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5.5 IDENTIFICAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE ANEMIA PROLONGADA

5.5.2 Dados dos 20 pacientes em que não foi possível detectar a

soroconversão

Esses 20 pacientes frequentaram periodicamente o ambulatório para consultas clínicas e as coletas de sangue para determinação de contagem de

linfócitos T CD4+ e de carga viral do HIV. Em cinco deles não havia registro de

hemogramas durante o período de soroconversão; em seis só havia registro de um hemograma, sem anemia, no período de soroconversão; em cinco havia registro de dois hemogramas e em outros dois de três hemogramas no período de soroconversão e a concentração de hemoglobina estava normal em todos os exames desses sete indivíduos; em dois pacientes havia o registro de dois hemogramas no período de soroconversão: um exame com anemia na data da coleta da UAN e outro sem anemia na ocasião da coleta da PAP. O intervalo entre esses hemogramas foi de nove meses em um paciente e de 12 meses no outro. Nos dois casos a anemia era discreta (hemoglobina: 12,6 g/dL e 12,5 g/dL) e, de acordo com dados dos prontuários médicos, foi atribuída à infecção pelo HIV em um paciente e ao uso da zidovudina no outro indivíduo.

Em nenhum dos 20 casos foi registrada no prontuário qualquer queixa ou alteração no exame físico sugestivas de anemia.

Um resumo expandido das características clínicas e laboratoriais desses 20 pacientes em que foi evidenciada a soroconversão de anticorpos IgG anti-B19V, mas não foi possível detectar a ocorrência de anemia prolongada, pode ser visto no Apêndice 6.

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Resultados

Dos 60 pacientes que não soroconverteram para B19V, 36 tinham hemograma na UAN. Destes, um paciente apresentou anemia transitória (hemoglobina: 13,3g/dL em junho/2004; hemoglobina: 12,6 g/dL em julho/2004; hemoglobina: 13,0 g/dL em agosto/2004) e cinco apresentaram anemia prolongada e as causas identificadas foram infecção pelo HIV (três pacientes), metrorragia (uma paciente) e uso de zidovudina (uma paciente) (Apêndice 7).

6 DISCUSSÃO

Esta análise representa o segundo maior estudo de soroprevalência de IgG anti-B19V em pacientes infectados pelo HIV publicado na literatura médica. VAN ELSACKER-NIELE e colaboradores (1996) estudando 317 pacientes infectados pelo HIV encontraram 60,3% de soroprevalência de IgG anti-B19V, semelhante ao observado no presente estudo (62,9%). Na série de VAN ELSACKER-NIELE e colaboradores (1996) os pacientes tinham imunodeficiência mais avançada,

demonstrada pela contagem média de linfócitos T CD4+ (36 células/mm³), inferior ao

observado neste estudo (311 células/mm³).

Na literatura nacional, um estudo, também realizado em Niterói/RJ, avaliou a soroprevalência de anticorpos para o B19V. AGUIAR e colaboradores (2001) estudaram 55 pacientes infectados pelo HIV, acompanhados em um ambulatório de doenças infecciosas entre setembro de 1997 e janeiro de 1998, período de baixa circulação do vírus no município (OLIVEIRA et al., 2005). Utilizando teste de imunofluorescência indireta para detectar IgG anti-B19V, esses autores encontraram uma elevada prevalência (91%), maior do que a observada no presente estudo (62,9%). Todavia, outros estudos conduzidos no Brasil em adultos

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imunocompetentes identificaram taxas de soropositividade ao redor de 70%, semelhante ao encontrado neste trabalho (SILVA et al., 2006; HUATUCO et al., 2008). No estudo de Bastos (2003) realizado em Goiânia, estado de Goiás, envolvendo pacientes infectados pelo HIV, a soroprevalência foi de 74%.

GYLLESTEN e colaboradores (1994), em estudo retrospectivo envolvendo pacientes infectados pelo HIV, compararam 69 pacientes anêmicos com pacientes sem anemia ou outros sintomas relacionados ao HIV. De forma semelhante ao observado no presente estudo, os autores encontraram uma soroprevalência de anticorpos IgG anti-B19V de 64% e nenhuma diferença foi observada sobre a soroprevalência de IgG entre os pacientes com imunidade ainda preservada ou com imunodeficiência avançada (de acordo com a contagem de

linfócitos T CD4+).

