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CONSTITUIÇÃO DO LÉXICO DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

3.3 Dactylologia dos Surdos-Mudos

A Iconographia dos Signaes dos Surdos-mudos tem 20 estampas. Cada estampa trata de um conjunto de sinais, perfazendo ao todo 382 sinais.

A primeira estampa apresenta a Dactylologia dos surdos-mudos, constituída por um conjunto de configurações de mão que representam as letras do alfabeto da língua portuguesa. Para Brito (1995, p. 22), “o alfabeto manual é constituído de configurações de mão constitutivas dos sinais, as quais representam as letras do alfabeto da língua portuguesa”. Essa denominação recebe também o nome de alfabeto manual.

A estampa referente à Dactylologia dos surdos-mudos está organizada em uma página, dividida em 25 quadrados e em cada um deles a CM correspondente a cada letra do alfabeto da Língua Portuguesa, na seguinte ordem: letra do alfabeto no lado esquerdo do quadrado e, centralizado, a CM constitutiva do sinal que representa a letra.

A Dactylologia é representada somente com as mãos e Flausino da Gama a apresenta a partir do desenho litográfico da mão direita. São 26 letras do alfabeto datilológico. Vejamos a estampa 1 referente à Dactylologia dos Surdos- Mudos.

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Figura 3.3: Dactylologia dos Surdos-Mudos Fonte: Gama, 1875.

Vejamos como o alfabeto foi desenhado por Pélissier. Ressaltamos que este denomina as páginas como planches e Flausino da Gama como estampas.

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Na obra de Pélissier, a planche 1 refere-se ao Alphabet Manuel des Sourds-muets (dactylologie).

Figura 3.4: Planche 1: Alphabet manuel des sourds-muets (dactylologie) Fonte: Sofiato, 2011.

Comparando a estampa de Flausino da Gama com a planche de Pélissier, podemos destacar alguns elementos importantes. Da Gama desenhou

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as configurações utilizando a mão direita e Pélissier utilizou as duas mãos, direita e esquerda. As configurações de mão para representar as letras C, E, F, G, I, K, L, Q, S e T foram desenhadas com a mão esquerda, pelo professor Pélissier.

Essa posição de Flausino da Gama traz algo que é diferente. Ele remete ao já-dado, retoma as configurações de mão de Pélissier, e projeta, a partir delas, o novo, as configurações que se diferenciam. Ao mesmo tempo em que retoma o já-dado e instala o novo, da Gama provoca uma ruptura. E essa ruptura provoca uma diferença importante entre as duas línguas. Podemos dizer que a língua de sinais do Brasil começa a ser ressignificada.

A ilustração do alfabeto datilológico da língua de sinais do Brasil com a mão direita é um traço que permanece até hoje. Vimos que, diferentemente de Pélissier, da Gama desenhou todas as configurações a partir da mão direita e esta escolha representou, desde o início, uma posição diferenciada do autor em relação à realização do alfabeto para a língua de sinais do Brasil. Além disso, da Gama marcou outra diferença: algumas configurações de mão já indicavam uma língua diferente da língua de origem, como as configurações de mão para as letras D, G, J, S e X.

As configurações de mão relativas às letras D e J apresentam diferenças em relação à posição dos dedos. Na CM da letra D, Flausino da Gama desenha o dedo indicador da mão direita um pouco mais distendido, enquanto que no desenho feito por Pélissier o dedo indicador encontra-se curvado. Para a configuração da letra J, Flausino da Gama desenha a mão direita fechada, dedo mínimo distendido, demais dedos fechados contra a palma da mão, polegar fechado, tocando a lateral do indicador. Já no desenho de Pélissier, a diferença encontra-se na posição do dedo polegar, uma vez que este se encontra fechado sobre os demais dedos. A configuração de mão da letra S diferencia-se ao observar o modo como a mão se fecha. Na obra de Flausino da Gama, todos os dedos estão unidos e curvados, tocando a metade do dedo polegar; na obra de Pélissier, todos os dedos estão unidos e curvados, mão fechada; dedo polegar encima dos demais dedos, ficando com a ponta um pouco estendida. Atentemos

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para as diferenças de configurações de mão das letras D, J e S, nas duas obras.

