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Dinâmicas de Articulação entre o Local e o Global

CAPÍTULO II POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNANÇA TERRITORIAL

1. Dinâmicas de Articulação entre o Local e o Global

Nas últimas décadas vem-se assistindo à progressiva afirmação dos territórios como elementos- chave para a compreensão quer da produção económica, quer dos fenómenos socioculturais. Dentro do vasto e variado sistema global, os territórios seguem, naturalmente, trajetórias específicas de desenvolvimento, pelo que são diversas as vias que têm conduzido a reflexão socioeconómica a confrontar-se com a diversidade de contextos socioculturais nos quais a produção tem lugar. A importância desses enquadramentos e da sua especificidade foi aumentando, ao mesmo tempo que iam sendo introduzidos conceitos como os de coesão territorial e vantagem competitiva das empresas e das regiões assentes na diversidade e na diversificação dos contextos de desenvolvimento local. A dimensão territorial como matriz geradora de conhecimento, de inovação e de competitividade passou a ser considerada como intrínseca aos fenómenos socioeconómicos e a assumir-se como variável estratégica essencial para o desenvolvimento sustentável.

Os territórios não são apenas o “suporte agregador de atores”, mas também uma “entidade criadora de sinergias inovadoras” (Lopes, 2001: 12), cujas dinâmicas – influenciadas pelas condições regionais, nacionais e internacionais em que se enquadram – desempenham um papel

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determinante nos processos de desenvolvimento regional. É no “ `local´, enquanto `espaço vivido´ de confluência e síntese, que o desenvolvimento realmente ocorre” (Lopes, 2001:3).

Assim, os territórios caracterizam-se por serem contextos vivos de experiências, de conhecimento e de inovação, ideia que já havia sido desenvolvida por Becattini e Rullani (1995) quando consideraram que os territórios não devem ser entendidos como simples “`recipientes´ de diversidade histórica, mas como autênticos laboratórios cognitivos onde constantemente se experimentam, selecionam e conservam novas variedades” (Becattini e Rullani,1995:9).

A identificação dos fatores intrínsecos aos territórios constitui a chave de leitura indispensável para a compreensão das suas dinâmicas e a utilização das suas especificidades, sendo essa compreensão fundamental para a implementação de objetivos e estratégias de desenvolvimento de base local que possam desempenhar, nesse contexto, uma função essencial para a criação de vantagens competitivas de um país ou de uma região. Por sua vez,

a dimensão local não se restringe aos limites dum local específico mas, através de processos de relação e divisão de trabalho, vai-se expandindo interlocalmente e, por fim, globalmente. Quer isto dizer que um lugar não é um sistema local se não houver ramificações que o liguem ao circuito global (…) nem o global se desenvolve por oposição às especificidades dos lugares individualmente mas, pelo contrário, alimenta-se deles (Becattini e Rullani, 1995:15-16).

Nesta relação complexa em que os locais "jogam" a sua capacidade de autorrepresentação e simultaneamente têm de se abrir para o “mundo exterior”, participando em redes de relações de nível supralocais (do regional para o global), também ao nível das políticas públicas a dimensão do “local” tem vindo a assumir um papel cada vez mais importante. Essa importância resulta de uma efetiva reconfiguração do novo papel desempenhado pelos territórios. O “local” promove as suas especificidades a partir do seu referencial identitário, realçando aquilo que Davoudi et al. (2008: 36) designam por “qualidades do meio”, que constituem o seu capital territorial e a sua vantagem competitiva, contribuindo, desse modo, para um efetiva coesão territorial.

Subjacente à dinâmica complexa de relações que se estabelecem entre o local e o global, está o conceito de redes nodais, desenvolvido por Manuel Castells (2005) que considera que as redes “são um sistema de nós interligados e os nós são os pontos onde a curva se intersecta a si própria”. Como estruturas abertas que são, “as redes evoluem acrescentando ou removendo nós de acordo com as mudanças necessárias aos programas, visando atingir os objetivos de performance para a rede” e só através de uma observação empírica e das práticas que dão corpo à lógica da rede é que se pode compreender o funcionamento da sociedade em rede e, mais especificamente, da economia em rede Castells (2005:19) e, ainda, do papel das redes inter-organizacionais “como facilitadoras de fluxos de conhecimento e inovação” (Huggins et al., 2012:205).

Esta ideia da “localização global” dos territórios e da sua “desmaterialização” no contexto das redes e dos fluxos, ao mesmo tempo que se afirma a sua coesão a partir do conceito de capital territorial associado à identidade local e ao seu potencial endógeno como vantagem competitiva,

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remete-nos para os conceitos de “espaço fluxos” versus “espaço lugar” de Castells (2000), entendendo-se por “espaço fluxo”, em contraposição a “espaço lugar”, o espaço virtual proporcionado pelas tecnologias de comunicação e sistemas de redes, traduzidas nas conexões que se estabelecem entre pessoas e que transpõem os domínios do espaço físico ou geográfico.

Um lugar é um local cuja forma, função e significado estão autocontidos dentro das fronteiras da contiguidade física (…) lugares não são necessariamente comunidades, no entanto, podem contribuir para a construção de uma comunidade (…) [do mesmo modo que] nem todos os lugares são socialmente interativos e espacialmente ricos. São precisamente as suas qualidades físicas e simbólicas que tornam os lugares diferentes (Castells, 2000:453-457).

As relações entre “espaço fluxo” e “espaço lugar” são idênticas às que existem entre globalização e localização. As pessoas ainda vivem em lugares mas, porque a função e o poder da nossa sociedade estão organizados em espaços de fluxos, a dominância estrutural da sua lógica altera o significado e a dinâmica dos lugares.

No âmbito das políticas de desenvolvimento regional, não se pode hoje ignorar que as dimensões do desenvolvimento económico se correlacionam com as da geografia económica, razão pela qual Barca et al. (2012) consideram que qualquer debate que se queira fazer sobre políticas regionais deve “primeiro considerar os enormes impactos que as tendências da moderna globalização têm sobre a geografia dos territórios e que é independente da nossa definição de lugares em termos de países, regiões, ou cidades” (Barca et al., 2012:135). Mas não foram só os efeitos da globalização que mudaram a conceção de espaço, foi também a forma como se passou a encarar a geografia económica das regiões que mudou. Com efeito, hoje as abordagens regionais devem ter uma visão integrada, sistémica e multissetorial do desempenho económico das regiões, de modo a que possam ser identificados e aproveitados os pontos fortes e os ativos locais como forma de incentivar o seu desenvolvimento e estimular a sua competitividade.

2. Da Territorialização das Políticas Públicas às Políticas Territoriais