Em outro estudo (CHERNACK et al., 1995) a média da contagem de

linfócitos T CD4+ (284 células/mm³) foi semelhante ao observado neste estudo

(254 células/mm³), mas os autores encontraram uma soroprevalência

surpreendentemente baixa: em apenas 7,6% de pacientes infectados pelo HIV, não selecionados, e em 18,2% dos pacientes anêmicos os anticorpos IgG específicos para o B19V foram detectados. A razão para esta variação na soroprevalência talvez possa ser explicada em termos de características sazonais, epidemiológicas ou demográficas que resultem em diferentes taxas de exposição ao B19V.

Dois outros estudos evidenciaram soroprevalência mais elevada: 96% (RAGUIN et. al., 1997) e 81% (VERNAZZA et. al., 1996). RAGUIN e colaboradores

(1997) encontraram prevalência de anticorpos IgG anti-B19V em pacientes anêmicos semelhante à encontrada em não-anêmicos. Os autores concluíram que a anemia não pode ser relacionada com a presença de anticorpos IgG para o B19V. No presente estudo, embora a soroprevalência tenha sido maior nos pacientes anêmicos do que nos não-anêmicos (76,3% e 62,5%, respectivamente), esta diferença não foi estatisticamente significativa. No estudo de VERNAZZA e colaboradores (1996) houve uma tendência estatisticamente não significativa de aumento da taxa de soroprevalência com a diminuição da contagem de linfócitos T

CD4+. Esta associação inversa não foi observada no presente estudo, embora uma

maior taxa de soroprevalência (75%) tenha sido encontrada entre os pacientes com

imunodeficiência mais avançada (contagem de linfócitos T CD4+ <50 células/mm³).

Neste trabalho não foi avaliada a associação entre comportamento de risco e a soroprevalência de IgG anti-B19V. VERNAZZA e colaboradores (1996) não conseguiram atribuir a taxa de soroprevalência de IgG para o B19V a um comportamento de risco específico, uma vez que as taxas encontradas foram semelhantes nas três categorias de risco estudadas (homossexualidade, heterossexualidade e uso intravenoso de drogas), o que é consistente com o fato de que a principal via de transmissão do B19V é a respiratória.

Foi encontrada neste estudo uma associação inversa, estatiscamente não significativa, entre a soropositividade e a carga viral do HIV. Esta inesperada observação poderia indicar uma suscetibilidade aumentada à infecção pelo B19V nos pacientes com baixa carga viral do HIV ou, talvez, uma maior habilidade na resposta humoral específica nesses indivíduos, cujo sistema imune não esteja sendo

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devastado por uma intensa atividade do HIV. Isto parece ocorrer independentemente

da contagem de linfócitos T CD4+, uma vez que não foi encontrada associação

estatisticamente significativa entre a contagem de linfócitos T CD4+ e a presença de

anticorpos IgG anti-B19V. Nenhum outro estudo avaliando a soroprevalência para IgG anti-B19V e a carga viral do HIV foi encontrado na literatura.

As amostras sanguíneas coletadas no final de 2001 e em 2002 apresentavam menor prevalência de IgG anti-B19V (63,0%) do que as coletadas em 2003 (69,8%), embora este resultado não tenha sido estatisticamente significativo. Esses anos correspondem ao período interepidêmico, quando há baixa circulação do B19V (OLIVEIRA et al., 2005).