Pélissier (1856) Flausino da Gama (1875)

Figura 3.5: Configuração de mão para as letras D, J e S

Para a letra X, observamos que ocorre também uma não coincidência entre a configuração de mão nos dois alfabetos. Enquanto da Gama marca a diferença usando somente a mão direita, Pélissier desenha a CM que representa a referida letra com as duas mãos.

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Pélissier (1856) Flausino da Gama (1875)

Figura 3.6: Configuração de mão para a letra X

Dessas configurações de mão que representam as letras D, G, J e X, a que mais se diferencia do alfabeto de Pélissier é a que representa a letra G e ela foi tão relevante que permaneceu como configuração do alfabeto manual atual da Libras e provocou mudança na configuração de mão da letra Q, como veremos adiante.

Pélissier (1856) Flausino da Gama (1875) Novo Deit-Libras (2009)

Figura 3.7: Configuração de mão da letra G

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Flausino da Gama, que marcam uma diferença, uma ruptura com a Língua de Sinais Francesa, à época. Veremos, agora, o que permanece, o que se acrescenta em relação ao alfabeto de Flausino da Gama para o alfabeto atual da Língua Brasileira de Sinais, tomando o dicionário de Capovilla, o Novo Deit-Libras (2009), para estabelecer e compreender essa relação.

Quase todas as configurações de mão ainda hoje presentes na Língua Brasileira de Sinais são as mesmas usadas no Brasil Imperial. Somente as configurações de mão que representam as letras D, H, J, K, Q, S, X e Y apresentam diferenças, seja em relação à mudança de posição dos dedos, seja em relação à indicação de algum movimento para a realização do sinal da letra.

Assim, as configurações de mão das letras D, J, Q, S, em relação às configurações do alfabeto manual atual, sofreram pequenas modificações, especificamente no que diz respeito à posição dos dedos e das mãos. Para configurar a mão em D, o dedo indicativo passou a ficar totalmente distendido e não inclinado como na Dactylologia de Flausino da Gama. A letra S, que na obra de Flausino, configurava-se com a mão direita semiaberta (palma para a esquerda, dedos unidos e curvados, tocando a metade do dedo polegar, com uma pequena abertura entre o polegar e os demais dedos), passa a ter a configuração da “mão horizontal fechada, palma para a esquerda, palma do polegar tocando os demais dedos” (CAPOVILLA, 2012, p. 1963).

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Figura 3.8: Configuração de mão das letras D e S

Na configuração de mão da letra J, na obra de Flausino da Gama, podemos assim descrevê-la: o dedo polegar toca a lateral do dedo indicador, dedos indicador, médio e anular fechados e dedo mínimo distendido; a mão fica em posição horizontal, com o dorso para frente e a palma para trás; movimentar a mão de cima para baixo, da esquerda para a direita, formando/desenhando no espaço a letra J. No Dicionário Deit-Libras (2009), a descrição da configuração de mão da letra J apresenta-se da seguinte forma: “mão em I (mão vertical fechada, palma para frente, dedo mínimo distendido), palma para frente. Mover a mão para baixo, girar a palma para a esquerda, e depois para cima, durante o movimento” (p. 1307). A mudança na configuração da letra J refere-se à posição do dedo polegar, pois ele deixa de ficar fechado sobre o dedo indicador e passa a ficar fechado sobre os demais dedos. Nesse caso, a CM da letra J, presente no alfabeto manual atual da Libras, retoma a CM do alfabeto manual da obra de Pélissier.

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Pélissier (1856) Flausino da Gama (1875) Novo Deit-Libras (2012)

Figura 3.9: Configuração de mão da letra J

Na obra de Flausino da Gama, a letra Q é representada pela configuração de mão descrita da seguinte forma: mão fechada, palma para baixo, dedos polegar e indicador distendidos, apontando para baixo. Capovilla el al (2009, p. 1846) assim descreve a configuração de mão da letra Q: “mão vertical fechada, palma para trás, dedo indicador distendido e apontando para baixo, polegar tocando a lateral do indicador”. O que as obras mostram é uma mudança de configuração de mão, especificamente em relação à posição do dedo polegar. Vejamos a diferença nas duas obras:

Flausino da Gama (1875) Novo Deit-Libras (2012)

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O que nos interessa mostrar também é que a configuração de mão da