresenta-se, sem dúvida, como mais adequado quer para a promoção do crescimento inclusivo dos territórios, quer para a sua coesão. Na verdade, ele permite:

(i) tirar partido das potencialidades específicas de cada território; (ii) a apropriação de estratégias locais, devido a uma maior participação de atores públicos e privados; (iii) a subsidiariedade, permitindo a adoção de estratégias mais adaptadas às realidades locais; (iv) a integração de políticas setoriais a uma escala territorial e o reforço de sinergias entre estas políticas (Feio e Chorincas, 2009:138-139),

e ainda favorece o envolvimento ativo dos principais destinatários das medidas políticas de que depende o sucesso político

.

Resulta daqui um modo novo de entender o desenvolvimento, concebido como um processo dinâmico e policêntrico que, assente em mecanismos de governança multinível, deve atravessar as tradicionais linhas de demarcação estritamente hierárquica entre governo local, regional e nacional, bem como as linhas que separam áreas jurisdicionais, isto é, os setores público, privado e a sociedade civil.

Efetivamente, com a territorialização das políticas públicas, com o reforço do papel dos atores locais e com a necessidade de se estabelecerem mecanismos de cooperação, emerge a relevância do processo de governança territorial, que traduz um novo olhar e uma nova maneira de encarar o papel das organizações, dos cidadãos e das autoridades públicas nos processos de tomada de decisão, e isso de tal modo que “a governança territorial se converteu no instrumento em que se encontram depositadas as esperanças de uma mais efetiva gestão e governo das políticas de desenvolvimento territorial” Dasi (2008:11) e se torna num fator fundamental da eficácia das políticas públicas.

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Em síntese, o desafio atual é o de fazer convergir o esforço de territorialização das políticas públicas com as políticas de natureza territorial, utilizando o território como matriz integradora e os processos de governança como elemento de ação pública que torna possível essa ligação.