O estudo de soroprevalência apresenta algumas limitações. Os resultados foram baseados em um estudo seccional de pacientes infectados pelo HIV que podem não representar a coorte original. Todavia, isto provavelmente não afetou os resultados, uma vez que a infecção pelo B19V não parece interferir na sobrevida dos indivíduos infectados pelo HIV. Além disso, os dados são provenientes de uma população de pacientes infectados pelo HIV selecionados em um hospital público, o que pode não ser representativo da população de pacientes infectados pelo HIV dos municípios onde os pacientes residem. Por outro lado, não há razão para supor que indivíduos infectados pelo B19V pudessem ter mais probabilidade de serem atendidos no hospital onde este estudo foi conduzido. Estes fatores limitam a generalização de estimativas sobre a taxa de infecção pelo B19V. Este foi um estudo exploratório baseado em dados disponíveis de um número limitado de

pacientes. A fraca associação impede o controle de fatores de confusão através da análise multivariada.

A partir do estudo de soroprevalência foram selecionados os pacientes sabidamente IgG anti-B19V negativos, com o objetivo de detectar a ocorrência de soroconversão para o B19V e, naqueles que apresentavam evidências de infecção por este vírus, avaliar a presença de anemia prolongada associada ao B19V.

Após extensa revisão da literatura médica não foi encontrado registro de qualquer trabalho semelhante a esta pesquisa, abordando uma série de casos de soroconversão para o B19V em pacientes infectados pelo HIV. A literatura registra apenas alguns relatos de caso de soroconversão para o B19V (BREMMER E COHEN, 1994), geralmente após o início da TARV (ARRIBAS et al., 2000; TAGUCHI et al., 2001; WARE & MOORE, 2001; CLARKE & LEE, 2003), o que limitou a comparação dos resultados encontrados.

No presente estudo a soroconversão foi detectada em 28 (31,8%) dos 88 pacientes estudados, sendo nove (32,1%) casos em 2005 e em seis (21,4%) em 2006. A infecção pelo B19V ocorre em surtos epidêmicos com intervalos de quatro a cinco anos. No estado do Rio de Janeiro foram documentados surtos em 1994, 1998/1999 e 2004/2005 (OLIVEIRA et al., 2005). A constatação de que o maior número de soroconversões foi detectado em 2005, ano em que foi documentado um surto epidêmico de B19V no estado do Rio de Janeiro, é uma evidência de que os períodos em que há maior circulação viral são os de maior risco para os pacientes suscetíveis à infecção pelo B19V. É possível que um número maior de casos de

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infecção pelo B19V tenha ocorrido no período epidêmico (2004/2005). No entanto, devido ao intervalo entre as coletas das amostras sanguíneas, em alguns casos este fato não pode ser comprovado.

De todas as variáveis estudadas apenas a concentração de hemoglobina apresentou uma associação significativa com a ocorrência de soroconversão, isto é, a presença de anemia na UAN foi mais observada em pacientes que apresentaram soroconversão para o B19V (60,0%). Estes resultados são semelhantes aos obtidos por CALVET e colaboradores (1999) que identificaram a ocorrência de anemia em 17 (70,8%) dos 24 pacientes com imunossupressão associada ao transplante de órgãos e infecção pelo B19V.

Com frequência os pacientes infectados pelo HIV utilizam medicamentos que causam anemia, tais como zidovudina, quimioterápicos antimicrobianos (sulfa, ganciclovir, anfotericina B) ou antineoplásicos. A etiologia da anemia nesses pacientes também está relacionada a infecções oportunistas e à ação do próprio HIV na medula óssea (GARCIA, 1996a; GARCIA, 1996b). Foi avaliada neste estudo a presença dessas condições por ocasião da coleta da UAN para verificar possível interferência de um fator de confusão que pudesse ser a causa da anemia observada com maior frequência, de forma estatisticamente significativa, entre os pacientes que apresentaram soroconversão para o B19V. A ausência de uma associação significativa entre a presença dos fatores avaliados e a anemia reforça a importância do papel da infeção pelo B19V como causa de anemia em pacientes infectados pelo HIV.

A soroconversão para o B19V não dependeu da contagem de linfócitos T

CD4+, pois, embora a soroconverão tenha sido detectada com maior frequência nos

pacientes cujas contagens de linfócitos T CD4+ estavam abaixo de 200 células/mm³,

esse resultado não foi estatisticamente significativo. É possível que o uso da TARV potente tenha contribuído para a resposta imunológica frente à infecção pelo B19V,

mesmo antes da elevação detectável na corrente circulatória dos linfócitos T CD4+.

Estes dados confirmam a importância da restauração da resposta imune em pacientes em uso de TARV, diminuindo ou até suprimindo as alterações hematológicas graves causadas pela infecção pelo B19V antes da introdução da terapia antirretroviral altamente potente (ARRIBAS et al., 2000; SCAPELLATO & PALUMBO, 2000; WARE & MOORE, 2001).

Durante o período de observação, dos 88 indivíduos suscetíveis à infecção pelo B19V, 28 (31,8%) pacientes apresentaram evidências da ocorrência desta infecção, indicada pelo soroconversão de anticorpos IgG anti-B19V. Em oito pacientes constatou-se a ocorrência de anemia prolongada, mas devido à concomitância de diversos fatores responsáveis pela anemia nos pacientes infectados pelo HIV, além da própria infecção pelo B19V, não foi possível caracterizar, na maioria dos casos, a anemia prolongada como sendo causada apenas pelo B19V. Com base nos dados descritos nos registros médicos, dos oito casos com anemia prolongada avaliados, sete foram classificados como anemia de etiologia multifatorial e um como anemia relacionada à infecção pelo B19V, já que neste caso não havia relato de outro fator que pudesse ser responsabilizado pela anemia. A frequência de anemia prolongada observada no presente estudo (8/28

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pacientes – 28,6%) pode também estar associada aos intervalos entre a realização dos hemogramas.

Em 20 (71,4%) dos 28 pacientes que apresentaram soroconversão de IgG anti-B19V não havia dados clínicos e laboratoriais que pudessem identificar a ocorrência de anemia prolongada no período em que ocorreu a soroconversão, mas também não foi possível afastar a possibilidade de que esses pacientes tenham também desenvolvido anemia. É possível que, se fossem realizados hemogramas com intervalos mais curtos ao longo do período de soroconversão, a anemia prolongada poderia ter sido documentada. Considerando que em apenas um dos oito casos de anemia prolongada observada no período de soroconversão para o B19V esta foi classificada como grave é plausível supor que mesmo se a anemia prolongada tivesse sido identificada através de exames laboratoriais, esta provavelmente não teria sido de grande magnitude, uma vez que não havia relato nos prontuários de queixas ou alterações ao exame físico compatíveis com a ocorrência de anemia nesses 20 pacientes. Como exemplo do que foi exposto, pode-se avaliar o que foi observado no paciente R.S.G. (protocolo 012) que realizou hemogramas seriados nos seis meses que precederam a constatação da soroconversão para o B19V, com intervalos de dois meses entre a realização dos exames. Nesse paciente foi possível a identificação da ocorrência de anemia prolongada durante o período de soroconversão para o B19V, que provavelmente teve a infecção pelo B19V envolvida como causa.

CALVET e colaboradores (1999) em estudo envolvendo 62 pacientes receptores de transplante de pulmão, coração ou ambos os órgãos, identificaram a

ocorrência da infecção pelo B19V em 24 (38,7%) indivíduos, através da detecção de anticorpos e de viremia em amostras sanguíneas coletadas entre 1988 e 1999. Desses 24 pacientes, 10 indivíduos desenvolveram anemia crônica. Embora a

frequência de anemia crônica (10/24 – 41,7% pacientes) observada por CALVET e

colaboradores (1999) tenha sido superior à encontrada no presente estudo (8/28 –

28,6% pacientes), aqueles autores não avaliaram a ocorrência de anemia em um grupo controle, no qual a infecção pelo B19V não tenha ocorrido, e reconheceram a possibilidade de que outros fatores, tais como terapia imunossupressiva, comprometimento da função renal ou infecções por herpesvírus pudessem estar envolvidos no aparecimento da anemia nos pacientes por eles estudados. É também possível que a diferença entre os achados desses autores e os apresentados no atual estudo tenha sido relacionada ao maior número de amostras sanguíneas por paciente no estudo de CALVET e colaboradores (1999), além de heterogenicidade quanto às características clínicas dos dois grupos de pacientes estudados.

No presente estudo o anticorpo da classe IgM anti-B19V foi detectado em três (10,7%) dos 28 pacientes que apresentaram soroconversão, indicando infecção recente pelo B19V. Achado semelhante foi relatado por RAGUIN e colaboradores (1997) que detectaram IgM anti-B19V em cinco (9,1%) de 55 indivíduos infectados pelo HIV. Já CALVET e colaboradores (1999) detectaram IgM anti-B19V em 12 (50,0%) dos 24 pacientes que apresentaram evidências de infecção pelo B19V. Essa diferença pode estar relacionada ao tempo de observação e ao número de amostras sanguíneas estudadas de cada paciente. CALVET e colaboradores (1999) analisaram 1655 soros de 24 pacientes (média: 69 soros) coletadas no período de 1550 dias. Este estudo avaliou 358 amostras de 88 indivíduos (média: 4,1 amostras)

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coletadas no período de 2384 dias, com intervalos de coleta entre as amostras sanguíneas que variaram de dois a 18 meses (média: oito meses; mediana: sete meses) no período de soroconversão, dificultando a detecção de infecção recente pelo B19V.

Neste estudo não foi avaliada, através da detecção do DNA do B19V, a ocorrência de viremia, que poderia contribuir para os casos de anemia prolongada observados nos pacientes que não apresentaram soroconversão de IgG anti-B19V. Embora alguns estudos (NAIDES et al., 1993; ABKOWITZ et al., 1997) tenham sugerido a possibilidade da ocorrência de viremia pelo B19V em pacientes infectados pelo HIV, outros autores demonstraram que este é um evento incomum entre esses indivíduos (BREMMER & COHEN,1994; RAGUIN et al.,1997).

Um paciente (W.L.T., protocolo 011) que apresentou anemia grave (hemoglobina: 5,9 g/dL) foi submetido à biópsia de medula óssea, a qual exibia alterações compatíveis com a infecção pelo B19V. A TARV foi instituída, sob supervisão, garantindo a adesão ao tratamento. Este paciente, embora com

imunodeficiência avançada, caracterizada pela baixa contagem de linfócitos T CD4+

(3 células/mm³ na UAN; 1 célula/mm³ no intervalo entre a UAN e a PAP; 34 células/mm³ na PAP), evoluiu com regressão da anemia e soroconversão de anticorpos específicos para B19V, com a detecção de altos títulos (2,307 UI/mL) de anticorpos específicos IgG anti-B19V e também de anticorpos da classe IgM. BOWMAN e colaboradores (1990) também descreveram o caso de um paciente com anemia grave, cuja biópsia de medula óssea sugeria infecção pelo B19V. Nesse paciente o DNA do B19V foi detectado por hibridização em dot-blot, enquanto que

anticorpos específicos anti-B19V não foram encontrados no soro. Embora nessa

descrição não haja referência à contagem de linfócitos T CD4+, o quadro clínico do

paciente também era de imunodeficiência avançada: candidíase oral, diarréia profusa, emagrecimento e infecção por micobactéria atípica. Diferentemente do caso relatado no presente estudo, no caso descrito por BOWMAN e colaboradores (1990) não houve regressão da anemia e o paciente ficou dependente de transfusões sanguíneas durante meses, até o óbito. GOTTLIEB & DEUTSCH (1992) também

relataram um caso semelhante de paciente com imunodeficiência avançada (CD4+:

35 células/mm³), anemia grave (hemoglobina: 5,4 g/dL), cuja biópsia de medula óssea apresentava alterações compatíveis com infecção pelo B19V, e ausência de anticorpos específicos anti-B19V. Semelhante ao relatado por BOWMAN e colaboradores (1990) o paciente necessitou de múltiplas transfusões sanguíneas, sem apresentar recuperação da anemia. No presente estudo em nenhum momento durante o período em que o paciente apresentou anemia grave foi considerada a possibilidade de infecção pelo B19V estar envolvida na gênese da anemia. O indivíduo apresentou melhora do quadro hematológico sem terapia com IGIV nem transfusão sanguínea. Neste paciente, com a adesão à TARV, observou-se aumento

discreto da contagem de linfócitos T CD4+, mas o suficiente para haver resposta

humoral à infecção pelo B19V e conter o efeito deste vírus na medula óssea. Outras publicações relatam casos semelhantes (SCAPELLATO & PALUMBO, 2000; WARE & MOORE, 2001).

A remissão de aplasia eritróide pura associada ao B19V após a instituição de TARV foi observada por MYLONAKIS e colaboradores (1999). Os autores relataram o caso de um paciente com aids que desenvolveu anemia devido à

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infecção pelo B19V, que foi tratada sem sucesso com IGIV, ficando dependente de transfusões sanguíneas. Dois meses após o início da TARV a viremia pelo B19V

tornou-se negativa e, à medida que a contagem de linfócitos T CD4+ aumentava,

diminuía a necessidade de transfusões sanguíneas. O paciente evoluiu com regressão da anemia e reconstituição imune. ARRIBAS e colaboradores (2000)

descreveram o caso de um paciente com aids (linfócitos T CD4+: 2 células/mm³) e

anemia grave (hemoglobina: 6,0 g/dL) e ausência de anticorpos IgG e IgM anti- B19V. O exame da medula óssea foi compatível com infecção pelo B19V. O paciente recebeu repetidas transfusões sanguíneas e IGIV. Doze semanas após o

início da TARV a contagem de linfócitos T CD4+ era 46 células/mm³ e foram

detectados anticorpos IgG e IgM para B19V. As observações desses autores, assim como o que foi observado no paciente deste estudo, devem ser consideradas ao se propor o tratamento da anemia prolongada causada pelo B19V com IGIV. Tendo em vista o alto custo da terapia com IGIV, cuja eficácia pode ser transitória ou inexistente (MYLONAKIS et al., 1999), e os benefícios advindos da TARV, é mais razoável que sejam adotadas todas as medidas disponíveis para estimular a adesão à TARV, ao invés de se arcar com os elevados custos da terapêutica com IGIV. Um dos desfechos esperados com a TARV é a restauração imune, a qual possibilitará a regressão da anemia causada pelo B19V, assim como o controle das múltiplas infecções oportunistas características da aids associado à melhora clínica observada nesses pacientes.

No presente estudo, dos 28 pacientes que apresentaram evidências de infecção pelo B19V, oito (28,6%) indivíduos apresentaram anemia prolongada e é possível que em pelo menos um desses pacientes a anemia prolongada estivesse

relacionada apenas ao B19V. GYLLESTEN e colaboradores (1994) estudaram pacientes infectados pelo HIV, comparando os anêmicos com os não anêmicos. Esses autores detectaram o DNA do B19V no soro de 5/69 (7,2%) pacientes anêmicos, dos quais dois pacientes desenvolveram anemia persistente, dependentes de transfusões de sangue, sem apresentarem anticorpos específicos anti-B19V. Concluíram, então, que a infecção pelo B19V é uma causa rara de anemia nos pacientes infectados pelo HIV. BREMNER & COHEN (1994), em estudo semelhante ao de GYLLESTEN e colaboradores (1994), não encontraram viremia pelo B19V em nenhum paciente por eles estudados e sugeriram que a infecção pelo B19V não é uma causa comum de anemia em pacientes infectados pelo HIV, embora tenham alertado para o fato de que o estudo foi realizado em um ano de baixa incidência da infecção pelo B19V. Resultados semelhantes, embora utilizando outros métodos diagnósticos, foram encontrados por SETÚBAL e colaboradores (2006). Esses autores pesquisaram evidências de infecção pelo B19V em pacientes submetidos à necropsia ou biópsia de medula óssea entre 1988 e 2002, utilizando a coloração pela hematoxilina-eosina, a imuno-histoquímica e a hibridização in situ, e

encontraram uma frequência baixa (1/73 pacientes – 1,4%) de infecção pelo B19V.

Apesar dos diferentes desenhos dos estudos citados e dos métodos diagnósticos